CONTRATA O MOLEQUE, VAI
A sala de reunião parecia um retrato do próprio mercado: sofá moderno, café de cápsula, quadros coloridos e duas gerações em lados opostos da mesa.
De um lado, Antônio José, o Anjo, 58 anos, fundador da agência. Começou quando se diagramava anúncio com régua, Letraset e cola spray. Já viu cliente se emocionar com um texto e demitir agência por uma vírgula fora do lugar.
Do outro, Diego, 32, o novo sócio. Menino prodígio do digital. Nunca encostou numa régua, mas entende tudo de funil, fluxo, mídia programática e lookalike.
A pauta era simples: contratar um novo redator.
Mas, como de costuma, virou guerra.
— Eu quero alguém com bagagem – disse Anjo.
— E eu quero alguém com energia – respondeu Diego
— Experiência economiza energia… lembra do Romário em 94?
— Nem vem, o Baixinho era ponto fora da curva.
— Você fala como se juventude fosse sinônimo de inovação.
— E você fala como se idade fosse sinônimo de sabedoria.
Anjo cruzou os braços.
Diego girou a caneta com a autoconfiança de quem ainda não errou o suficiente.
— O mercado mudou, Anjo. O público é jovem, veloz.
— Ansioso e perdido, você quer dizer.
— Precisamos de gente que entenda a linguagem deles.
— Linguagem sem repertório é só bullshit maquiada, não diálogo.
Diego abriu o notebook e mostrou um gráfico.
— Olha: nosso público tem de 18 e 35 anos. A gente precisa de criativos nessa faixa.
— Criativo não é espelho – retrucou Anjo.
Silêncio.
— Diego, me diz uma coisa: você contrataria um redator de 50 anos?
— Sinceramente? Não sei.
— Pois eu sei: não.
— É questão de perfil.
— É questão de preconceito.
— É questão de custo, de ritmo, de...
— É questão de medo, Diego. Medo de sentar ao lado de alguém que já viu o ciclo inteiro e pode te lembrar que nada do que você acha novo é novo de verdade.
O clima ficou pesado.
— A gente precisa acompanhar o tempo.
— O tempo não é inimigo, é matéria-prima – respondeu Antônio.
— Mas ninguém quer ver campanha feita por quem não vive o agora.
— O fato do cara não jogar Fortnite e não publicar dancinha no Tiktok não significa que ele deixou de viver o agora.
Diego insistiu.
— Você acha que um criativo velho ainda tem lugar?
— Se tiver algo novo a dizer, sempre.
— E se não tiver?
— Aí é jovem de novo.
Os dois se entreolharam.
— O sênior é caro. O júnior é cru, resumiu o mais velho.
— O júnior entrega mais rápido, disse o outro.
— E o sênior entrega melhor.
— Melhor é subjetivo.
— Rápido também é.
Silêncio de novo.
O tipo de silêncio que só existe entre dois homens tentando proteger o próprio ego.
— Contrata o moleque, vai – cedeu Anjo.
— Boa!
— Daí, quando der merda, a gente pode dizer que ele ainda tá aprendendo.
— Cínico.
— Realista.
Diego riu, fechando o notebook.
— Um dia o senhor ainda vai entender que o futuro é jovem.
— Um dia o senhor vai entender que o futuro não tem idade.
Anjo se levantou, caminhou até a porta e concluiu sem olhar pra trás:
— E quando o futuro cansar, é o passado que segura o volante.
Ative para ver a imagem ma
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