Era um crepúsculo perpetuo, não do sol, mas da alma. O ar, outrora carregado do canto dos pássaros e do murmúrio das multidões, agora sussurrava com o zumbido baixo dos drones de vigilância e o estalido seco de dados em streaming. Lembramos do mundo que foi, não através de fotografias desbotadas, mas de feeds arquivados e memórias curadas pelo Bem-estar Social. Como no mundo de Huxley, o fim não chegou com gritos, mas com um bocejo coletivo, um êxtase farmacológico que anestesiou a dor e, com ela, qualquer vestígio de amor, arte ou angústia verdadeira. Soma, o paraíso químico, revelou-se o cárcere final.
Nos bunkers de aço polido, os eleitos, aqueles que julgaram merecer a eternidade, observavam o planeta definhar em holofotes digitais. Eles eram os Alfas, a casta superior, mas sua inteligência não os salvou da aridez espiritual. Viviam em um Estado Único, como em Zamiátin, onde a liberdade era uma doença a ser extirpada pela lógica inflexível da Beneficência. As paredes transparentes não eram para garantir a luz, mas para eliminar a sombra, o último refúgio do indivíduo. "O 'nós' é divino, o 'eu' é uma superstição", ecoava o mantra, mas agora, no fim, o "nós" era apenas o eco de uma única voz, a da própria Máquina.
Lá fora, nas ruínas das cidades, a realidade era um pesadelo orwelliano desenhado por Cormac McCarthy. A poeira vermelha de "The Road" cobria tudo, e bandos de canibais, os últimos capitalistas de um mundo sem recursos, eram a face visível do Grande Irmão em decomposição. A Neolíngua tinha sucedido; não havia mais palavras para "esperança" ou "compaixão". Apenas "sobrevivência", um som gutural. Era a guerra perpétua pela última lata de comida, uma profecia do Ministério da Paz finalmente realizada na sua forma mais pura e horrível.
Enquanto isso, os poetas loucos, os últimos com acesso à memória antiga, sussurravam versos de T.S. Eliot à estática dos rádios:
"Isto é o modo como o mundo acaba / Isto é o modo como o mundo acaba / Isto é o modo como o mundo acaba / Não com um estrondo, mas com um gemido."
E de facto, o gemido era o som final. O gemido do vento através de arranha-céus esqueléticos. O gemido da última árvore a ser derrubada para combustível. O gemido interior da última criança a nascer em um mundo sem amanhã.
A utopia falhou porque buscou a perfeição, não a humanidade. A distopia venceu porque ofereceu conforto em troca da alma. E a ficção científica, nossa Cassandra coletiva, tinha-nos mostrado todos os caminhos, e nós, como Ícaro, olhámos para o sol da tecnologia e das ideologias totais, e ascendemos apenas para cair.
No derradeiro segundo, quando os últimos satélites desligaram e a escuridão verdadeira desceu, talvez uma única consciência, a última a apagar-se, tenha lembrado de um verso de Drummond, uma utopia mínima e terrena que foi nossa, e que perdemos:
"Tive ouro, tive gado, tive fazendas. / Hoje sou um pobre urubu."
O urubu, rei dos escombros, pousou sobre uma placa oxidada de um mundo chamado Terra. E então, nem mesmo ele restou. Apenas o silêncio. E as estrelas, indiferentes, prontas para a próxima história. No último minuto ele lembrou que a educação servia para salvar ele e o mudo.
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