SABERES TRANSDISCIPLINARES E ORGÂNICOS.

domingo, 2 de novembro de 2025

A Rebeldia do Saber: Uma Jornada Além dos Muros por Egidio Guerra

 


Longe dos gabinetes silenciosos e das metodologias rígidas, pulsou sempre um tipo diferente de conhecimento. Não o saber enclausurado em universidades ou refém de métodos lineares, mas um amor visceral pela vida, pelo mundo e pela verdade. Esta é a história de uma aprendizagem ousada, forjada na curiosidade insaciável, no contato com o real e, muitas vezes, na coragem de desafiar os poderes estabelecidos, custe o que custar. 


Imagine 
Leonardo da Vinci perambulando pelos mercados de Florença, seu caderno de anotações na mão, tão interessado no voo de um dragão imaginário quanto no sorriso enigmático de uma mulher comum. Sua genialidade não nasceu apenas de equações, mas de uma curiosidade transbordante que não fazia distinção entre arte, ciência e a vida das pessoas. Era um saber que se alimentava da observação do mundo real.
 



E o que é o mundo senão a própria natureza da qual somos parte? Goethe entendia isso profundamente. Para ele, a verdade não estava apenas nos livros, mas no contato direto com as flores, nas cores dos minerais e na estrutura dos ossos. Ele via a natureza não como um objeto morto a ser dissecado, mas como um organismo vivo com o qual era preciso dialogar. Essa mesma reverência pela experiência direta orientou Marx e Engels quando, horrorizados e fascinados, observaram as transformações brutais em Manchester. Eles não teorizaram sobre o capitalismo a partir de um gabinete isolado; foram às ruas, às fábricas fumegantes, e aprenderam com o suor e o sofrimento da classe trabalhadora. Sua crítica nasceu do chão da realidade, não da pura abstração. 


Esta jornada do conhecimento é, invariavelmente, uma jornada interior. Einstein revolucionou a física sonhando com feixes de luz cavalgando em montarias cósmicas. Seus sonhos não eram fuga, mas laboratórios da imaginação. Spinoza, com sua ética demonstrada "more geometrico", colocou a alegria como a pedra angular de uma vida plena. Para ele, a tristeza era uma diminuição da nossa potência de existir, enquanto a alegria – o afeto que nos fortalece – era o combustível do aprendizado e da liberdade. Já Michel Foucault mergulhou nas profundezas do sofrimento psíquico e nas lutas políticas para mostrar como o poder molda até mesmo nossa percepção de nós mesmos. Sua filosofia não foi um exercício de lógica pura, mas uma ferramenta de combate, nascida do engajamento com os excluídos e dos "infames" da história. 




E é neste ponto que o ato de conhecer se torna um ato de coragem, por vezes, de rebeldia mortal. Sócrates preferiu beber a cicuta a abandonar suas perguntas simples, que desmontavam as certezas vazias de Atenas. Suas interrogações eram mais poderosas que o veneno do Estado. Giordano Bruno e Galileu Galilei, cada um à sua maneira, ousaram apenas observar o cosmos e dizer o que viram. Contra a imobilidade de um dogma, ergueram a simples, porém revolucionária, ferramenta da observação. Pagaram com a liberdade e a vida, mas alargaram para sempre os horizontes do céu. 




Como Rousseau e Voltaire bem sabiam, o saber pode florescer no isolamento contemplativo, mas também no meio do turbilhão social, no calor dos debates e no contato com as multidões. Era um amor ao saber que era, em si, um amor à humanidade, com todas as suas imperfeições. 


A verdadeira descoberta, portanto, raramente segue um mapa previsível. Ela surge de múltiplos, incertos e complexos caminhos. A história de vida, a imaginação desvairada, os sonhos, as dores e as alegrias de um pensador explicam suas descobertas muito mais do que qualquer ciência fria e repetitiva. Eles não "aplicaram um método"; eles viveram uma busca. 


Eles revolucionaram os saberes não porque seguiram regras, mas porque tiveram a coragem de buscar e dizer a verdade, muitas vezes contra reis, igrejas, academias e ditaduras. Sua herança não é um conjunto de respostas fechadas, mas um chamado à ousadia: que o nosso aprendizado seja também uma caminhada, uma observação atenta, uma crítica implacável, uma criação incessante e uma interação vibrante com o mundo. Que tenhamos a autonomia intelectual para percorrer nossos próprios caminhos, complexos e belos, e a coragem de, ao final, dizer o que encontramos. 



 


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