SABERES TRANSDISCIPLINARES E ORGÂNICOS.

quarta-feira, 27 de outubro de 2021

MEMORIAL EGIDIO GUERRA PARA O MESTRADO EM EDUCAÇÃO.


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO


MEMORIAL EGIDIO GUERRA




Iniciei meus estudos no Colégio Marista, em especial atuei no nível médio como representante dos estudantes, como Diretor no Grêmio José de Alencar. Onde organizamos vários projetos e lutas estudantis. Na época o Grêmio comemorava 80 anos com todo apoio dos irmãos, foi essa educação humanista que marcou minha vida na luta contra a pobreza, desigualdades, violências e injustiças. Em favor de uma educação que não se reduzisse a passar no vestibular ou focado apenas nas ciências, matemática e português rendendo-se ao padrão do PISA. Hoje podemos observar as consequências desse modelo com ausência de direitos, políticas públicas e educação de qualidade com o respectivo crescimento das violências, criminalidade e pobreza. 


As aulas na Escola foram tão importantes quanto tive nas ruas como líder de movimentos estudantis e sociais, convivendo com as comunidades pobres e ajudando a construir caminhos de superação com ONGs que fundei, pastoral da juventude, e projetos nas escolas e Universidades. Desde cedo aprendi a caminhar entre vários mundos buscando que atuassem juntos em sinergia para superar desafios coletivos comuns como a pobreza, violência, fome, melhoria da educação e outros. O conhecimento e a busca pela sabedoria sempre foi o recurso que tive, afinal ideias mudam o mundo e conecta pessoas. Tornei-me ponte visando gerar conexões entre Escolas, Universidades, Comunidades, Cidades, Governos, Empresas, ONGs e Cooperação internacional através dessas ideias inovadoras que geraram vários projetos e redes que desenvolvemos durante toda vida.  


Foi essencial para minha vida profissional e acadêmica ter planejado minha vida desde os 15 anos visando ter vivências e experiências no mundo acadêmico, empresarial, governamental, terceiro setor, comunitário, artístico e cooperação internacional.  Em cada um desses mundos e na compreensão de suas razões, regras, valores e diferenças fui despertando para várias questões e reflexões, que buscava saciar em minhas pesquisas, lendo livros e autores de várias ciências, vendo filmes e escrevendo sobre elas. 


O que inclui escrever minha autobiografia, artigos, roteiros de filmes e meus livros em meu blog pessoal. Isso resultou em 5 livros que escrevi: Quando amar é proibido, Sociedade da Paixão, em busca da Terra da Sabedoria, Por novas formas de ser, viver, educar, e governar; e Ecossistema educacional que visa integração tecnológica, educacional, ambiental e espiritual. Nessa jornada escrevi 850 artigos nos últimos 15 anos, incluindo acadêmicos nas várias formações que fiz, entre elas Administração, Economia, Psicologia, Cinema e Pedagogia, faltando concluir. Nesta jornada adquiri e li 2 mil livros que compõem minha biblioteca pessoal, afinal não gastava com bebidas alcoólicas, assisti mais de 2 mil filmes principalmente de arte, sou cinéfilo, escrevi roteiros e produzi filmes. 


Considero essa jornada, o que fiz de mais importante na vida, o alicerce de minha formação que contribui bastante na criação de ideias e inovação de projetos e organizações. É importante frisar que passei a vida convivendo entre os diferentes, desiguais, e singulares em vários mundos buscando compreender de forma interdisciplinar, intersetorial, intercultural e internacional o que temos de comum, incluindo nossos desafios coletivos e sonhos. Minha mãe é judia e sigo o judaísmo, mas meu pai é católico, inclusive minha família paterna tem uma capela, Deus para mim é mais importante que minha própria existência, sempre renovo com ele a aliança de construir a sua terra, a Terra da Sabedoria. Nome do meu blog, da Rede de ONGs, e como denomino o primeiro Vale de inovação global em políticas públicas e impacto social que empreendo no Brasil e com parceiros estratégicos em cinco países do qual o projeto Ecossistema e sinfonia educacional faz parte. 


Considero que a vida é um quebra cabeça ou lego que vamos juntando as peças de quem somos com a que recebemos ao longo da vida para construir o mundo que queremos. É como se durante a vida através da compreensão de nossa autobiografia, de nossas origens de forma ampla, buscamos pesquisar cientificamente o que não compreendemos ou o que nos falta, vivendo em espaços educacionais escolares como Escolas e Universidades, e não escolares como o mundo dos livros, filmes, no trabalho, nas lutas políticas, em projetos sociais e ambientais, na arte, esportes, espiritualidade, família, comunidade, aprendendo novas tecnologias ou andando pela cidade. Essa autobiografia, pesquisas científicas e unir espaços educacionais foram as práticas pedagógicas que adotei na vida. Essas práticas pedagógicas resultaram no currículo da vida que gera uma Educação integral proporcionada em ecossistemas e sinfonias educacionais. Elas podem e devem ser facilitadas por Portais na internet e aplicativos em celulares que podem conectar as pessoas, às oportunidades de aprendizagem em todos os setores da sociedade, ajudando cada um de nós, nos tornar personagens de nossa própria história. De um pequeno grão de terra a Terra da Sabedoria. Esse é o meu objetivo na pesquisa mas também minha causa e razão de viver que é colaborar para que mais pessoas transformem suas vidas e lugares onde vivem pela educação. 


