
- Merlyn Thomas, Matt Murphy, Benedict Garman e Shayan Sardarizadeh
- BBC Verify
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ameaçou desarmar "violentamente" o Hamas em meio às ações do grupo para reafirmar o controle sobre a Faixa de Gaza. O Hamas tem travado confrontos com rivais.
Em declarações a jornalistas na terça-feira (14/10), Trump afirmou que, se o Hamas não se desarmar dentro de um "prazo razoável", então "nós o desarmaremos". Ele não especificou, porém, quando espera que o grupo entregue as armas.
Os comentários do presidente americano foram feitos enquanto imagens que circulavam online mostravam uma execução pública e outras demonstrações de força por combatentes do Hamas em Gaza desde que o cessar-fogo mediado pelos EUA começou na semana passada.
A execução em um cruzamento no centro da Cidade de Gaza, registrada em vídeo cuja localização e autenticidade foram confirmadas pela BBC Verify, aconteceu depois que o Hamas prometeu acabar com o que chamou de "anarquia" na Faixa de Gaza.
Outros vídeos verificados pela BBC Verify mostram homens armados durante uma patrulha usando insígnias que os identificam como membros da força de segurança interna do Hamas, e também combatentes mascarados que disparam contra homens desarmados.
Analistas disseram à BBC Verify que a demonstração de força tem como objetivo, ao menos em parte, resistir aos clãs armados que vêm desafiando cada vez mais o controle do grupo sobre a Faixa de Gaza nos últimos dois anos.
Luta territorial

As tensões entre o Hamas e esses grupos rivais já existiam antes da guerra com Israel.
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Alguns, como o clã Dughmush, estão envolvidos historicamente com o contrabando pela fronteira da Faixa de Gaza com Israel, segundo declarou um especialista à BBC Verify.
Confrontos recentes entre o clã Dughmush e o Hamas deixaram mais de 50 mortos, incluindo 12 membros do Hamas.
Israel já declarou anteriormente que forneceu armas a outros grupos armados na Faixa de Gaza.
Uma unidade de segurança interna do Hamas se comprometeu recentemente a "erradicar gangues e milícias" as quais acusou de cooperar "com o inimigo".
Um vídeo publicado na segunda-feira (13/10) mostrava um grupo de combatentes do Hamas executando um grupo de oito homens.
A BBC Verify fez a geolocalização da gravação e descobriu que o vídeo teria sido feito em um cruzamento no bairro central, Zeitoun, na Cidade de Gaza, que foi foco de uma grande ofensiva terrestre israelense nas últimas semanas, mas agora está de novo sob o controle do Hamas após a retirada militar israelense.
Nas imagens, é possível ver combatentes, alguns dos quais usam coletes anti balas e faixas do Hamas, obrigando homens a formar uma fila em frente a uma multidão, que parece incluir um garoto pequeno.
Depois que os homens da fila são obrigados a se ajoelhar, é possível ouvir a multidão gritar "colaborador" ou "agente".
Os combatentes reunidos abrem fogo contra os homens amarrados, que caem no chão. Em seguida, os homens disparam ao ar e gritam: "Viva as Brigadas al-Qassam!", nome dado ao braço militar do Hamas.

Outro vídeo verificado pela BBC Verify mostra combatentes mascarados e armados obrigando um homem a se ajoelhar no mesmo cruzamento de Zeitoun antes de disparar em sua perna.
É possível também escutar mais disparos, seguidos de gritos, mas as imagens não mostram se outra pessoa foi baleada.
Por fim, vários homens armados fazem guarda ao redor do homem ferido, acenando para testemunhas que presenciaram o ocorrido.
Não está claro quem provocou o incidente, que apareceu online pela primeira vez na semana passada (10/10). Buscas por imagens no Google não resultaram em nenhuma imagem que já tenha sido publicada antes disso.
Palestinos que falaram com a BBC expressaram seu temor pelas execuções públicas.
"Por que as pessoas aplaudem o caos? Um homem mascarado mata outro homem mascarado sem provas, sem investigação, sem julgamento, sem sequer um tempo para recurso. Como chamamos isso? Resistência? Não, isso é anarquia", disse um advogado que mora em Gaza.
"Não se pode corrigir um erro com outro", acrescentou um ativista residente do centro da Faixa de Gaza. "As execuções sem julgamento justo são um crime. Que Deus guie nosso povo".
Enquanto isso, também se espalham por toda Cidade de Gaza membros da força de segurança interna do Hamas em uma demonstração de força do grupo.
Dois desses combatentes, com insígnias de unidades de segurança interna e armados com fuzis, podem ser vistos posicionados em um cruzamento na Cidade de Gaza em várias imagens geolocalizadas pela equipe da BBC Verify.

Outras demonstrações de força incluíram homens armados com fuzis marchando em um mercado na área de Zeitoun, seguidos por um grupo pequeno grupo que agita uma bandeira palestina.
Consolidação de poder

"Acredito que o Hamas vem tentando mobilizar suas forças, utilizando as do Ministério do Interior, para afirmar e consolidar seu controle", disse Fawaz Gerges, professor de relações internacionais na London School of Economics, em entrevista à BBC.
"Nas zonas sob seu controle, o Hamas poderá destruir vários clãs, gangues, invasores e milícias porque suas forças são mais experientes, mais habilidosas e mais determinadas", acrescentou Gerges.
Embora o Hamas tenha mantido rivalidades com vários grupos armados na Faixa de Gaza, os bombardeios israelenses de Gaza e a perda de poder do Hamas permitiram que alguns clãs se fortalecessem, segundo especialistas.
"O colapso de outras instituições sociais aumentou o apelo dos clãs, que podem servir como uma rede social para seus membros", declarou Yaniv Voller, professor titular de política do Oriente Médio na Universidade de Kent, em entrevista à BBC.
"Foi relatado que ao menos alguns dos clãs têm recebido armas e outros tipos de apoios das Forças de Defesa de Israel (FDI) para atuar como intermediários contra o Hamas", acrescentou.
Algumas milícias também operam em zonas controladas pelas FDI.
Por meio da análise de vídeos que circulam pelas redes sociais, BBC Verify identificou bases usadas por dois grupos rivais em território controlados pelas FDI, incluindo uma perto da cidade de Rafah, no sul, e outra perto da cidade de Beit Hanoun, no norte.
Em resposta ao ressurgimento do Hamas e ao papel de suas forças de segurança na vigilância, Trump declarou anteriormente que isso não descumpre o acordo de cessar-fogo.
"O [Hamas] quer pôr fim aos problemas e expressou isso abertamente, e nós lhes demos nossa aprovação por um tempo", declarou o presidente dos EUA na segunda-feira (13/10).
"Temos cerca de 2 milhões de pessoas voltando a edifícios demolidos, e muitas coisas ruins podem acontecer. É por isso que queremos que tudo aconteça com segurança."
Gerges, professor da London School of Economics, afirmou que os EUA e seus aliados não tiveram outra opção que não seja permitir que o Hamas empregasse alguma força em Gaza para que o cessar-fogo tivesse impacto significativo.
"Sem segurança, não se pode oferecer ajuda. Sem segurança, não se pode viver", disse Gerges. "Os americanos percebem que a única força é o Hamas, e essa é a ironia".
Com reportagem adicional de Emma Pengelly e Ahmed Nour.
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