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domingo, 28 de setembro de 2025

Como sobreviver à morte do amor de sua vida: ex-jornalista da BBC reflete sobre a perda

 

Jossette Rivera e seu marido Juan Fernando sorriem numa selfie. O rosto de ambos está no canto direito e há uma construção branca ao fundo

Crédito,Jossette Rivera

    • Author,Jossette Rivera
    • Role,Especial para a BBC News Mundo

Com coragem e humor, a jornalista Jossette Rivera compartilha em seu livro 964 días – o cómo sobrevivir a la muerte del amor de tu vida ("964 Dias – ou como sobreviver à morte do amor da sua vida", em tradução livre, sem edição em português) como vivenciou a perda prematura do marido.

Rivera tenta responder a perguntas que, mais cedo ou mais tarde, nos dirão respeito: quanto tempo dura o luto, como lidar com a perda de um ente querido e como continuar vivendo.

A seguir, seu depoimento pessoal.

Jossette Rivera e seu marido Juan Fernando no dia do casamento dos dois. Ele veste terno preto e gravata borboleta, ela veste um vestido de noiva bege tomara-que-caia, com um laço preto na cintura e véu bordado. Os convidados sopram bolinhas de sabão à volta do casal

Crédito,Jossette Rivera

Legenda da foto,Jossette Rivera e seu marido Juan Fernando, que faleceu em dezembro de 2018
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Conheci Juan Fernando no site de relacionamentos match.com, quando ainda não existiam aplicativos de paquera e eu tinha acabado de chegar a Miami. Nós dois tínhamos mais de 35 anos.

Eu tinha um novo emprego e ele tinha 47 encontros frustrados em sua conta. Ele não havia superado um término e eu não queria um relacionamento sério.

Nada saiu como planejávamos.

Começamos a sair, consegui uma transferência de emprego para Londres e mantivemos um relacionamento à distância que terminou com um pedido de casamento em frente à Torre Eiffel. Um conto de fadas.

Até que, uma semana antes da cerimônia, em novembro de 2011, ele foi diagnosticado com câncer renal. O casamento ainda foi realizado com todas as festividades habituais, mas em vez de uma lua de mel, fomos ao Hospital Mount Sinai, em Miami, onde seu rim foi removido, pouco antes do Natal.

Três anos depois, ele foi considerado livre do câncer.

No entanto, no final de 2014, uma metástase nos surpreendeu com um bebê de seis meses recém-chegado em nossas vidas.

Nos quatro anos seguintes, tentamos todos os tratamentos médicos disponíveis, incluindo protocolos experimentais e segundas opiniões no exterior.

De todos os tratamentos, a imunoterapia ajudou a manter a qualidade de vida de Juan Fernando a ponto de acharmos que estava destruindo as células cancerígenas com sucesso.

Jossette Rivera e seu marido, Juan Fernando, sentados numa calçada, com um muro colorido com pintura de barris ao fundo. Ele está sorrindo e ela está dando um beijo no rosto do marido

Crédito,Jossette Rivera

Legenda da foto,Uma semana antes do casamento, Juan Fernando foi diagnosticado com câncer renal

Não foi o caso. Em 2018, o câncer se espalhou para o cérebro e causou um derrame. Ele passou os últimos seis meses de vida hospitalizado, com a ajuda de um ventilador mecânico.

Nosso filho de 4 anos e eu nos despedimos dele em dezembro de 2018, após doar seu corpo à ciência para ensino e pesquisa.

Contagem regressiva

Pouco depois, alguém me disse: "O luto dura dois anos". Naquele momento, a ideia de que o luto tinha prazo de validade parecia uma tábua de salvação.

Porque quando você encara a morte do amor da sua vida com absoluta ingenuidade, acaba acreditando nessas afirmações com a audácia que a ignorância traz.

Quem disse isso estava apenas repetindo uma crença popular sobre o luto, definido por alguns dicionários como "o sentimento de pesar e dor que se manifesta em roupas, adornos e outros objetos" após a perda de um ente querido.

As culturas teceram diferentes momentos e rituais em torno da morte: os judeus observam sete dias de shivá e até 12 meses se um filho morre; as viúvas muçulmanas observam quatro meses e dez dias de iddah, sem permissão para se casar, se mudar ou se adornar; os hindus se retiram por 13 dias.

E em algumas partes da América Latina, o rosário ainda é rezado nove noites seguidas.