Nas empresas aprendi a importância da utilidade e da economia para que todos tenham os meios como viver e desenvolver sua liberdade, na política que devemos lutar por justiça, igualdade de oportunidades e direitos, na arte a importância da estética, assim como no social do bom e do ético, na educação a importância do verdadeiro e da ciência, na espiritualidade a fé, na natureza como devemos aprender a nos relacionar com ela. Em cada um desses mundos há valores e razões que dependem de conhecer e viver esses mundos. 


Fui lutando politicamente e dando vida a esses conhecimentos, empreendemos mais de 40 organizações em todas as dimensões da vida, por isso ganhamos prêmios no Brasil como Empreendedor de um novo Brasil pela Exame, e prêmios internacionais em Bilbao do Presidente da Unesco e da Ministra da Ciência da Espanha, Chile, e Estados Unidos na ONU devido aos projetos educacionais. Essa trajetória e resultados me levaram a ser Fellow Ashoka, Consultor do Banco Mundial e da ONU. 

 

Além de nos últimos 15 anos, ensinar e orientar pesquisas de estudantes americanos de Harvard, Yale, MIT, Columbia, Stanford, Princeton, Duke e outras Universidades americanas com aulas em campo nos projetos que empreendemos. Resultando essa jornada nesta pesquisa para o Mestrado em Educação e na criação desse Ecossistema e sinfonia educacional através da integração de espaços educacionais escolares e não escolares para uma educação em tempo integral. 


Aproveitando agora a oportunidade da curricularização da extensão para começar em uma cidade iniciando mais essa jornada educacional em minha vida no curso de Mestrado em Educação. Infelizmente em minha vida devido ao trabalho, lutas sociais, empreender projetos e criar minha família e filho, hoje ele tem 24 anos, não tive tempo para ter uma vida acadêmica que é o que mais amo e sempre sonhei. Agora posso me dedicar ao Mestrado conectado à pesquisa do Ecossistema educacional que relato suas origens na cidade de Paraipaba, a nossa Angico, neste memorial.  


A cidade de Paraipaba fica a 90 km de Fortaleza, tem 35 mil habitantes , um território do mesmo tamanho geográfico de Fortaleza, é a sede do complexo hoteleiro do HARD ROCK no Brasil, que também tem uma unidade em Curitiba. Paraipaba foi escolhida por estar sendo trabalhada como cidade modelo de inclusão digital pela ANATEL, ONU, UFC, IFCE, UNIFOR e Prefeitura. Reunimos um grupo de Professores e estudantes da UFC, começamos atender demandas da Prefeitura em especial da Secretaria de Educação do município, visando o fortalecimento de espaços educacionais não escolares. Isso resultou em aulas de portugues e matemática dadas por alunos de pedagogia da UFC, o diálogo e construção de um projeto em economia criativa em uma das comunidades mais pobres e violentas da cidade ao lado do HARD ROCK Hotel, e o desenvolvimento de um núcleo para crianças especiais com a associação de pais das crianças, Prefeitura, e Governo do Estado. Todo esse processo está sendo coordenado e acompanhado por uma ONG, Instituto SERVILUZ, que ajudamos a fundar. 


Ela visa desenvolver metodologias e práticas pedagógicas para interação entre as comunidades e os diversos setores da sociedade com o referencial em Paulo Freire dirigida por um Doutorando em Educação pela UFC, Thiago Areal. Nós estamos em negociação com a Pró reitoria de extensão da UFC e de outras Universidades brasileiras e americanas visando pesquisar e sistematizar esse protótipo para formalizar a Rede de espaços educacionais não escolares e desenvolver o Portal Ecossistema educacional em colaboração com Governos, Empresas, Fundações e Cooperação internacional. Objetivo é replicar e escalar essa experiência para interagir com outras Universidades e espaços educacionais não escolares de outros estados brasileiros e outros países. 


Nos últimos 15 anos eu e um Professor Americano , William Calhoun, recebemos mais de mil acadêmicos de Harvard, Yale, MIT, Columbia, Stanford, Duke e outras que cursaram 16 créditos e pesquisaram conosco sobre inovação social com aulas em campo em espaços educacionais não escolares em grande parte ONGs. Algumas dessas ONGs foram fundadas por mim ou desde seu nascimento trabalhamos juntos no desenvolvimento da ideia e projetos, legalização, viabilização de sede, captação de recursos e algumas viraram política pública. Entre elas as Empresas juniores, Empreendedores de Sonhos, Agência Mandalla, Movimento HIP HOP, PRECE, EDISCA, Instituto Educação Portal, UNISERES, e agora o Instituto Serviluz e outras. Elas receberam prêmios no Brasil e no mundo, incluindo do Presidente da UNESCO em Bilbao, e devido a esse trabalho me tornei Fellow Ashoka, Consultor do Banco Mundial e ONU. 


Essas experiências se reuniram na Primeira Feira do Conhecimento da ONU no Brasil que aconteceu no Ceará, fui um dos coordenadores da Feira. Criamos outras redes como Agentes de responsabilidade social que reúne empresas da Federação das indústrias do Ceará com recursos da CNI visando atuar em sinergia com as ONGs, políticas públicas e Universidades. Um desses projetos se tornou uma ONG, o Instituto Educação Portal, que em um ano recebeu do ITAÚ o prêmio de melhor projeto de educação, e em três anos fomos receber na sede da ONU em Nova York um prêmio pelos resultados alcançados. Hoje o IEP se tornou uma Universidade comunitária. Portanto nessa jornada desenvolvi uma metodologia de como empreender em rede que culmina no processo de criação e desenvolvimento do Ecossistema Educacional que visa ser alicerçado por pesquisas acadêmicas.    


terça-feira, 26 de outubro de 2021

As juventudes e as transições de sociedades e modelos educacionais relatadas em filmes.



