SABERES TRANSDISCIPLINARES E ORGÂNICOS.

terça-feira, 9 de dezembro de 2025

Urbanismo social aberto no Jangurussu por Egidio Guerra.

 

1. Teorias que Explicam o Avanço do Crime nessas Áreas 




  • Teoria da Desorganização Social (Chicago School): Crime emerge quando há ruptura de laços comunitários, falta de coesão social e instituições frágeis. 

  • Economia do Crime (Becker): Indivíduos avaliam custo-benefício; sem oportunidades legais, o crime torna-se "racional". 

  • Teoria da Privação Relativa: Descontentamento surge da percepção de desigualdade e exclusão do acesso a bens e serviços. 

  • Teoria das Janelas Quebradas (Kelling & Wilson): Ambientes degradados fisicamente sinalizam abandono, incentivando crimes menores que podem escalar. 

  • Geografia do Crime: Espaços urbanos com baixa conectividade, iluminação e vigilância natural facilitam a criminalidade. 

 

2. Pilares para Urbanização Integrada 

a) Inclusão Sócio-Espacial 


  • Teoria de Justiça Espacial (Soja, Harvey):
     Garantir acesso equitativo a recursos urbanos. 

  • Aplicação: Conectar a comunidade à cidade formal com transporte acessível, infraestrutura básica (água, saneamento, energia) e espaços públicos qualificados. 

b) Economia Local e Geração de Renda 

  • Desenvolvimento Econômico Local (Friedmann): Fomentar economias de bairro, capacitação profissional e microcrédito. 

  • Teoria do Capital Social (Putnam): Fortalecer redes de confiança para cooperação econômica. 



c) Segurança Cidadã 

  • Prevenção do Crime através do Design Ambiental (CPTED): Iluminação, visibilidade, circulação e apropriação de espaços para dissuadir crimes. 

  • Policiamento Comunitário: Polícia integrada à comunidade, com foco em mediação de conflitos. 



d) Governança Participativa 

  • Orçamento Participativo (Porto Alegre): Envolver moradores nas decisões sobre investimentos públicos. 

  • Planejamento Colaborativo: Incluir líderes locais no desenho de políticas. 

e) Acesso a Direitos Básicos 

  • Escolas de qualidade, postos de saúde e centros culturais como âncoras de transformação. 

 

3. Exemplos Históricos e Impactos 


a)
Estratégia: "Urbanismo Social" – intervenções em áreas mais pobres com bibliotecas-parqueescadas rolantes em favelas (Comuna 13), teleféricos como transporte público, e centros educacionais. 

  • Impactos: Redução de homicídios em mais de 80%, aumento do sentimento de pertencimento, turismo em ex-áreas de conflito.



b) Bogotá (Colômbia) – Prefeitura de Mockus e Peñalosa 

  • Cultura Cidadã: Campanhas de pedagogia urbana, recuperação de espaços públicos (parques, ciclovias, TransMilenio). 

  • Impactos: Redução da violência, maior uso de espaços coletivos, fortalecimento do civismo. 

c) Favela-Bairro (Rio de Janeiro, anos 1990) 

  • Integração física: Urbanização de favelas com infraestrutura, criação de centros de serviço. 

  • Limitações: Dependência de continuidade política; persistência do controle por milícias e tráfico em algumas áreas. 

d) Cidade do Cabo (África do Sul) – Pós-apartheid 

  • Upgrading de Assentamentos Informais: Fornecimento de habitação social, melhoria de serviços e espaços públicos em townships. 

  • Desafios: Processo lento, persistência de desigualdades. 



e) Barcelona – Superquadras e Bairros Vulneráveis 

  • Modelo de Superilles (superquadras): Redesenho de bairros para priorizar pedestres, reduzir poluição e criar convívio. 

  • Aplicação em áreas marginalizadas: Combinado com programas sociais, reduz exclusão espacial. 

