SABERES TRANSDISCIPLINARES E ORGÂNICOS.

terça-feira, 18 de novembro de 2025

Geografia Econômica: Educação Transformando Territórios Vulneráveis por Egidio Guerra




A Geografia Econômica, longe de ser uma disciplina estática, é uma ciência viva que desvenda como as dinâmicas econômicas moldam e são moldadas pelo espaço. Sua jornada, desde seus fundadores até os autores contemporâneos, é a história de um pensamento que evoluiu para decifrar – e potencialmente transformar – as realidades mais desiguais do mundo globalizado. 

Uma Jornada Teórica: Dos Fundamentos à Crítica 




Seus pilares clássicos foram erguidos por autores como Alfred Weber, com sua teoria da localização industrial, que buscava otimizar custos de transporte e mão de obra, e Walter Christaller, com sua teoria dos lugares centrais, explicando a hierarquia urbana. Eram visões que privilegiavam a lógica do mercado e a eficiência. 



Contudo, foi com a guinada crítica a partir dos anos 1970 que a disciplina ganhou seu fio mais afiado. Autores como David Harvey demonstraram como a produção do espaço é fundamental para a acumulação do capital, criando contradições como o desenvolvimento desigual – onde a riqueza de alguns lugares é inextricavelmente ligada à pobreza de outros. Milton Santos, um dos maiores geógrafos do Sul Global, trouxe uma contribuição seminal ao cunhar o conceito de "Espaço Geográfico como Território Usado". Para ele, o território não é um palco inerte, mas um conjunto de sistemas de objetos (infraestruturas, edifícios) e sistemas de ações (políticas, fluxos, trabalho) que refletem e perpetuam as relações de poder. Ele enfatizou a "globalização perversa" que fragmenta territórios, criando "circuitos superiores" (do capital globalizado) e "circuitos inferiores" (da economia popular), estes últimos frequentemente invisibilizados, mas vitais para a sobrevivência das comunidades pobres. 


Hoje, autores como Ana Fani Alessandri Carlos e Carlos Walter Porto-Gonçalves continuam esta linhagem crítica, focando na luta pela terra, nos conflitos socioambientais e na importância dos saberes locais, dialogando com as vozes que emergem diretamente dos territórios. 

A Geografia Econômica em Ação: Potencializando Territórios Vulneráveis 

Em territórios de comunidades pobres, a Geografia Econômica crítica não é apenas uma lente de análise, mas uma ferramenta de emancipação. Ela pode ser utilizada para: 

  • Mapear a Economia Real: Identificar e valorizar os "circuitos inferiores" da economia: feiras livres, pequenos produtores, oficinas de costura, sistemas de troca locais. Este mapeamento revela a verdadeira vitalidade econômica desses locais, que frequentemente escapa às estatísticas oficiais. 

  • Planejar contra a Lógica da Segregação: Analisar como a localização periférica dificulta o acesso a emprego, saúde e lazer, propondo políticas de mobilidade urbana e descentralização de equipamentos públicos que combatam a injustiça espacial. 

  • Gerar Estratégias Econômicas Locais: Identificar vocações econômicas subutilizadas (como o artesanato tradicional, a agricultura urbana ou o turismo de base comunitária) e planejar cadeias produtivas curtas que retenham a riqueza no local. 

  • Enfrentar Riscos Socioambientais: Mapear áreas de risco de deslizamentos ou inundações, comuns em áreas periféricas, e planejar reassentamentos ou obras de infraestrutura que dialoguem com a comunidade, tornando-a agente da sua própria segurança. 





Quebrando Muros: A Geografia Econômica na Escola e na Universidade 

O maior potencial dessa geografia se realiza quando ela salta dos livros e se integra ao currículo por meio de projetos de extensão. Esta é a concretização de "dar sabor ao saber", onde o conhecimento deixa de ser abstrato e ganha a textura da realidade concreta. 

Na Escola: 
Um projeto interdisciplinar sobre o bairro pode: 

  • Matemática: Calcular o custo do transporte público na renda familiar. 

  • História e Sociologia: Resgatar a história de luta pela posse da terra e a formação da comunidade. 

  • Língua Portuguesa: Produzir reportagens e podcasts para um jornal comunitário, dando voz às demandas locais. 

  • Geografia (óbvio): Mapear os equipamentos públicos, os pontos de comércio, as áreas verdes e de risco, criando um "atlas comunitário" digital ou físico. 

Na Universidade: 
Projetos de extensão universitária permitem: 

  • Humanizando as Tecnologias: Cursos de Agronomia e Engenharia de Computação podem, juntos, desenvolver uma estação meteorológica de baixo custo e um aplicativo para alertar a comunidade sobre chuvas fortes, utilizando a ciência cidadã. 

  • Inovando as Políticas Públicas: Alunos de Direito, Serviço Social e Economia podem assessorar legalmente associações de moradores, ajudando-as a elaborar projetos para captar recursos públicos e fomentar cooperativas, transformando demandas em políticas concretas. 

  • Gerando Sinergias entre Setores: A universidade atua como mediadora, articulando o saber popular da comunidade, o conhecimento técnico-acadêmico e os recursos do setor público e privado para implementar soluções cocriadas. 




Conclusão: Um Saber que Liberta. 

A Geografia Econômica, em sua expressão mais crítica e aplicada, é um antídoto poderoso contra a fatalidade. Ela demonstra que a pobreza, a criminalidade e a vulnerabilidade climática não são acidentes naturais, mas resultados de processos históricos e espaciais que podem ser desvendados e transformados. Ao integrar esse saber ao currículo escolar e universitário por meio de projetos de extensão, quebramos os muros que separam a teoria da prática e a academia da sociedade. Geramos um ciclo virtuoso onde o "saber" acadêmico é temperado pelo "sabor" da realidade, inovando políticas públicas a partir das vozes das comunidades, humanizando a tecnologia e, acima de tudo, gerando estratégias econômicas que não visam apenas o crescimento, mas a construção de territórios mais justos, resilientes e dignos para todos. 

 

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