Por Egidio Guerra, Cineasta, Educador e Empreendedor Social.   


Será que as Universidades constam em seus quadros acadêmicos com Professores educadores preocupados e com capacidades para desenvolver o potencial de seus alunos ? ou estão mais centrados em seus egos e interesses, repetindo palavras como papagaios, sem didática para manter a atenção dos alunos, como por exemplo fazem os filmes com bons roteiros, mas professores por falta de ideias não geram boas aulas, se escondem no nome da Universidade ou nos seus títulos. Grande parte dos professores infelizmente não possuem pesquisas, nem projetos de extensão que poderiam lhe educar sobre a complexidade de sistemas dinâmicos como educação, principalmente sociedades em transição. Infelizmente eles continuam ensinando de forma linear, fragmentada e triste. Abordo essa questão para tratar da educação de jovens que infelizmente tem usado suas energias em bebidas alcoólicas, drogas, consumo desenfreado e outros porque não conseguirmos como sociedade conquistar seus corpos, mentes, imaginação e coragem através da educação e pior tem sido no mundo do trabalho, política, e até mesmo na espiritualidade, o desencantamento é pior. Esse processo social tem consequências ruins e outras boas. É importante lembrar mais uma vez que vivemos numa sociedade em transição que impacta o futuro da Universidade, mundo do trabalho e outros. 



A arte e os filmes têm sido excelentes instrumentos pedagógicos para analisar sociedades em transição, e em especial, o papel da juventude em transgredir regras e apontar novos horizontes. Bons professores usam filmes para o despertar de uma visão mais complexa e sistêmica sobre determinados assuntos, visando dar movimento aos conceitos e razões que  precisam de contextos para ganhar vida e iluminar mentes com a compreensão dos comportamentos e escolhas de determinados personagens. Vamos falar sobre alguns filmes como Juventude transviada da década de 50, e outros filmes de outras épocas para ver como eles contribuem com a compreensão da juventude como agente transformador de sociedades;  incluindo a educação, economia, política e outros.  Nesse sentido, a arte vista de forma transversal pode ser um excelente caminho para colaborar na transformação da educação.



É importante ver ou lembrar do filme Juventude transviada com o olhar de 1950. É preciso reunir informações ou relatos sobre essa época. Naquela época o filme Juventude transviada foi um choque de quebra de regras morais, novos comportamentos foram adotados pela juventude que lotou o cinema e transformou James Dean, em um ícone da cultura pop com sua morte que aconteceu três anos depois do filme, ele continua ainda hoje como celebridade. 


Como um filme conquista o imaginário ? Isso pode nos despertar para como atitudes, antes de pequenos grupos, se difundem e propagam em milhares de pessoas tendo a arte como meio educacional. Não necessariamente esses filmes devem envolver carros, festas, amigos, sexo e outros. Eles podem envolver violências como Laranja Mecânica e Cidade de Deus. Ficção científica como Star Wars e Matrix. Guerra pelo poder como Game of Thrones e Senhor dos Anéis. Mágica como Harry Potter ou qualquer outro assunto, inclusive quem gostaria de ser Professor na Sociedade dos Poetas Mortos? Entre eles existe uma identificação entre os personagens e a juventude que assistem com suas personalidades, problemas e desafios comuns compartilhados em suas vidas e realidades. Normalmente a maioria das escolas e professores não estão preparados para lidar com esses assuntos que afetam as vidas dos estudantes e impactam de diversas formas seus processos de aprendizagem, convívio e outros. 



A arte nos ensina o tecido sensível e a inteligibilidade necessária para compreender o mundo que fazemos parte, incluindo a produção de suas razões e conhecimentos. Muitos confundem sua excelência intrínseca com seu lugar na partilha social, é difícil ser professor sem compreender as desigualdades e violências que afetam nossas juventudes. E se o professor não falar nisso, não se preocupe, os filmes, WhatsApp, amigos, gamers e outros falam. Não importa as notas ou evidências que buscam tratar todos como iguais quando sabemos que todos somos singulares, vivendo histórias diferentes em nossas trajetórias de vidas. Isso quando tomamos a pílula vermelha



Como disse, vários fatores impactam um sistema educacional dinâmico que é mais parecido com a produção de um filme em sua complexidade. Onde a hierarquia das formas de vida começa a vacilar, numa sociedade em transição, a arte e Educação entram. O que buscamos na educação não é performance, é criação e crítica de forma singular, as experiências sensíveis e as razões mudam com a sociedade, e com elas nossas maneiras de perceber e nos afetar. Filmes como Juventude transviada retrata isso em duas horas. Os filmes retratam instituições, práticas, modos de afeto e esquemas de pensamento com cores, ritmos, silêncio entre palavras, movimentos, e acontecimentos em cenas que dialogam ao mesmo tempo com sua mente e coração através dessas histórias. 



