SABERES TRANSDISCIPLINARES E ORGÂNICOS.

domingo, 12 de outubro de 2025

Por que os recordes mundiais estão ficando cada vez mais difíceis de serem batidos, segundo a matemática


Armand Duplantis durante salto com vara

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,Parece incrivelmente difícil atingir novos recordes mundiais em certas modalidades esportivas. Mas, em outras, eles parecem cair regularmente, como demonstra o sueco Armand Duplantis, no salto com vara.
    • Author,Kit Yates
    • Role,BBC Future

Para entusiasmo do público presente durante o Campeonato Mundial de Atletismo, realizado em setembro em Tóquio, no Japão, Armand "Mondo" Duplantis saiu correndo pela pista com a vara. Os aplausos eram ensurdecedores. E Duplantis voou.

O atleta sueco disparou para confirmar seu domínio sobre uma das modalidades mais técnicas do atletismo. Ele atingiu um novo recorde mundial para o salto com vara.

Sua marca de 6,3 metros trouxe o terceiro título mundial consecutivo de Duplantis e, surpreendentemente, seu 14° recorde mundial.

É uma amostra do que pode acontecer no esporte. Melhorias da alimentação, da técnica ou de equipamentos podem trazer uma súbita série de recordes mundiais, especialmente em modalidades técnicas, como o salto com vara e o ciclismo.

Nelas, pequenos ajustes fazem grandes diferenças. E os avanços das técnicas de corrida também trouxeram novos recordes nos últimos anos.

Armand Duplantis completando um salto

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,Armand Duplantis vem dominando as competições de salto com vara a ponto de se tornar um superastro do esporte

Mas o recorde mundial masculino do salto em distância só foi quebrado uma vez desde 1968, quando o norte-americano Mike Powell saltou 8,95 metros durante o Campeonato Mundial de 1991, também realizado em Tóquio.

É possível que tenhamos atingido o limite do salto em distância, um nível em que melhorar ainda mais é impossível e as diferenças entre o desempenho dos atletas se resumem a fatores relacionados à "sorte", como a direção e a velocidade do vento, a qualidade do sono de cada um na noite anterior e assim por diante.

Nós designamos este tipo de situação como "estacionária", ou seja, a tendência geral do desempenho médio é inalterada.

Quando o sistema é estacionário, podemos nos questionar com que frequência devemos esperar a quebra de recordes devido a flutuações aleatórias. E, para conseguirmos um exemplo de sistema estacionário do qual temos medições há muito tempo, podemos observar os dados climáticos da era pré-industrial.

Os recordes e a chuva

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Imagine que iremos investigar os níveis anuais de chuva em diferentes cidades ao redor do mundo. Neste levantamento, os totais de cada cidade são independentes das demais e não existe uma tendência geral do comportamento climático.

O total de chuva do primeiro ano em cada cidade, por definição, é um recorde. Se a chuva do segundo ano for independente da primeira, em média, metade das cidades terá chuvas maiores que as do primeiro ano e a outra metade, não.

Ou seja, após dois anos, o número médio de recordes em todas as cidades é de um mais a metade.

No terceiro ano, o total deve exceder os dois primeiros anos para estabelecer um novo recorde. Em média, isso acontece em apenas um terço das cidades.

Por isso, no final do terceiro ano, o número esperado de recordes é de um mais a metade, mais um terço.

E assim prossegue a série. Após 100 anos, o número esperado de recordes por cidade é de um, mais a metade, mais um terço, mais um quarto... mais um centésimo.

Este conjunto de frações consecutivas agregadas é conhecido em matemática como série harmônica, devido à sua relação com as harmonias musicais.

Ela está presente em todo tipo de análise, desde testes de estresse na construção civil até a logística de guerra, do embaralhamento confiável em jogos de cartas até a quantidade de figurinhas que você precisa comprar para completar o álbum.

O atleta norte-americano Mike Powell, quebrando o recorde mundial do salto em distância masculino, em 1991

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,Mike Powell quebrou o recorde mundial do salto em distância masculino em 1991 (8,95 m). Sua marca permanece imbatível, mais de três décadas depois.

As parcelas que estamos adicionando ficam cada vez menores, mas a soma da série harmônica não se resume a um valor fixo. Na verdade, ela continua crescendo.

Na matemática, afirmamos que esta sequência é divergente. E ela confirma nossa intuição sobre os recordes.

Mesmo em sistemas estacionários, eventualmente ocorrem novos recordes, se esperarmos tempo suficiente. Mas, à medida que o tempo passa, o aumento da soma da série harmônica se torna muito lento.

Isso significaria que a frequência da quebra de recordes irá diminuir drasticamente ao longo do tempo.

Podemos esperar dois recordes nos primeiros quatro anos, depois cerca de sete anos pelo próximo, depois cerca de 20 anos pelo seguinte e mais 52 anos por mais um depois daquele.

Após um século, esperaríamos cerca de cinco recordes ao todo e, depois de mil anos, apenas sete.

O velocista jamaicano Usain Bolt à frente dos seus concorrentes, durante uma competição esportiva

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,Usain Bolt ainda é o homem vivo mais rápido do mundo. Seu recorde dos 100 metros rasos, estabelecido em 2009, é válido até hoje.

