SABERES TRANSDISCIPLINARES E ORGÂNICOS.

sábado, 20 de dezembro de 2025

A Busca do Lar por Egidio Guerra

 



O lar é um lugar que se constrói com memórias. Mas e quando a memória mais antiga é justamente a ausência do alicerce? Minha mãe perdeu a sua mãe aos cinco anos. Seu mundo, então, não foi erguido sobre o tapete aconchegante de um colo permanente, mas sobre o chão irregular e cambiante das feiras em conventos e orfanatos, entre vozes estranhas e a precariedade do dia a dia. Como se dá o que nunca se recebeu? Como se oferece um porto seguro quando a própria âncora esteve sempre à deriva?

Ela me deu o que tinha: a vida, e uma dor profunda que, em vez de cicatriz, tornou-se um órgão sensorial extra. Aprendi, por empatia e por herança inconsciente, a sentir a dor do outro antes mesmo de nomear a minha. A ausência de um centro fixo, de um endereço emocional único, fez com que eu transformasse o mundo no meu lar, e as pessoas que sofressem, na minha família. Em cada organização, setor ou projeto por onde passei, eu não estava apenas trabalhando ou militando; estava, desesperadamente, tentando tecer uma rede de pertencimento. Era um arquiteto de abrigos temporários, construindo para os outros a estrutura que intuía, mas nunca conhecera intimamente.

Nos últimos vinte anos, tenho escrito minha biografia, onde a arte de escritor e cineasta se funde com a matéria bruta da realidade, dos falsos amores, dos sonhos grandiosos e da vida que insiste em ser vivida. Escrevo e reescrevo, filmo e refilmo as mesmas cenas de busca. Alguns capítulos, no entanto, são espectrais: aparecem com a clareza de um dia de sol e, de repente, desmancham-se no ar. Por que minha avó morreu? Esta pergunta simples, sobre uma mulher que nunca conheci, é na verdade a pedra fundamental de um edifício que ruiu antes de ser habitado. É o ponto zero do meu mapa emocional.

A solidão que carrego não é a do vazio, mas a do pleno equivocado. É a solidão de quem está cercado por multidões, por aplausos, por projetos, por corpos, mas nunca pelo calor silencioso de um lar. É a sensação de falar um idioma íntimo para ouvidos que só captam o interesse, a vaidade, o egoísmo disfarçado de afeto. Fui, por tanto tempo, um território em disputa para os outros, que nele plantaram suas bandeiras, extraíram seus recursos e partiram. Eu não tinha noção de um "eu". Minhas necessidades eram um ruído de fundo abafado pelo clamor das necessidades alheias. Lutei por causas, por pessoas, por ideias, menos por mim. Fui uma casa aberta, com todas as portas e janelas escancaradas, onde qualquer um entrava, mas ninguém ficava para cuidar do fogo na lareira.

E hoje, a pergunta que move meus dias: por que luto para dar ao meu filho um lar do tamanho do mundo? Será para compensar, em uma escala cósmica, o que faltou em escala doméstica? Ou será para ensiná-lo, desde o início, que seu lar não é um lugar a ser perdido, mas algo que ele carrega dentro de si, um núcleo de paz que pode ser levado a qualquer parte? A busca se transmuta, mas não cessa.

A psicologia, a literatura, o cinema – sempre foram meus mapas de navegação nesse oceano sem coordenadas fixas. Em Bergman, a angústia das relações familiares; em Tchekhov, o anseio por uma vida diferente; em tantas narrativas, o retrato do que poderia ser um lar. Encontrei diagnósticos, metáforas, espelhos. Mas sempre faltou algo. Falta o irmão de lado, a testemunha silenciosa da mesma história, o co-herdeiro da mesma falta. Sobram ideias, sonhos, lutas – materiais nobres, mas insuficientes para erguer sozinho o que deveria ter sido construído a quatro mãos.

No fim, percebo que busco, e talvez sempre tenha buscado, os valores sentimentais que estruturam um lar. A confiança que dispensa fechaduras. O amor que não exige troca. O silêncio que não é vazio, mas cumplicidade. A presença que é pura, sincera, desinteressada. Na ausência deles, ficamos sofrendo sem respostas precisas, navegando por um mar de perguntas. Transformamo-nos em colecionadores de pessoas, em acumuladores de experiências, na vã esperança de que a quantidade preencha o vazio qualitativo de um abraço que nunca foi dado no momento certo.

Quero encontrar ou apagar a dor? Talvez eu apenas queira, finalmente, dar-lhe um lar. Um lugar dentro de mim onde ela não seja mais um hóspede estranho, mas um fato integrado à paisagem. Para que, a partir desse reconhecimento, eu possa construir não mais um refúgio contra o mundo, mas um verdadeiro porto dentro dele. Um porto com luz acesa, onde meu filho – e talvez, finalmente, eu mesmo – saiba que pode sempre atracar. A busca pelo lar exterior começa, inevitavelmente, pela pacificação daquele interior, ainda em obras, ainda ecoando com os passos da menina de cinco anos que minha mãe foi, e que, de certa forma, nunca deixou de ser.




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