Cenas por exemplo do cotidiano aparecem nos filmes em busca de diálogo com situações e problemas que vivemos e que podem apontar direções e atitudes nos educando para isso. As razões da arte se misturam com outras esferas da experiência, e com a escola e universidade impactando sujeitos que existem antes de serem alunos. Cada uma das cenas de um filme, apresenta um conhecimento singular e o explora para diversas formas de compreensão. Por isso que mais importante que analisar um filme prefiro esclarecer pedagogicamente como eles interagem conosco. A rede construída ao redor de um filme nos mostra como são sentidos e pensados, fontes de emoção artística singulares, às vezes alguns filmes como os aqui citados como uma novidade. Essa rede inscreve os filmes na constelação em movimento na qual se formam os modos de percepção, os afetos e os modos de interpretação. Em sala de aula podemos ver as diversas formas como se interpreta um filme como Juventude transviada e outros. Desta forma tecemos os laços que unem percepções, afetos, personagens e ideias, constituímos uma comunidade sensível tecida por esses laços e uma comunidade intelectual que torna os fios pensáveis. A cena capta os conceitos em ação, e sua relação com os novos objetos e ideias. O pensamento é sempre, de saída, um pensamento acerca do pensável, a arte produz um pensamento que modifica o pensável ao acolher o que era impensável. Obrigado aos filmes por educar jovens em sociedades em transição. 



Os filmes não provocam rupturas, eles condensam mudanças da percepção e do pensamento. É preciso resgatar a genealogia das formas de percepção e pensamento que os converteram em acontecimentos. Essa é a essência de educar jovens pelos filmes ou prepará-los para futuras revoluções como aconteceu em maio de 68 que além de mudanças políticas , trouxe inovações tecnológicas como cibernética, computadores e internet, e uma espiritualidade planetária com um compromisso ecológico. Os filmes trazem novos temas para o paradigma estético de uma época que dialoga com as comunidades políticas. O paradigma estético se ergue contra a ordem vigente. O povo livre, segundo Schiller, é o povo que brinca. Todas as pessoas podem experimentar, todas as formas de aspiração ideal e frenesi sensual. Porém para isso arruinamos os modelos da história ou da ciência, com suas causas e efeitos, ou da ação, com seus meios e fins. Rousseau contrapõe a atividade da festa cívica à passividade do espectador do teatro, e inaugura com Júlia ou a nova Heloísa a longa série de romances sem ação, dedicados ao que Borges chama de cotidiano insípido e ocioso. 



Portanto, a autonomia gerada pela arte e o movimento emancipado, não consegue reintegrar as normas e os esquemas estratégicos das causas e dos efeitos, dos fins e dos meios. As pessoas se libertam de caminhos políticos e educacionais que buscam treinar e adestrar pessoas, criando seus próprios caminhos, inclusive de aprender ou mudar a sociedade em que vivemos. Eles aprendem a dizer NÃO! A fazer greve geral, ação estratégica e inação radical. Nem Marx ou ditadores como Stalin ou Hitler acabaram com os delírios e utopias. Como educadores temos que buscar que as pessoas encontrem seus caminhos para nada querer ou não se prestar a nenhuma estratégia. "A Revolução Social é filha da Revolução Estética e não pode negar essa filiação a não ser transformando em tribunal de exceção uma vontade estratégica que tinha perdido seu mundo" como nos educa Ranciere. Nesse caso surgem diversas juventudes transviadas de diversos lugares incluindo da Ciência e Universidades para nos despertar do pesadelo de bombas atômicas.




sexta-feira, 22 de outubro de 2021

AS CAMADAS GEOLÓGICAS E ANTROPOLÓGICAS NA HISTÓRIA E CULTURA DA GESTÃO EDUCACIONAL BRASILEIRA.



Entre as teorias educacionais tradicionais, críticas e pós críticas observa -se hoje uma mistura entre elas na Escola e na sociedade de forma geral.  Observamos camadas “ geológicas “  como se cada uma delas deixasse materialidade nas escolas , desde as cadeiras e mesa do professor, até livros, computadores e cada vez mais celulares , WhatsApp  e nuvens.  Observamos  também camadas antropológicas expressas nas palavras, comportamentos, técnicas de gestão no mundo capitalista e outros.  Umas em cima das outras ou do lado mas sempre em interface.


Observamos essas teorias serem confrontadas pela realidade e impactadas. Eu digo, até mesmo as teorias, serem impactadas sem mostrar sua eficácia, eficiência e efetividade. Por isso hoje no mundo se discute muito o que é impacto social, educacional, econômico, ecológico e outros. Ecológico é um exemplo de muitas interações complexas e sistêmicas. Observamos hoje escravidão, fome, miséria, e criminalidade convivendo lado a lado com a educação e escola, especialmente no Brasil desigual. Umas têm banheiro e biblioteca, outras não, umas tem internet 5G, outras nem remota. Eu poderia aqui descrever vários fatores materiais e comportamentais como formação dos professores, nível de aprendizagem dos alunos por questões sociais e outros. Por isso a gestão é essencial pois os educadores lidam com diferentes e diversas situações às vezes ao mesmo tempo.  Eles  têm alguns recursos e outros não, portanto podem produzir resultados e impactos diferentes . Portanto a gestão pode criar valor e impacto muitas vezes com pouco recursos, como mostrou Paulo Freire. Várias escolas ou empresas ricas não necessariamente inovam ou produzem bons resultados.


