- Nicole Koster
- Especial para BBC News Mundo
"Estou pronto para me apresentar quando for chamado. Temos que sair para defender a pátria."
Edith Perales, de 68 anos, faz parte dos milhares de milicianos na Venezuela que foram ativados pelo governo de Nicolás Maduro diante do que o ministro da Defesa, Vladimir Padrino, classificou como uma "guerra não declarada" dos Estados Unidos.
Perales mora em 23 de Janeiro, um bairro de Caracas que tradicionalmente foi um bastião do chavismo. Ele tem seu uniforme e botas prontos para defender seu bastião em caso de emergência ou de uma "invasão" dos EUA à Venezuela.
Integra a Milícia Nacional Bolivariana, um corpo militar composto por civis que foi criado em 2009 durante o mandato de Hugo Chávez (1999-2013) e ao qual o governo de Maduro agora recorre diante do que considera uma "ameaça militar".
Nas últimas semanas, os Estados Unidos posicionaram um contingente militar naval nas águas do Caribe, perto das águas da Venezuela, como parte de uma missão contra o narcotráfico. Como resultado, o governo de Donald Trump atacou vários barcos provenientes da Venezuela que supostamente transportavam drogas. Várias pessoas morreram nos ataques, informou o governo americano.
Maduro vê o envio de tropas como uma tentativa dos Estados Unidos de intimidar com a ameaça de um eventual ataque à Venezuela, buscando uma mudança de governo.

A relação entre os dois países é tensa há anos e os Estados Unidos, assim como outros países, não consideram Maduro como o presidente legítimo da Venezuela após suas contestadas vitórias nas eleições de 2018 e 2024.
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Neste fim de semana, Trump exigiu que a Venezuela aceitasse migrantes deportados dos Estados Unidos, que ele classifica como criminosos e que, segundo ele, chegaram ao país "forçados" pelo governo de Maduro.
"Retirem-nos ou, caso contrário, o preço que pagarão será incalculável", escreveu Trump em alusão ao governo de Maduro, que respondeu com manobras militares e o treinamento de civis e simpatizantes do chavismo.
Em agosto, o Departamento de Estado dos EUA duplicou para US$ 50 milhões a recompensa por informações que levem à prisão de Maduro, acusado de liderar um cartel de drogas.
Maduro rejeita as acusações de Washington e defende o trabalho do seu governo contra o narcotráfico.
"É uma guerra não declarada, e já se pode ver como pessoas, sejam ou não traficantes de drogas, foram executadas no Mar do Caribe. Executadas sem direito à defesa", disse na sexta-feira passada o ministro da Defesa, Vladimir Padrino López.
Em resposta, o governo ordenou que soldados da Força Armada Nacional Bolivariana (FANB) ensinassem a população das comunidades pobres a usar armas.

'Até os gatos vão sair para atirar'
É sábado à tarde.
Soldados e militares estão na entrada do bairro de Petare, em Caracas, cumprindo a ordem do governo de que "os quartéis vão para o povo".
A cena é composta por tanques, fuzis de fabricação russa — sem balas — e cartazes com instruções. A missão é ensinar os vizinhos a manusear armas para responder ao inimigo.
Com um alto-falante, um militar dá instruções a um pequeno grupo. "O importante é que se familiarizem com o armamento; apontamos para o alvo e fazemos o impacto."
Idosos, mulheres e jovens ouvem. Também há crianças assistindo.
"Método tático de resistência (MTRR)", diz um folheto distribuído pelos policiais. Nele é descrito, por exemplo, como "se camuflar" ou "sobreviver".
Francisco Ojeda, 69 anos, é um dos vizinhos que participa. Ele se deita no asfalto, que está quente devido ao sol, e mantém a posição de combate enquanto segura um fuzil AK103. Um militar corrige a postura.
"Se eu tiver que morrer lutando, morrerei (...) Se eu tiver que dar minha vida, eu a deixarei aqui. Já aproveitei tudo o que tinha para aproveitar", diz Ojeda à BBC Mundo, o serviço da BBC em espanhol.
"Aqui até os gatos vão sair para atirar, para defender nossa pátria" diante de uma eventual intervenção estrangeira, diz ele, convencido e alinhado com o fervor do governo.

Ojeda sai de cena e outra pessoa entra. Assim se repete várias vezes a cena, que não dura mais do que três ou quatro minutos para cada um. A maioria não tem experiência no manuseio de armas.
Gary Romero, um jovem de 25 anos, agora segura o fuzil. "Estão nos dando instruções básicas, um treinamento sobre como manusear o rifle, abastecê-lo e fazer manutenção preventiva", comenta.
Ele diz que não é a primeira vez que segura uma arma de fogo, mas não detalha em que circunstâncias o fez.
Gladys Rodriguez, 67, juntou-se recentemente à milícia. "Não vamos permitir que nenhum governo dos EUA venha invadir", afirma.
"É a primeira vez que estou segurando uma arma assim (...) Fiquei um pouco nervosa, mas sei que sou capaz", continua Yarelis Jaimes, 38 anos, dona de casa.
Mas há contrastes.
Muito perto deste local, a poucos metros, as pessoas estão alheias à cena militar ou, pelo menos, não se envolvem.
Os vizinhos mantêm sua vida normal; vendedores ambulantes expõem suas mercadorias nas calçadas, enquanto outros fazem as compras do fim de semana, sem prestar atenção ao que está acontecendo.

Um 'escudo humano'
"O objetivo é criar um escudo humano contra qualquer possível tentativa de ação militar", afirma à BBC Mundo o analista político e professor da Universidade Católica Andrés Bello (UCAB) Benigno Alarcón.
O especialista considera que a intenção de Maduro não é chegar a uma "luta armada", mas "aumentar a percepção dos custos que uma tentativa de intervenção militar na Venezuela poderia ter".
Uma forma de aumentar os custos de uma possível ação militar é criar um escudo humano que, no final das contas, de alguma forma limita as ações que podem ser realizadas em um determinado momento.
Portanto, "pouco importa se um miliciano tem arma ou não, se tem treinamento militar ou não".
De qualquer forma, segundo Maduro, existem mais de 8,2 milhões de recrutas na milícia e na reserva. No entanto, esse número tem sido questionado.
Perales, que se alistou na milícia na época de Chávez, explica que seu trabalho como miliciano é "defender" sua rua, o bairro onde mora, o que conhece.
Ele já havia participado de treinamentos anteriormente e já disparou carabinas e rifles, diz. Ele é administrador, mas está aposentado devido à idade e trabalha em uma pequena loja de produtos domésticos em seu bairro.
De vez em quando, ele recebe mensagens de texto e visitas em sua casa para que participe dos treinamentos. Mas ele está com um problema na próstata.
No entanto, não tem dúvidas: "Se surgir um conflito, temos que defender o território. Estar uniformizado já implica uma responsabilidade".
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