Capa do livro "964 Dias – ou Como Sobreviver à Morte do Amor da Sua Vida"

Crédito,Jossette Rivera

Legenda da foto,Capa da edição em espanhol do livro 964 días – o cómo sobrevivir a la muerte del amor de tu vida

Há também os símbolos: minutos de silêncio, bandeiras a meio mastro ou o ano inteiro em que minha avó usou preto quando meu avô morreu, como se isso pudesse domar sua dor.

No meu caso, "só" tive que esperar 728 dias para deixar as lágrimas e a nostalgia para trás e voltar a ser a pessoa que eu era antes.

Comecei então uma contagem regressiva obsessiva, com registros gráficos e digitais que publiquei nas redes sociais. Eu acreditava que o luto viria, passaria, me atravessaria e então desapareceria, deixando-me melhor do que me encontrou.

Eu não poderia estar mais enganada. Nem na contagem regressiva, nem nas consequências.

O luto, longe de ir embora, instalou-se. Mais como uma espiral do que como uma linha reta. Como as ondas que quebram na praia: quando você pensa que consegue respirar, elas voltam e te arrastam para baixo, enchendo seus pulmões de água.

Data de validade

Passei por todos os estágios descritos pela psiquiatra suíço-americana Elisabeth Kübler-Ross no livro Sobre a Morte e o Morrer (WMF Martins Fontes, 2017): negação, raiva, barganha, tristeza profunda, aceitação. Mas não nessa ordem. Nem apenas uma vez. Mais como lições que, se não aprendidas, se repetem.

Algum tempo depois, acompanhei meu filho a uma oficina para crianças enlutadas e participei de uma dinâmica com outras viúvas.

No centro, havia uma tigela de vidro com água, cercada por garrafas de tinta anilina colorida: tristeza, raiva, frustração, solidão, cada mulher adicionando gotas de acordo com o que sentia.

Uma delas, três meses após a perda, adicionou um leve tom azul; outra, apenas duas semanas depois, esvaziou meia garrafa de tinta vermelha de raiva. A água ficou turva e espessa.

Jossette Rivera e seu marido Juan Fernando, vestidos de branco e olhando um para o outro dando risada, com uma porta de madeira grande ao fundo

Crédito,Jossette Rivera

Legenda da foto,'O luto dura dois anos', disseram a Jossette Rivera após a morte do marido
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Fim do Whatsapp!

"Sou Jossette Rivera, e meu marido morreu há quase três anos", sussurrei, quase envergonhada, sem saber qual cor escolher. E com a desconfortável certeza de que o calendário que prometia o fim era, na verdade, uma armadilha.

Aprendi isso: nem a duração do luto, nem evitar comportamentos socialmente inadequados — rir, cantar, ir a uma festa — são diretamente proporcionais ao amor que se tinha. O que existe é uma pressão social para dar uma data de validade ao luto.

Nos Estados Unidos, por exemplo, não existe uma lei federal que obrigue as empresas a conceder licença por luto. Tudo depende do empregador ou do Estado: em média, de três a cinco dias. O mesmo vale para as escolas.

Mas também é um prazo que médicos, empresas e seguradoras precisam estabelecer para sustentar uma sociedade que não para, nem mesmo para sofrer.

Depois de algum tempo, se você não estiver "funcional" novamente, seu caso pode ser rotulado como luto patológico, uma categoria clínica para o que, na realidade, é sobreviver.

Minha própria resposta

Paralelamente, colaborei em um podcast que explorava os diferentes estágios do luto. Escrever sobre a perda me permitiu dar sentido ao caos, construindo uma ponte para aqueles que também buscam o que fazer com o vazio.

Eu sobrevivi publicando na internet. Por quase três anos, expus minha vida em uma pasta chamada "luto" no Instagram: imagens de dias cinzentos, silêncios, rotinas quebradas.

Mais tarde, transformei essas janelas em um livro, um manual de sobrevivência. Não porque tivesse encontrado a fórmula para encerrar o processo, mas porque entendi que minha adaptação, minha aceitação e minha reconstrução tinham seu próprio ritmo.

Em uma entrevista, após a publicação desse primeiro livro, 964 días –o cómo sobrevivir a la muerte del amor de tu vida, me perguntaram:

"Quanto tempo dura o luto?"

Respondi sem hesitar: "O tempo que for preciso."

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