As questões centrais na teoria tradicional era eliminar desperdício,  administrar as empresas ou escolas, inserir uma burocracia no cotidiano da gestão, e a interação e conflitos com o meio que estamos inseridos.  Essas camadas materiais e comportamentais se revelam nas relações humanas  em como maximizar o potencial das pessoas e reduzir os conflitos para gerarmos um ambiente na escola e na empresas visando lidar com diversas situações e gerar mudanças em diversos aspectos, incluindo materiais e comportamentais.


Como frisa o texto estamos lidando com a razão pela tangente cartesiana-newtoniana e seus princípios positivistas. Como se tudo fosse linear e fragmentado, inclusive as pessoas, as organizações e as formas  de educar e gerir. Neste escopo linear, as empresas e agora escolas definem suas missões e intencionalidades,  assim como suas formas de medir e controlar os recursos e resultados, e os personagens centrais que têm autoridade e poder para isso como executivos, diretores de escola e consultores qualificados para esse objetivo.


Entre a formação de trabalhadores e a inovação, a centralização e a participação,  a educação e gestão da escola muda  sua forma de lidar com a economia e a teorias de gestão . Gosto de citar o Japão  pós segunda guerra mundial que com círculos de qualidade total, mudou a produção nas empresas, práticas pedagógicas nas escolas, e eliminou níveis gerenciais das empresas dando poder de decisão aos trabalhadores na ponta com autonomia e participação. Compreender a história e a cultura que fazemos parte nos fazem compreender a economia, gestão e a escola integradas entre si em contextos históricos e culturais, ora progressistas, ora conservadores, mas sempre educacionais.


Em épocas que empresas como Itaú e Lemann apoiam a criação de sistemas de avaliação e classificação  de escolas obviamente com seus referências e interesses que por exemplo diferem do que muitos pesquisadores nas Universidades, professores, pais e alunos pensam em como deve ser sua educação. Diferente inclusive de como outros países e escolas lidam para construir seus planos políticos pedagógicos, práticas pedagógicas, e metas mas principalmente a missão e a intencionalidade da educação.  Essas classificações impõe perguntas quem é o responsável pelos resultados da escola, o diretor e seu modelo de gestão ? ou autonomia do aluno e participação de toda comunidade escolar ? As políticas educacionais atuam com as sociais como fazem os principais países que lideram o PISA ? É bom e quais os efeitos da competitividade entre escolas e alunos principalmente quando a educação  não chega ou chega de forma diversa, diferente e desigual para a maioria da população brasileira?


A nossa burocracia e agora tecnologia, suas respectivas regras e normas pautam e modificam ambientes,  o que lá trás incentivou o patrimonialismo, meritocracia e  agora o neo liberalismo com gerencialismo  das escolas. Porém, entre o público e o privado, social e societal, há diferenças históricas e culturais que impactam o modelo de gestão. Viva o modelo Finlandês, Emilia Romana e outros que dialogam com toda sociedade e não empurram modelos tecnocratas que impactam milhões de vidas de diversas formas. O Governo do Ceará e empresas que apoiam isso, muitas sobrevivem dos juros pagos pelo Governo Brasileiro no mercado financeiro com títulos públicos que retiram dinheiro da arrecadação que poderia ir para educação, saúde, questões sociais e outros. E usam uma pequena parte disso para projetos educacionais e sociais do seu interesse mas não do povo brasileiro. Acho que o Governo do Ceará com esse modelo reducionista da educação  faz um desserviço ao povo brasileiro ao vender um  modelo de educação que exclui grande parte da população que não conclui o ensino médio e mesmo analfabeta,  foca em notas de português e matemática, incentivando professores e métodos para focar nas provas que mensuram isso, mas não consegue melhorar as brutais desigualdades, violências e pobreza que vive a maioria  da população cearense. A educação é para mudar isso, mas no Ceará é publicidade.  


Portanto é preciso aprofundar as camadas  geológicas e antropológicas da história e cultura da gestão educacional brasileira.  É preciso deixar claro como nossa economia e política de elites, oligarquias e gangues partidárias produzem em suas raízes, incluindo o marketing de políticos e empresas, uma das maiores desigualdades, injustiças e violências do mundo, fruto da concentração de renda, poder e conhecimento. Não adianta falsificar a realidade pelo interesse de alguns, o nome disso é fake história.  O conhecimento e a educação são produzidos pela interação e diálogo entre quem pensa diferente, foi assim que Países, Governos, Universidades e sociedades fizeram pelo Mundo incluindo Europa, EUA, Canadá, Japão e outros.  


Os salários importam, a igualdade de oportunidades e direitos e não privilégios de alguns,  a participação e diálogo faz toda diferença, diante de desafios dialógicos, flexíveis, plurais e dinâmicos. O ambiente escolar é um campo político, que está diretamente atrelado a fatores sociais, por isso, a necessidade de estabelecer correntes que consigam estreitar o elo entre estes campos diversos e distintos.  Resumindo o chicote e privilégios mesmo modernizados por teorias e práticas de gestão, incluindo suas classificações não é o melhor caminho para gerar inovação e realizar o potencial das pessoas na economia e na sociedade, impactando a qualidade e a felicidade de todos e não de alguns com suas miopias e visões de mundo que precisam ser democratizadas agora. 



segunda-feira, 18 de outubro de 2021

SOBRE GESTÃO EDUCACIONAL E DESENVOLVIMENTO DO BRASIL. 1660 dias.

