SABERES TRANSDISCIPLINARES E ORGÂNICOS.

sexta-feira, 21 de novembro de 2025

Capítulo 2: Uma Teoria da Cooperação Simbiótica.




A revelação da simbiogênese por Lynn Margulis não foi um ponto final, mas um germe. Um germe que, ao encontrar solo fértil no pensamento de outros autores visionários, desabrochou em uma teoria evolutiva radicalmente mais complexa, orgânica e interconectada. A fusão das ideias desses pensadores não é meramente aditiva; é simbiótica. Juntos, eles tecem uma narrativa coerente e poderosa onde a cooperação é o princípio organizador da vida, uma narrativa da qual emerge a proposta de uma Escola de Pensamento da Cooperação pela Simbiose. 



Se Margulis nos deu o mecanismo fundamental – a fusão de organismos para criar novidade –, pensadores como Fritjof Capra em "A Teia da Vida" fornecem a estrutura filosófica e sistêmica. Capra argumenta que devemos abandonar a visão mecanicista e cartesiana do mundo para entender a vida como uma rede complexa de relações. Nesta "teia", os organismos não são blocos de construção isolados, mas nós em uma rede dinâmica e autopoiética. A vida, portanto, não é uma cadeia linear de comando, mas uma rede simbiótica de cooperação. Esta perspectiva ecoa e amplifica a de Margulis, transformando a simbiose de um evento biológico em um princípio ecológico e cosmológico. 




É aqui que a contribuição dos Humberto Maturana e Francisco Varela com o conceito de autopoiese – a capacidade dos sistemas vivos de se auto produzirem e manterem suas fronteiras através de suas redes de interações – se torna crucial. A simbiose é, em sua essência, um fenômeno autopoiético ampliado. Dois ou mais sistemas autopoiéticos, ao se encontrarem, podem coordenar seus comportamentos de forma a criar um sistema autopoiético maior e mais complexo. A mitocôndria dentro de nossa célula não perdeu sua sistema autopoiético maior e mais complexo. A mitocôndria dentro de nossa célula não perdeu sua "identidade"; ela se tornou um componente integrado e indispensável de uma nova unidade autopoiética. A vida, portanto, evolui não apenas pela competição entre sistemas fechados, mas pela cooperação que gera sistemas abertos de maior complexidade. 



Esta teia não é uma metáfora abstrata; ela é literalmente encarnada no solo sob nossos pés. O trabalho de biólogos como Merlin Sheldrake, em "A Trama da Vida", revela o mundo fúngico como o sistema de comunicação e cooperação do planeta. As micorrizas – associações simbióticas entre fungos e raízes de plantas – formam a "Wood Wide Web", uma rede subterrânea onde árvores "mães" distribuem recursos para plântulas, onde espécies diferentes trocam alertas e nutrientes. Esta não é uma economia de mercado competitiva; é uma economia de dádiva florestal, um testemunho eloquente de que a cooperação interspecífica é a base do sucesso dos ecossistemas. Os fungos são os grandes simbiontes, os arquitetos da conectividade que demonstram que a vida, em sua trama mais fundamental, é colaborativa. 



E é no encontro entre espécies, no contato íntimo e transformador, que a filosofia de Donna Haraway em "Quando as Espécies se Encontram" e outras obras injeta uma dimensão ética e política indispensável. Haraway nos convida a "ficar com o problema", a habitar as tensões e os emaranhados dessas parcerias. Ela propõe o conceito de "parentes de linhagem estranha" (oddkin) e de "simpoiese" – um fazer-com. Para Haraway, ninguém se torna no singular; nós nos tornamos com os outros, através de parcerias simbióticas e colaborativas. A simbiose deixa de ser apenas um processo biológico e se torna um imperativo ético: somos compostos por responsáveis por uma multidão de espécies. Nossa história evolutiva é uma história de becoming-with (tornar-se-com). 





A fusão desses pensamentos – a simbiogênese de Margulis, a teia da vida de Capra, a autopoiese de Maturana e Varela, as redes fúngicas de Sheldrake e o "tornar-se-com" de Haraway – nos fornece os alicerces para uma nova escola de pensamento. A Escola da Cooperação pela Simbiose propõe uma reorientação fundamental: 

  1. Da Árvore à Rede: A metáfora central da evolução deixa de ser uma árvore com galhos separados e competitivos para se tornar uma rede micorrízica, um micélio interligado e cooperativo. 

  1. Do Indivíduo ao Holobionte: A unidade de seleção e de identidade não é o indivíduo isolado, mas o holobionte – o organismo-anfitrião mais toda a comunidade de simbiontes (microbiana, fúngica, etc.) que o constitui e com ele coevolui. 

  1. Da Competição à Co-Criação: A força motriz da complexificação da vida é a capacidade de estabelecer parcerias duradouras, de fundir destinos, de co-criar nichos ecológicos e novas formas de existência. 

  1. Da Exploração à Reciprocidade: A ética que deriva desta visão é a do cuidado, da responsabilidade e da reciprocidade. Se nossa existência é um emaranhado de dívidas simbióticas, nossa sobrevivência futura depende de honrar essas parcerias. 



Esta escola não nega a existência da competição, mas a contextualiza dentro de um quadro muito mais amplo e fundamental de interdependência. A vida não avança apenas pela eliminação do mais fraco, mas principalmente pela integração criativa do diferente. Ao entender que somos, em todos os níveis, ecossistemas andantes num planeta simbiótico, lançamos as sementes para um futuro em que a evolução não é uma corrida solitária, mas uma dança coletiva, complexa e incessante de cooperação. 

 



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