
- Charlotte Gupta e Carissa Gardiner
- The Conversation*
Você, alguma vez, já reduziu sua ingestão de cafeína e teve a impressão de ter os sonhos mais intensos da sua vida?
A redução da cafeína pode trazer diversos benefícios, como dentes mais brancos e menos idas ao banheiro. Mas costumamos ouvir frequentemente que uma das suas desvantagens é a ocorrência de sonhos vívidos e, muitas vezes, assustadores.
Este é um efeito estranho e específico que, segundo muitas pessoas, surge em questão de dias após a redução da ingestão de cafeína.
Mas existe alguma comprovação científica por trás disso? O que as pesquisas podem nos dizer a respeito?
Como a cafeína influA adenosina costuma se acumular ao longo do dia, quando estamos ativos e acordados. À noite, o acúmulo da substância no cérebro nos ajuda a sentir sono.
A adenosina é liberada enquanto dormimos e, idealmente, acordamos nos sentindo renovados, prontos para que a adenosina comece a se acumular novamente.
A cafeína, quando ingerida, bloqueia o sinal da adenosina. Por isso, a adenosina continua ali, mas não sentimos tanto sono. E, quando a cafeína acaba, a nossa necessidade de dormir aumenta.
A meia-vida da cafeína é de cerca de três a seis horas. Ou seja, metade da cafeína que consumimos permanece no nosso corpo após esse período e, o mais importante, ela ainda afeta a adenosina.
É por isso que, para muitas pessoas, a ingestão de cafeína à tarde ou no início da noite pode dificultar o sono noturno.
O que são sonhos vívidos?
Os sonhos vívidos são aqueles que parecem reais. Eles podem ser incrivelmente claros e detalhados.
Muitas vezes, eles envolvem imagens e emoções fortes. Esses sonhos podem ser tão intensos que, às vezes, conseguimos nos lembrar deles por muito tempo depois de acordar.

Ao interferir com a sinalização da adenosina, a cafeína também pode deixar o nosso sono mais interrompido e reduzir o período de tempo total que passamos dormindo.
Isso vale especialmente para o sono sem movimento rápido dos olhos (NREM, na sigla em inglês), que é profundo e restaurador.
De forma geral, as pesquisas demonstram claramente que, quanto mais tarde ingerirmos cafeína e quanto maior a sua quantidade, pior será para o nosso sono.
Não existem muitas pesquisas diretas sobre a relação entre a redução da cafeína e os sonhos mais vívidos. A maioria dos estudos se concentra em como a cafeína afeta o sono, não no que acontece nos nossos sonhos.
Mas isso não significa que estamos totalmente no escuro. Sabemos que existe forte relação entre a qualidade do sono e os nossos sonhos.
Por que menos cafeína pode trazer menos sonhos vívidos?
Não há comprovação direta, mas as pessoas continuam defendendo o mesmo ponto: se elas reduzirem a cafeína, em questão de algumas noites, seus sonhos começam a parecer mais intensos, detalhados ou apenas totalmente estranhos.
A redução da cafeína não causará diretamente sonhos vívidos, mas existe uma ligação plausível.
Como a cafeína pode reduzir o sono total e aumentar a quantidade de vezes em que acordamos à noite, especialmente quando consumida mais para o final do dia, reduzir a substância pode causar "efeito rebote" no corpo.
Ou seja, quando conseguimos mais sono, isso pode aumentar a nossa quantidade de sono REM (movimento rápido dos olhos, na sigla em inglês).
O sono REM é uma fase em que o nosso corpo está relaxado, mas o nosso cérebro está muito ativo. Também é o estágio do sono associado aos sonhos.
Mais sono REM pode aumentar as oportunidades para que o nosso cérebro produza sonhos vívidos e elaborados.
Pesquisas entre veteranos de guerra concluíram que as pessoas que têm maior percentual de sono REM apresentam maior probabilidade de relatar sonhos vívidos.
O sono REM também é a fase do sono em que temos maior probabilidade de acordar durante a noite. E, se acordarmos do sono REM, provavelmente iremos nos lembrar dos nossos sonhos, já que eles estarão "frescos" na nossa memória.

Por isso, reduzir a cafeína pode aumentar a nossa quantidade de sono REM, o que significa mais oportunidades para sonhar e nos lembrarmos dos nossos sonhos.
É claro que o sono é um fenômeno complexo, da mesma forma que os sonhos. Nem todos começarão subitamente a ter sonhos intensos depois de abandonar a cafeína e o efeito poderá durar apenas alguns dias ou semanas.
A questão é que não existem muitas evidências significativas que relacionem a redução da cafeína aos sonhos vívidos. Mas poderá haver alguma associação.
A cafeína afeta o nosso sono. O sono afeta os nossos sonhos. E, quando retiramos a cafeína da equação ou a reduzimos, o nosso cérebro poderá ter a possibilidade de passar mais tempo em sono REM.
Tudo é questão de horários
Agora você pode receber as notícias da BBC News Brasil no seu celular.
Clique para se inscrever
Fim do Whatsapp!
Quando pensamos em cafeína, costumamos nos lembrar do café e das bebidas energéticas. Mas a substância também pode ser encontrada em refrigerantes, chocolate, chá, balas, suplementos esportivos e medicamentos.
A cafeína traz diversos benefícios, por exemplo, para as funções cognitivas e a saúde mental.
Estudos demonstraram que as pessoas que tomam café apresentam menor risco de depressão. A cafeína também está associada à redução do risco de doenças neurodegenerativas, como mal de Parkinson.
O café contém ainda vitaminas do complexo B e antioxidantes, que são componentes essenciais para uma alimentação saudável.
Para pessoas que trabalham em turnos, particularmente à noite, a cafeína, muitas vezes, é uma forma de gerenciar o cansaço. E mesmo as pessoas que não trabalham em turnos podem não conseguir iniciar as tarefas diárias sem aquela primeira (ou segunda) xícara de café.
Se você não estiver disposto a eliminar totalmente a cafeína, mas quiser otimizar seu sono, tudo é questão de horários.
Tente evitar a cafeína por pelo menos oito horas antes da hora de dormir e não consumir grandes doses em até 12 horas antes de ir para a cama.
Com isso, seu sono pode agradecer e seus sonhos podem ser simplesmente surpreendentes.
* Charlotte Gupta é pesquisadora do sono da Universidade CQ, na Austrália.
Carissa Gardiner é pesquisadora em pós-doutorado em desempenho esportivo, recuperação, lesões e novas tecnologias da Universidade Católica Australiana.
Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado sob licença Creative Commons. Leia aqui a versão original (em inglês).
Nenhum comentário:
Postar um comentário