 


Lendo um texto do Professor da UFC Dr. Marcos Lima sobre gestão educacional e sua relação com o desenvolvimento de um país me faz refletir sobre o Brasil. Ele frisa que o potencial econômico e social de um país está ligado à qualidade da educação. Começa citando os países da OCDE que são uma prova dessa tese. Cita avaliação do PISA como uma métrica baseada em algumas disciplinas e as notas dos alunos que coloca o Brasil na posição 60 dos 76 países avaliados.  



Depois ele nos apresenta uma definição de qualidade educacional que relaciona o indivíduo, grupo e sociedade e o respectivo desenvolvimento das instituições e políticas educacionais nos níveis científico, tecnológico, econômico, social e político nos alertando para premissa da igualdade de acesso, oportunidades para todos e autonomia de atuação das instituições . Segue descrevendo e dando concretude a esta educação de qualidade expressa no projeto pedagógico fundamentado e participativo que seja praticado, infra estrutura, tecnologias acessíveis e inovadoras com sustentabilidade econômica financeira e relacionamento com a comunidade e a sociedade. Prossegue sobre itens relacionados à organização educacional, seu time de técnicos e professores qualificados intelectualmente e equilibrados emocionalmente, detentores de competências éticas e atitudes que valorizem a comunicação, bem remunerados e motivados para o trabalho, e avaliados pelo seu desempenho profissional. Me pergunto: Qual impacto que tem na qualidade da educação se apenas uma dessas variáveis forem retiradas do diagnostico e do planejamento da gestão educacional ? Como podemos ser participativos numa cultura autoritária ? onde tem infra estrutura adequada para poucos devido as nossas profundas desigualdades e injustiças ? onde a tecnologia 5G de acesso a internet de alguns é minoria diante de milhões sem celular, pacotes de dados, internet remota e a distância? Enfim quais os limites da gestão educacional no Brasil ?



Por fim o Professor aborda que a organização educacional desenvolva em seus alunos, motivação, desenvolvimento intelectual e emocional, e capacidade de aprender com competências múltiplas que os permitam aplicar e melhorar sua vida pessoal, familiar, social e profissional. Hoje cada vez mais sabemos a singularidade e trajetória de vida de cada pessoa, incluindo as desigualdades e as diversas formas de apreender e se expressar, alem de varias praticas pedagógicas como autobiografia, pesquisa cientifica e unir espaços educacionais não escolares com escolares visando dialogar com os estudantes por vários caminhos que transcendem notas, currículos e mesmo salas de aulas.  Afinal hoje não só a gestão educacional visa uma abordagem integrada mas vivemos em ecossistemas educacionais ao mesmo tempo individuais e coletivos. 


Eu considero esses itens relacionados pelo Professor como um checklist de praticas educacionais que podem ser avaliadas, geridas e implantadas, ao longo de uma jornada numa organização educacional que terá mais efeitos do que apenas os alunos serem avaliados pelo PISA ou pelos Governos estaduais e federal. Focar nas causas sempre foi melhor que medir as consequências e como estamos falando de gestão educacional é preciso falar de estratégia educacional. O prêmio Nobel de Física Giorgi Parisi desse ano nos lembra a importância de estudar sistemas complexos porque isso muda nossa percepção, compreensão e abordagem sobre eles, e nos coloca os limites dos checklists de processos e mesmo da gestão educacional. O Fisico italiano Giorgi Parisi nos lembra um exemplo simples de um cachorro que podemos prever seu comportamento, mas que pode ser alterado pelo ambiente a qualquer momento pelas atitudes do homem e de outros animais em relação a ele, por algo que comeu ou doenças em suas células, algo na natureza e outros. Imagine uma organização educacional feitas por alunos, técnicos, professores, gestores, e interações diversas com a comunidade, sociedade, natureza, economia, tecnologias, questões sociais, criminalidade, violências e outras que fazem parte do cotidiano das escolas e nem precisam pedir permissão, elas entram pelas vidas no mundo em profundas transformações. O saber e o conhecimento estão se transformando e interagindo com as ideias que temos de escola, educação e outras. E possível gerir tudo isso sem visões complexas, interdisciplinares, sistêmicas, caóticas que nos aproxime das realidades dinâmicas que vivemos incluindo econômicas ?




Entre a improvisação e a excelência em gestão educacional existem milhares de caminhos a seguir e o Professor aponta uma desenvolvida pelo IAG focado em estratégia, processos e pessoas, e cita uma pesquisa da Mckinsey que coloca quatro pilares das melhores escolas no mundo sendo selecionar os melhores professores, cuidar da formação docente, não deixar nenhum aluno para trás e preparar grandes gestores. 



Há quase três décadas atuo em setores diferentes, as vezes ao mesmo tempo como empresas, governos, ONGs com projetos educacionais premiados no Brasil e no mundo, cooperação internacional, e arte. A primeiro questão é conectar esses mundos, o que o Professor busca em seu método, porem uma linguagem não pode sobrepor os objetivos e missões da educação que é diferente das empresas e governos. As métricas mudam e se adequam aos contextos como tem feito as ciências, ate porque mesmos as pedras se transformam em seus ecossistemas, imagina as pessoas e as formas de educar. Muitos países do PISA ou pesquisados pela Mckinsey priorizaram as questões sociais integradas as educacionais, como citei algumas aqui que impactam qualquer modelo de gestão, países tem histórias e culturas distintas que devem ser respeitadas diante do fracasso de muitos planos educacionais, muitos países como Finlândia reduzem o peso da avaliação, outros como Italia ampliam aulas em campo, portando as praticas pedagógicas são essenciais para balizar o modelo de gestão educacional.



