SABERES TRANSDISCIPLINARES E ORGÂNICOS.

domingo, 26 de outubro de 2025

O Câncer Sistêmico da Corrupção: Da Metástase Institucional ao Extermínio Social por Egidio Guerra.






A metáfora do "câncer" é mais do que apropriada; é anatomicamente precisa para descrever a corrupção brasileira. Não se trata de um tumor isolado e extirpável, mas de um carcinoma sistêmico que nasce na medula das relações de poder – na troca de favores, no clientelismo e na patrimonialização do público pelo privado. Esse câncer não é um acidente; é um modus operandi que se refinou ao longo de séculos, desde os tempos coloniais, quando as capitanias hereditárias e a figura do "homem bom" estabeleceram a matriz de que o Estado é uma extensão dos interesses particulares de uma elite. 



metástase ocorre quando essa lógica contamina todos os poderes:

  • Judiciário: Muitas vezes seletivos, agindo com ímpeto contra inimigos políticos das elites e com morosidade calculosa quando os investigados são os "donos do poder". A lawfare ou "guerra jurídica" é um instrumento moderno dessa seletividade. 


  • Mídia Tradicional não é um espectador neutro. Grande parte da grande mídia é controlada por poucas famílias com interesses econômicos e políticos entranhados. Ela constrói narrativas, criminaliza movimentos sociais, glorifica o agronegócio predador e cria espetáculos midiáticos que, de fato, distraem a população dos acordos de bastidores entre as elites. 


  • Legislativo: Transformado em um balcão de negócios, onde o orçamento secreto e as emendas de relator se tornaram a moeda de troca para a governabilidade, esvaziando o debate ideológico e fortalecendo o fisiologismo. 


  • Universidade Pública: Alvo constante porque é um dos últimos redutos de pensamento crítico e de produção de conhecimento não subordinado ao lucro imediato. A perseguição a professores, como retratada em "Agente Secreto", é a ponta do iceberg de um projeto maior de desmonte da educação como ferramenta de emancipação. 

As consequências são o extermínio: a morte de jovens negros e pobres nas periferias (o genocídio da população carcerária e nas operações policiais), a pobreza estrutural, a violência como ferramenta de controle social e a desigualdade mais brutal do planeta. Tudo isso é o subproduto necessário de um sistema que prioriza o acúmulo de riqueza de poucos em detrimento da vida de muitos. 

O Espelho da Ficção e do Documentário: "Agente Secreto" e "Ainda Estou Aqui" .O Brasil é Oscar na corrupção!

  • "Agente Secreto" (2019, dirigido por Kebler Medonça Filho.): 

    O filme Agente secreto é sobre um caso de interesses privados associados a políticos que perseguem professores da Universidade pública que defendem a Universidade a serviço do povo e interesses públicosNeste Brasil, gerido por chefes de indústrias e políticos corruptos, forças que se beneficiam de seus contatos para fazer com que documentos desapareçam, ou sequer venham a existir. É como se as circunstâncias transformassem tudo e todos em agentes duplos, mas ninguém sabe sua missão e as informações verdadeiras estão sendo sistematicamente trancadas em cofres inacessíveis. O passado da família de Marcelo está incluso nisso, e quando ele começa uma nova vida, ele está tão interessado em descobrir quanto em não ser descoberto. O Agente Secreto conclui com uma dose potente de melancolia. Não é algo derivado de um único acontecimento, mas um reconhecimento geral de que a luta dele é apenas uma, de que pessoas são mortas e construções são demolidas para dar lugar a outras coisas, tipicamente mais rentáveis, e de que o Brasil segue entendendo, ainda, o grau do que foi perdido em sua história. Para Kleber Mendonça Filho, isso não é algo que se resume à ditadura. É um elemento infelizmente inseparável do verde-amarelo, algo que existia antes dos militares e que até hoje nos afeta. Assim, O Agente Secreto é posicionado como uma espécie de épico, escancarando de forma intrigante através da dinâmica espiã de revelar segredos aquilo que foi varrido para baixo do tapete. 