 

4. Impactos Gerados em Experiências Bem-Sucedidas 

  • Redução de Crimes Violentos: Principalmente onde houve combinação de presença estatal, oportunidades econômicas e participação comunitária. 

  • Aumento da Mobilidade Social: Conexão com empregos formais e educação. 

  • Fortalecimento do Capital Social: Comunidades organizadas passam a co-governar. 

  • Valorização Imobiliária (Gentrificação): Risco que exige políticas de proteção aos moradores originais. 

 

5. Recomendações para um Plano Sustentável 

  1. Diagnóstico Participativo: Mapear ativos e vulnerabilidades com a comunidade. 

  1. Intervenções Multiescalares: Agir simultaneamente na escala da habitação, do bairro e da cidade. 

  1. Parcerias Público-Privado-Comunitárias: Engajar ONGs, universidades, empresas. 

  1. Monitoramento Contínuo: Indicadores de segurança, emprego, saúde e educação. 

  1. Perspectiva de Gênero e Juventude: Programas específicos para mulheres e jovens, grupos frequentemente mais afetados pela violência e exclusão. 

 

Conclusão 

O caminho mais eficaz é o urbanismo social integrado, que une transformação física, inclusão econômica e participação cidadã. Modelos como Medellín mostram que é possível reverter ciclos de violência através de investimentos públicos ousados em infraestrutura social e conectividade, desde que as comunidades sejam protagonistas do processo. A chave está em tratar a urbanização não como um fim em si, mas como um meio para a justiça social e a construção de cidadania. 




A Crítica à Cidade Ordenada Demais e a Teoria da "Desordem"  


  • "Construir e Habitar: Ética para uma Cidade Aberta" (2018): Sennett argumenta que cidades planejadas com excesso de ordem, rigidez e fronteiras claras (como em muitos projetos modernistas) são hostis à complexidade da vida urbana e à diversidade. Para ele, uma cidade "aberta" é permeável, incompleta e capaz de se adaptar, permitindo que seus habitantes a co-criem. 

  • "O Estrangeiro: Dois Ensaios sobre o Exílio" (2011): Discute como a experiência do "outro" e do deslocamento é central para a vida urbana. Comunidades periféricas vivem uma forma de exílio interno. Urbanizá-las não significa apenas integrá-las fisicamente, mas reconhecer e valorizar sua diferença e suas formas próprias de organização (a "desordem" que pode ser criativa). 

  • Aplicação: Qualquer intervenção em uma comunidade vulnerável deve evitar impor um "planejamento fechado". Em vez de grandes planos-mestris rígidos, Sennett defenderia projetos incrementais, táticos e adaptativos, que possam ser ajustados com o tempo pela própria comunidade. 


  • "Desenhando a Desordem: Experiências e Disrupções na Cidade" 

Este projeto (que se desdobra em textos e palestras) é central para entender sua proposta para áreas complexas. 

  • Conceito de "Desordem": Não se refere ao caos ou ao crime, mas às formas orgânicas, improvisadas e não-planejadas de uso do espaço que emergem das comunidades. É a vitalidade da rua, a apropriação informal de um beco para um comércio, a adaptação da moradia às necessidades da família. Suprimir essa desordem é suprimir a vida urbana. 

  • Experiência e Disrupção: Sennett valoriza a experiência corporal e sensorial na cidade. Uma cidade boa é aquela que oferece experiências ricas e variadas. A "disrupção" pode ser positiva quando quebra a rotina e o isolamento, criando encontros inesperados. Para uma comunidade isolada, a disrupção planejada pode ser um novo parque ou uma ponte que a conecta, criando novas experiências e interações. 


  • Aplicação para Comunidades Vulneráveis: 

  • Respeitar o Tecido Existente: Antes de intervir, é preciso mapear e compreender a "desordem" local — as redes informais de apoio, os usos improvisados dos espaços, os percursos criados pelos moradores. Esses são ativos de planejamento. 