Por fim a necessidade da mudança e inovação das politicas públicas para serem de fato públicas, e não oligárquicos e feudais, impacta sobre o processo de democratização da escola e acesso ao conhecimento, assim como o acesso a trabalho, saúde, habitação, igualdade de oportunidades, incluindo crédito e tecnologia, tem profundos impactos na educação e gestão educacional . Numa visão mais complexa e sistêmica compreendemos que a gestão educacional tem que apreender a dialogar com os diversos setores da sociedade, criar pontes e conexões com as empresas, governos na busca pela intersetorialidade das politicas publicas, vários países fizerem isso, por exemplo com as Universidades na formação permanente de seus técnicos e professores, ONGs na interação com espaços educacionais não escolares na busca de uma educação integral e com as comunidades dialogando sobre problemas e desafios comuns. Esse talvez seja o maior desafio da gestão de educação com qualidade no Brasil injusto, desigual e violento com baixa capacidade de somar competências, otimizar recursos, gerar sinergias e ampliar os impactos não apenas em termos de notas e PISA.      



sábado, 16 de outubro de 2021

Giorgio Parisi, o Nobel de física apaixonado por forró e Guimarães Rosa

 

  • Lucas Ferraz
  • De Roma para a BBC News Brasil
Giorgio Parisi

CRÉDITO, FRANCESCA MAIOLINO

Legenda da foto, 

Físico que estuda sistemas complexos e o caos atmosférico ganhou o prêmio em 2021 ao lado de outros dois cientistas. Interessado no Brasil, lamenta a situação da pandemia e o governo Bolsonaro

Nascido em Roma, o físico Giorgio Parisi é um típico professor universitário dos velhos tempos: cabelos desarrumados, a mesa um tanto caótica e uma genuína curiosidade no outro, sobretudo se o outro provém de uma cultura como a brasileira, país no qual tem imensa admiração por causa do forró, estilo que dança, e por escritores como João Guimarães Rosa. 

Aos 73 anos, Parisi acaba de ganhar o prêmio Nobel de física ao lado de dois cientistas especializados no clima, o norte-americano de origem japonesa Syukuro Manabe, de 90 anos, e o alemão Klaus Hasselmann, de 89. 

Além de uma medalha de ouro, a metade do prêmio de 986 mil euros — cerca de R$ 6,2 milhões — ficará com o italiano, enquanto o restante será dividido entre Manebe e Hasselmann. 

"Jamais esperava ser premiado junto com dois climáticos. O Nobel mostra que física e clima são duas coisas diversas, mas que há qualquer relação entre os dois", afirmou Parisi em entrevista em vídeo à BBC News Brasil. "O planeta Terra é um sistema complexo, talvez muito mais complexo do que conhecemos, exatamente por contemplar tudo dentro de si. Todo o desenvolvimento do mundo, os sistemas ecológicos, é um sistema complexo"

Os sistemas complexos e o caos atmosférico são objetos de pesquisa de Parisi desde o final dos anos 1970. As décadas de estudo e algumas descobertas deram ao cientista o Nobel, conforme indicado pela academia sueca. "Não há nada mais fascinante do que encontrar uma ordem no caos", comenta.

A Itália já somou até agora, contando todas as áreas, 21 prêmios Nobel — Parisi foi o sexto físico italiano premiado com a distinção, o que demonstra a força da disciplina no país. Professor da Universidade Sapienza de Roma, ele é vice-presidente — após ser o presidente por alguns anos — da Academia Nacional dei Lincei, existente desde o início do século 17 e responsável por promover a ciência, e pesquisador do Instituto Nacional de Física Nuclear da Itália. 

Interessado no Brasil, país onde nunca pisou, Giorgio Parisi lamenta a situação da pandemia, o governo de Jair Bolsonaro e as recorrentes notícias sobre o aumento da pobreza. 

Leia os principais trechos da entrevista:

BBC News Brasil - A academia premiou o sr. com o Nobel por causa da "descoberta da interação entre a desordem e as flutuações nos sistemas físicos desde o nível atômico à escala planetária". Como se explica isso? 

Giorgio Parisi - A primeira coisa a entender é que, na natureza, existem os sistemas complexos. O mundo, e nós mesmos, somos cercados por esses sistemas. (...)

Se você pegar um cachorro, por exemplo, pode me dizer alguma coisa sobre ele: o que ele está fazendo naquele momento, se come, se brinca, se dorme. Ele pode estar fazendo tanta coisa. Depois, por uma intervenção externa, ele pode mudar completamente: alguém provoca um barulho e esse cachorro se assusta e começa a pular. O sistema complexo mostra que um cachorro, que estou descrevendo em nível comportamental, é formado por tantas coisas, células, órgãos como fígado e cérebro, e esses órgãos podem estar doentes, alguns têm milhares de celulares. São sistemas que provocam um efeito cascata. 

BBC News Brasil - Ou seja, pode ser qualquer coisa, com diversas implicações. 

Parisi - Um cristal de sal não é um sistema complexo. Ou um copo de água, já que todos são feitos do mesmo átomo. Mas quase tudo que temos ao nosso redor é um sistema complexo. O ponto é que a física, por muito tempo, se ocupou a estudar o infinitamente pequeno, as coisas pequenas, átomos ou demais substâncias. Depois ela olhou para o infinito, as estrelas, as galáxias, o universo, a escala cósmica.