Mesmo em um sistema estacionário, ainda esperamos a quebra de recordes, mas com frequência cada vez menor. E, invertendo esta noção, podemos usar os dados sobre a velocidade de quebra de recordes para indicar se um sistema é ou não estacionário.

Décadas de dados climáticos, por exemplo, mostram que os recordes de temperatura estão sendo quebrados em velocidade alarmante. Isso indica que o clima da Terra não é mais estacionário e está se aquecendo rapidamente, devido aos efeitos da atividade humana sobre o planeta e à emissão de gases do efeito estufa na atmosfera.

A velocidade em que os recordes de calor são quebrados está caindo mais lentamente do que o esperado e chegou a aumentar nos últimos 15 anos. Já os recordes de frio caíram com muito mais rapidez do que em um clima estacionário.

Estas duas tendências indicam enfaticamente o aquecimento global.

Os cientistas usam a razão entre a frequência real dos recordes e a frequência esperada para caracterizar a extensão das mudanças climáticas. Ela é chamada de razão de recordes.

Nos últimos 15 anos, a razão de recordes para eventos de frio caiu para menos de 0,5, o que indica que os recordes de frio estão sendo quebrados com a metade da frequência esperada.

Por outro lado, em 2020, a razão de recordes de calor aumentou para mais de quatro. Isso sugere que os recordes estão sendo quebrados com quatro vezes mais frequência do que esperaríamos em um clima estacionário.

A razão de recordes de calor atingiu 6,2 em 2024, que foi o ano mais quente já registrado, segundo a Organização Meteorológica Mundial.

Florence Griffith-Joyner ao lado de duas concorrentes, vencendo uma corrida durante os Jogos Olímpicos de 1988 em Seul, na Coreia do Sul

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,Os recordes mundiais dos 100 e dos 200 metros estabelecidos em 1988 por Florence Griffith-Joyner (1959-1998) não foram quebrados até hoje

O que isso significa para o esporte?

No atletismo, não costumamos ter dados suficientes para saber se os esportes individuais atingiram o estado estacionário.

Estudos defendem que os dados sobre o desempenho nos esportes de elite, em uma série de eventos de campo e de pista, indicam que já atingimos ou nos aproximamos do pico do desempenho físico e que devermos esperar, a partir de agora, a quebra de recordes com menos frequência.

Outros defendem que o desempenho humano ainda não atingiu seu pico e continuará a melhorar no futuro.

A quantidade de recordes quebrados por Duplantis nos últimos anos indica que o salto com vara provavelmente ainda não atingiu o estado estacionário. Já os recordes que duram anos sem serem quebrados sugerem que o salto à distância pode já ser estacionário ou até estar regredindo.

O recorde mundial do salto em distância feminino é ainda mais antigo que o dos homens. A atleta soviética Galina Chistyakova saltou 7,52 metros em 1988 e as tentativas recentes de bater este recorde não chegaram nem perto desta marca.

Mas é preciso tomar cuidado para não traçar conclusões fortes demais sobre a falta de recordes em uma modalidade específica.

A atleta soviética Galina Chistyakova descansa sentada sobre a grama, no intervalo de uma competição

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,Galina Chistyakova, da antiga União Soviética, é a recordista mundial do salto em distância feminino até hoje. Ela saltou 7,52 metros em 1988.

A natação também presenciou uma queda significativa da frequência de quebra dos recordes, depois da proibição dos trajes de poliuretano de alta tecnologia, em 2010.

Os chamados "supertrajes" reduziam a resistência e aumentavam a flutuação. Eles permitiram a quebra de um grande número de recordes em 2008 e 2009, quando foram permitidos. Alguns desses recordes permanecem até os dias de hoje.

Mas a velocidade de quebra de recordes começou a aumentar novamente, o que indica que o progresso das técnicas e do ambiente das piscinas pode permitir que os nadadores continuem a melhorar seus resultados ainda por algum tempo no futuro.

Mas, às vezes, os novos recordes podem se dever a indivíduos extraordinários, que ultrapassam os limites do esporte.

A nadadora americana Katie Ledecky, por exemplo, quebrou 16 recordes mundiais ao longo da carreira. No primeiro semestre do ano, ela estabeleceu uma nova marca para os 800 metros, nado livre.

E, com 14 recordes mundiais em seu nome, é justo dizer que Duplantis é outro atleta que vem definindo novos padrões sobre o que o ser humano é capaz de realizar.

A nadadora americana Katie Ledecky parte para disputar mais uma prova na piscina

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,Katie Ledecky é a maior vencedora do mundo na natação feminina

Mas, depois do escaldante e úmido Campeonato Mundial de Tóquio em 2025, o presidente da World Athletics (antiga Associação Internacional de Federações de Atletismo), Sebastian Coe, reconheceu que as mudanças climáticas podem forçar o esporte a reconsiderar sua tradição de realizar eventos no verão.

Curiosamente, Duplantis foi o único a estabelecer um novo recorde mundial em Tóquio.

Com 75% dos atletas relatando que o calor e as mudanças climáticas estão prejudicando sua saúde e seu desempenho nas competições, poderemos concluir que as próprias mudanças climáticas irão alterar a frequência de quebra dos recordes esportivos.

Paralelamente, precisamos comemorar os novos recordes mundiais que surgirem. Afinal, os atletas que conseguirem esta façanha terão superado todas as dificuldades para atingir algo realmente especial.

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Innovation.

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