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quarta-feira, 29 de outubro de 2025

Os 'heróis de Kharkiv', que resgataram 48 crianças de um jardim de infância atacado por drones russos na Ucrânia.

 

Homem carrega uma criança na Ucrânia

Crédito,Serviços de Emergência da Ucrânia

Legenda da foto,Oleksandr Volobuev foi um dos muitos que correram para resgatar 48 crianças de uma creche depois que ela foi atingida por um drone russo
    • Author,John Sudworth
    • Role,BBC News

Apesar de estar caminhando para a frente, a parte de cima do corpo de Oleksandr Volobuev parece estática enquanto ele atravessa um campo cheio de fumaça e destroços.

Ele está concentrado. Volobuev, major-general do Serviço de Proteção Civil da Ucrânia, segura firmemente o que carrega nas mãos. Da parte inferior do casaco que ele mantém junto ao corpo, despontam dois sapatinhos cor-de-rosa.

É uma imagem marcante do dramático resgate de uma creche na cidade de Kharkiv, no leste da Ucrânia, após um devastador ataque com drones realizado pelo Exército russo.

Com 48 crianças presas em um abrigo dentro do prédio em chamas, o ato de Volobuev não foi o único gesto de bravura naquele dia — longe disso.

Mas poucas fotografias resumem de forma tão completa o impacto crescente da invasão em larga escala da Rússia sobre a vida cotidiana dos ucranianos, especialmente das pessoas mais vulneráveis — como as crianças — expostas às consequências.

"Recebemos uma ligação informando que um jardim de infância havia sido atacado", contou Volobuev à BBC.

"E, claro, saber que havia meninos e meninas naquele local tornou tudo um pouco mais complicado", acrescentou.

Mal podia imaginar que, ao final do dia — depois de carregar aquela menina até um lugar seguro — ele seria chamado de herói nacional.

Naquele instante capturado pela câmera, os ucranianos não viram apenas a realidade da nova estratégia russa — baseada em atacar a infraestrutura civil —, mas também uma clara definição de sua própria resistência.

É impossível saber por que a Academia Miel, localizada em um prédio de tijolos em Kharkiv, foi atingida por um drone.


Prédio atingido por uma bomba.

Crédito,Reuters

Legenda da foto,O prédio onde ficava a creche foi destruído

O zumbido baixo e ameaçador dessas armas de fabricação iraniana — que podem carregar mísseis de até 50 quilos — já é muito familiar não apenas para os soldados na linha de frente, mas também para todos os ucranianos.

Embora possam ser bastante precisos, o uso massivo desses drones, com diferentes alvos possíveis em cada ataque, pode fazer com que alguns não funcionem corretamente.

A Rússia negou estar atacando áreas residenciais, mas o fato é que o mapa não mostra nenhum alvo militar evidente nas proximidades do jardim de infância.

A Ucrânia, por sua vez, deixou claro que considera o episódio um ataque deliberado.

"Não há qualquer justificativa para atacar um jardim de infância. Isso nunca deveria acontecer. Está claro que a Rússia está se tornando cada vez mais descarada", disse o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky.

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Fedir Uhnenko também se juntou às equipes de resgate que saíram para atuar após o ataque.

Normalmente, como oficial de imprensa do Serviço de Defesa Civil, ele não está envolvido na linha de frente.

"Houve uma forte explosão e o horror estava nos olhos das crianças", explicou sobre a situação em que encontraram os menores no porão do prédio.

Felizmente, o alarme que tocou antes do ataque fez com que os meninos e meninas buscassem refúgio na parte mais baixa do local.

Mas, com o prédio ainda em chamas, o teto destruído e as salas cheias de poeira e fumaça, eles ainda corriam risco.

Então, os colegas de Uhnenko, assim como outros vizinhos que haviam chegado para ajudar, formaram uma fila para retirá-los de lá.

Assim como Volobuev, Uhnenko foi fotografado carregando uma das crianças. No caso dele, um menino.

"Eu ficava dizendo a ele o tempo todo que ficaria tudo bem, que não precisava se preocupar com nada", explicou.

"Quando saímos do prédio, havia um veículo em chamas. Nossos homens apagaram. Mas o menino não chorou. Fiquei surpreso que não chorasse, embora tivesse muito medo nos olhos", contou Uhnenko.


Bombeiro em meio aos escombros.

Crédito,EPA

Legenda da foto,As crianças e seus professores foram evacuados com segurança para um abrigo dentro da creche

"Eu disse a ele para me segurar firme. Como se pode ver na foto, ele está segurando o mais forte que consegue", acrescentou.

No final, o responsável pela imprensa desempenhou dois papéis naquele dia: o resgate e seu trabalho normal.

Com sua câmera, registrou grande parte do que aconteceu, e esse conteúdo acabou se tornando viral.

As crianças resgatadas foram levadas a um ponto de emergência em uma área segura, a poucos metros da creche.

Felizmente, todas saíram ilesas e pareciam compreender o perigo que haviam enfrentado naquele dia.

Um adulto que trabalhava nas proximidades morreu no ataque, e outros nove ficaram feridos, sendo um com queimaduras graves e outro com a amputação de uma perna.

Todos os resgatistas, explicou Uhnenko, tinham plena consciência não apenas dos riscos de incêndio, desabamento e fumaça, mas também da possibilidade de um novo ataque.

Sabe-se que a Rússia já atacou o mesmo alvo duas vezes, estratégia que os ucranianos consideram deliberada para matar os trabalhadores de resgate que vão socorrer as vítimas.

No dia seguinte ao ataque à creche, um desses chamados "impactos duplos" matou um bombeiro e feriu cinco de seus colegas em uma vila próxima a Kharkiv.


Sala de creche destruída na Ucrânia.

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,As salas de aula da escola ficaram seriamente danificadas após o ataque

Todas as salas de aula da escola foram danificadas pelo ataque.

A Ucrânia acredita que a Rússia tem focado em alvos civis por desespero, diante da incapacidade de obter avanços significativos no campo de batalha.

Tanto Volobuev quanto Uhnenko afirmam que o que viram lá não mudou sua opinião sobre o inimigo.

"Desde o início, tive apenas a sensação de que precisávamos superar tudo isso e vencer", explicou Volobuev.

E, ao ser questionado sobre o futuro que imagina para as 48 vidas jovens que ajudou a salvar, disse: "Claro, apenas boas e felizes perspectivas. Mas não só para nossos filhos. Eu gostaria que todas as crianças vivessem em paz".

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