  • "Ainda Estou Aqui" Em um período em que muitos flertam com o fascismo e com ideias de que “naquela época é que era bom”, Ainda Estou Aqui é o retrato de uma família destroçada pela “época boa” que durou mais de 25 anos e até hoje nunca revelou toda a sua verdade. Um drama que nunca cai nas armadilhas do gênero e utiliza a força da jornada da protagonista como uma janela para o passado, focado sempre na sombra que rodeava a casa dos Paiva e ainda está observando a todos de perto - assim como os agentes da ditadura fizeram com Eunice e seus filhos.

A Base Histórica e Acadêmica: A Teia Revelada
por Pesquisas e Livros
 

A "troca de moedas entre poderes" é sustentada por uma farta bibliografia, antiga e recente: 

  1. Raízes Históricas (Os "Clássicos"): 


  1. "Os Donos do Poder" (Raymundo Faoro): Obra fundamental para entender a formação do Estado patrimonialista no Brasil, onde a burocracia estatal serve a uma "classe de diretores" e não à nação. 


  1. "Coronelismo, Enxada e Voto" (Victor Nunes Leal): Explica como o poder privado dos "coronéis" se enraizou no sistema político através do clientelismo, um mecanismo de troca de favores que é a célula-mãe do câncer. 


  1. "O Príncipe" (Maquiavel) - interpretado por brasileiros: Embora italiano, a análise de Maquiavel sobre a manutenção do poder se aplica perversamente à política brasileira, onde "a razão de Estado" frequentemente serve para justificar a razão do mais forte. 



  1. Análises Contemporâneas (As "Provas" do Sistema): 


  1. "A Organização" (Mário Magalhães): Um retrato investigativo detalhado do mensalão, mostrando os meandros do financiamento ilegal de campanhas e a teia de relações entre partidos, banqueiros e o Estado. 


  1. "A Reprodução" (Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron): Embora francês, este livro ajuda a entender como o sistema educacional pode ser usado para reproduzir as elites e manter as classes subalternas em seu lugar, contextualizando o ataque às universidades públicas. 


  1. "A Elite do Atraso" (Jessé Souza): O sociólogo atualiza a tese de Faoro, argumentando que a verdadeira elite brasileira não é a dos políticos corruptos, mas a dos rentistas e do capital financeiro, que usa o Estado como seu saque privado, perpetuando a desigualdade. Ele chama a Lava Jato de "o maior caso de lawfare da história mundial", desviando o foco dessa verdadeira elite. 


  1. "Máfia dos Fiscais" (operadores do Rio de Janeiro): Relatórios e delações que mostram a simbiose entre agentes públicos (fiscais, políticos) e milícias, onde o poder do Estado é alugado ou sequestrado por grupos criminosos, que passam a controlar serviços, terras e a vida das pessoas. 


Conclusão: O Ecossistema da Corrupção 

Assim como na Alemanha Nazista, onde uma vasta rede de industriais, burocratas, juízes e cidadãos comuns lucraram e se calaram, o problema brasileiro (e suas versões modernas como o Bolsonarismo e o Trumpismo) é ecossistêmico. Eles criam um ambiente onde a corrupção, a violência de Estado e o negacionismo não apenas são tolerados, mas são recompensados. É um sistema onde a "moeda de troca" pode ser um contrato público, um cargo comissionado, uma matéria jornalística encomendada, uma sentença judicial favorável ou simplesmente a manutenção de privilégios seculares. 

O combate a esse câncer, portanto, não pode ser apenas punitivo e individual (prender um político ou outro). Precisa ser civilizatório: desmontar as estruturas patrimoniais, democratizar os meios de comunicação, fortalecer a educação pública e crítica e, acima de tudo, construir uma nova ética social onde o público seja verdadeiramente de todos, e não o espólio de uns poucos "donos do poder" e seus fiéis "capitães do mato". 

 

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