  • Projetar para a Incompletude: Criar infraestruturas "abertas" — por exemplo, um centro comunitário com espaços flexíveis que os moradores possam definir seu uso, e não um edifício com salas pré-determinadas. 

  • Valorizar a Fricção e o Encontro: O desenho urbano deve estimular encontros entre diferentes grupos (dentro da comunidade e entre ela e o resto da cidade). Mercados públicos, praças multifuncionais e rotas de passagem são mais importantes que grandes equipamentos isolados. 

O Artífice ("O Artífice", 2008) e a Cidade como Oficina 

  • Sennett celebra a habilidade do artífice — aquele que trabalha com as mãos, resolve problemas de forma prática e tem um compromisso com a qualidade do trabalho bem feito. 

  • Aplicação: Programas de urbanização devem incluir oficinas de formação profissional em construção, manutenção urbana e artesanato, permitindo que os moradores sejam construtores ativos da sua própria comunidade. Isso gera dignidade, emprego e um senso de propriedade sobre as transformações. 


  • Síntese: Como as Ideias de Sennett Completam o Caminho para a Urbanização 

O plano integrado anteriormente descrito ganha uma camada crucial de metodologia e filosofia de ação com Sennett: 

  1. Do "Urbanismo Social" ao "Urbanismo Aberto": Inspirado por Medellín, mas indo além. Não basta levar bibliotecas-parque; é preciso que esses equipamentos sejam geridos com e pela comunidade, sujeitos a mudanças de uso conforme a necessidade. 

  1. Participação como Co-autoria: A governança participativa não é apenas ouvir demandas, mas criar mecanismos para que os moradores sejam co-designer das soluções, desde a escala do mobiliário até a do bairro. É uma aplicação prática do "artífice" coletivo. 

  1. Tolerância Criativa com o Informal: Em vez de ver o comércio informal apenas como um problema a ser erradicado, integrá-lo ao desenho dos espaços públicos (com bancas móveis, feiras), regulando-o para segurança e higiene, mas mantendo sua vitalidade. 

  1. Conectividade que Gera Encontro: Os teleféricos de Medellín são um bom exemplo de infraestrutura que conecta e, ao mesmo tempo, cria uma nova experiência da cidade (uma "disrupção" positiva). O desenho das estações e dos percursos de acesso deve maximizar o encontro e a mistura. 


Exemplo Reinterpretado: A Comuna 13 de Medellín sob a Ótica de Sennett 

  • A intervenção na Comuna 13 não foi apenas física (escadas rolantes, grafites). Ela canalizou a energia e a expressão desordenada da comunidade (a cultura hip-hop, o grafite) em um projeto estético e social. 

  • As escadas rolantes funcionam como um elemento de disrupção e experiência nova, transformando uma subida árdua em um momento de pausa e observação. 

  • Os grafites, muitos feitos pelos jovens locais, são a "desordem" sendo desenhada, tornando-se a identidade visual do lugar e um ativo turístico. Foi uma urbanização que soube trabalhar com a desordem, não contra ela. 

Conclusão Ampliada 

Incorporando Richard Sennett, o melhor caminho para urbanizar comunidades em circunstâncias precárias é adotar uma ética do "urbanismo aberto". Isso significa: 

  • Abrir mão da ilusão do controle total e abraçar a complexidade. 

  • Ver a comunidade não como um problema a ser resolvido, mas como um parceiro com inteligência urbana prática (os "artífices" do seu espaço). 

  • Projetar infraestruturas e políticas que sejam como "textos abertos", que os moradores possam completar e ressignificar ao longo do tempo. 

A obra de Sennett nos alerta que o maior risco não é a desordem, mas a ordem excessiva que silencia a voz, a experiência e a capacidade de agência das comunidades. O sucesso duradouro está na capacidade de desenhar com a desordem, transformando-a em um motor de inclusão, identidade e cidade viva. 

 

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