Refletindo sobre as contradições entre ideias liberais e sociedade escravista no Brasil, o autor faz uma análise detalhada de Senhora, de José de Alencar, e dos primeiros romances de Machado de Assis. Estes ensaios concisos e brilhantes - entre eles o famoso "As ideias fora do lugar" - se tornaram um paradigma de excelência para a crítica cultural brasileira.
A sátira ferina da situação política e social do Brasil durante a ditadura e uma surpreendente incursão de Roberto Schwarz no terreno da ficção dramática. Em 13 de dezembro de 1968, a decretação do AI-5 pela ditadura militar mergulhou o Brasil numa longa noite de repressão, torturas e assassinatos políticos. Entre os intelectuais de esquerda visados pela "linha dura" do regime estava Roberto Schwarz, então professor de teoria literária na USP e assistente de Antonio Candido. Schwarz, sociólogo de formação, foi acusado de promover a subversão marxista na universidade, e teve de se esconder na casa de amigos para escapar às garras dos "milicos". Meses mais tarde, o crítico e professor paulista conseguiria viajar para o exílio na França. No entanto, para passar o tempo no esconderijo improvisado, Schwarz se pôs a explorar a boa biblioteca de seus amigos, e releu, entre outros, O príncipe, de Maquiavel, e O alienista, de Machado de Assis. O extenso conto do mestre de Memórias póstumas de Brás Cubas lhe forneceu a inspiração e a matéria-prima para A lata de lixo da história, chanchada em treze cenas que transfigura o clássico machadiano numa sátira impiedosa da sociedade brasileira durante o regime militar. Ironizando até mesmo a necessidade de transportar a crítica política para o Brasil colonial - e a cidade de Itaguahy para uma improvável Suíça - naquele clima geral de censura e delação, Schwarz reaproveita o enredo e os personagens de O alienista com humor, agudeza e mordacidade. O germe das "ideias fora de lugar", um dos principais temas da obra crítica de Schwarz, transparece nas ações desmioladas do alienista Simão Bacamarte, que implanta em Itaguahy um regime totalitário, inteiramente baseado numa "ciência" importada, para salvaguardar a saúde mental dos cidadãos.
Seis ensaios brilhantes do crítico que renovou a leitura dos livros de Machado de Assis. Um marco da cultura brasileira.
Se há um crítico brasileiro que marca e influencia outros estudiosos ao redor do mundo é Roberto Schwarz. Sua inovadora abordagem das relações entre a forma ficcional e a estrutura de classes nos romances de Machado de Assis é fruto das mais avançadas formulações nas áreas da teoria estética, da história e da sociologia. Herdeiro da Escola de Frankfurt, Schwarz ampliou o campo da crítica - inclusive em termos geográficos, pois hoje os textos do brasileiro são lidos e comentados nas melhores universidades europeias e norte-americanas.
Em As ideias fora do lugar estão nada menos que seis peças da crítica literária do autor, textos essenciais que são leitura obrigatória para todos aqueles interessados em entender o nosso país por meio da literatura e das ciências sociais. Cultura e política no Brasil sob a ditadura, Machado de Assis, identidade nacional e uma leitura arrojada da ficção de Paulo Emilio Sales Gomes formam a constelação de temas e motivos deste volume.
No ensaio que empresta seu título ao livro, Schwarz tenta compreender como se deu, na forma do romance oitocentista brasileiro, a leitura de uma sociedade na qual as ideias liberais eram solapadas pela realidade de um país escravocrata e socialmente atrasado, em que o favor era a moeda corrente. O nó dessa questão é exposto com brilhantismo nesse texto que é uma das pedras de toque da crítica dos últimos trinta anos. Uma obra-prima da leitura social de textos de ficção.
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