Recentemente, cientistas mapearam um único milímetro cúbico de tecido cerebral humano, o equivalente a um grão de areia. Esse pequeno fragmento exigiu 1,4 petabytes de dados apenas para armazenar uma “foto” estática 3D dele, sem simular o funcionamento do cérebro. Dentro desse grão de areia, há 57 mil neurônios e 150 milhões de sinapses, cada uma com mais de mil proteínas que mudam conforme o contexto.
Esse feito científico revela algo que raramente é dito em meio à euforia da “corrida pela AGI” (Inteligência Artificial Geral): a distância entre os modelos de IA e a inteligência biológica ainda é colossal. Os sistemas de IA de hoje, de ChatGPT a Gemini, dependem de um algoritmo chamado backpropagation, que ajusta pesos matemáticos com base em erros, como um aluno que aprende por tentativa e erro. Mas esse mecanismo, criado há décadas, é apenas uma simplificação grosseira do cérebro humano. Nossos neurônios não são interruptores digitais. São fábricas químicas vivas, onde cada dendrito (ramificação) processa sinais de forma independente, reagindo a impulsos elétricos, neurotransmissores e hormônios. A matemática atual simplesmente não consegue descrever essa dinâmica, e não temos equações nem estruturas algébricas que capturem esse nível de complexidade. O que ainda falta para pensarmos em algo que seja uma AGI? Primeiro, a dimensão química. As redes neurais artificiais não têm dopamina, serotonina ou GABA (ácido gama-aminobutírico). Esses compostos biológicos não são apenas sinais, mas são dimensões inteiras de modulação que definem comportamento, aprendizado e emoção. Depois a plasticidade viva. Cada percepção altera o cérebro que a percebe. Nossas redes neurais, em contraste, param de aprender após o treinamento. São fósseis matemáticos, refinados, mas estáticos. Os modelos de IA não “sentem” prazer ou frustração quando acertam ou erram. Mesmo os modelos que prometem “aprendizado contínuo” apenas armazenam dados novos e não se reorganizam de forma viva como o cérebro faz a cada segundo. Existe ainda um muro científico e filosófico. Na biologia, o aprendizado é multidimensional e dinâmico. Os neurotransmissores alteram a forma como o cérebro aprende, prioriza, esquece ou reforça informações. Na IA, o aprendizado é puramente numérico e estático, uma perda de gradiente ajusta pesos, mas sem contexto químico, fisiológico ou emocional. Escalar GPUs não nos aproxima da consciência, apenas repete padrões em maior escala. A pergunta não é se a AGI vai surgir, mas se entendemos o que estamos tentando criar. Enquanto confundirmos performance com entendimento, corremos o risco de construir papagaios que recitam Shakespeare, e acreditarmos que eles compreendem poesia. Se a mente humana ainda é o maior mistério da ciência, talvez o maior ato de inteligência natural seja reconhecer o tamanho daquilo que ainda não sabemos.
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