A outra fronteira da física são os sistemas complexos, mas estamos ainda distantes de ter compreendido tudo. Por isso o Nobel me foi concedido, pois o trabalho que faço desde o final dos anos 1970 é colocar esses sistemas complexos na física. 

A física é muito diferente das outras disciplinas: a física tenta simplificar o mundo, ou estudá-lo de forma simplificada. 

Um exemplo: Galileu Galilei, quando começou a estudar o movimento das bombas de canhão que caíam em Pisa, negligenciou o efeito do atrito da atmosfera. Havia um modo simplificado. O grande sucesso da física, desde Galileu, foi o de fazer grandes simplificações e depois removê-las. Cinquenta, cem anos depois de Galileu, a física começou a levar em consideração os corpos que se movem na atmosfera por meio do atrito. 

Estudar os sistemas complexos é difícil exatamente porque não é simplificável. Se você simplifica um sistema complexo, ele se torna simples, não é mais complexo. Eu comecei a fazer estudos sobre os sistemas complexos, mas diversos outros pesquisadores também promoveram e se dedicaram a esses estudos. 

Giorgio Parisi

CRÉDITO, FRANCESCA MAIOLINO

Legenda da foto, 

'A ideia de base da motivação do prêmio, de me colocar junto com dois climáticos, mostra que física e clima são duas coisas diversas, mas que há qualquer relação entre os dois'

BBC News Brasil - Qual a relação do sistema complexo com o clima? Isso foi citado na premiação do Nobel.

Parisi - Eu tento adivinhar. O planeta Terra é um sistema complexo, talvez muito mais complexo do que conhecemos, exatamente por contemplar tudo dentro de si. O clima não é uma coisa fácil. As grandes glaciações da terra, no passado, são eventos nos quais a temperatura da terra abaixa repentinamente, passa de uma situação de calor para uma situação de frio intenso. Isso acontece porque a Terra, de qualquer modo, pode estar essencialmente em dois estados diversos, frio ou calor. Pode haver várias situações. 

Fiz estudos sobre as glaciações. A ideia de base da motivação do prêmio, de me colocar junto com dois climáticos, mostra que física e clima são duas coisas diversas, mas que há qualquer relação entre os dois. Devo dizer que jamais esperava ser premiado junto com os climáticos. 

O olhar complexo sobre o universo chega até a escala planetária. Todo o desenvolvimento do mundo, os sistemas ecológicos, é um sistema complexo, um dentro do outro. Depois, há um estudo quantitativo do planeta que, em outra ideia, é feita a partir da climatologia, de personagens que construíram os primeiros modelos detalhados do clima do planeta, dividindo-o em faixas. Quiseram premiar uma inovação que une coisas aparentemente diversas. 

Uma coisa fundamental é que muito do dióxido de carbono que é emitido a partir da atividade humana é absolvido pelo oceano, mas por qual parte do oceano? Vai para a parte fria ou quente do oceano? São problemas fundamentais para as pesquisas atuais. Entrar nesses detalhes, na mistura das águas que vai para a superfície, ou para a profundida dos mares, é algo de enorme complexidade. 

BBC News Brasil - O sr. disse que se ocupa do caos. É o caos dos sistemas complexos ou tem algo aí maior, quase filosófico? 

Parisi - O caos no sentido da imprevisibilidade. O movimento da Terra em relação à Lua, ou em relação ao Sol, é um movimento completamente certo. Podemos fazer previsões sobre o próximo eclipse com grande precisão. Sabemos que os cientistas do passado sabiam fazer isso muito bem. 

A ideia de caos, ao menos do ponto de vista científico, são movimentos que não são facilmente previsíveis. Se fizermos a previsão do tempo daqui dois, três dias, podemos acertar com grande probabilidade. Daqui a 20 dias, por exemplo, não é uma tarefa fácil, geralmente não acertamos. É alguma coisa que se movimenta de forma imprevisível dentro de uma certa escala. Isso, na atmosfera, chamamos de sistema caótico. 

Não há nada mais fascinante do que encontrar uma ordem no caos. Das partículas aos sistemas neurais, até os componentes que formam um pedaço de vidro, há sistemas cujas regras estão todas ainda por descobrir e o meu trabalho é tentar encontrá-las. 

A palavra caos entrou na física nos anos 1960. O melhor exemplo é uma mesa de sinuca. É um exemplo clássico do sistema caótico. Na primeira e na segunda jogada, você pode prever onde a bola estará parada nas jogadas sucessivas. Mas depois da terceira e quarta jogada, e assim por diante, torna-se imprevisível. 

Evidentemente a palavra caos é sugestiva. Em muitos ambientes ela tem outro significado. Mas, do ponto de vista técnico e científico, é essa imprevisibilidade que não é absoluta. Não podemos fazer previsão do clima numa distância de tanto tempo, mas estamos convencidos que no próximo ano não vai nevar em Manaus. Ou sabemos, por exemplo, que no verão fará mais calor que no inverno. 

BBC News Brasil - A escola italiana de física é reconhecida mundialmente, com outros colegas que já foram premiados com o Nobel. O que a faz uma escola tão notável?

Parisi - Para ter bons físicos, é preciso ter bons estudantes de física. E para ter bons estudantes em física, é necessário que bons estudantes se inscrevam em física.

A Itália teve no passado grandes físicos, como Edoardo Amaldi (1908-1989), que fez uma interlocução muito importante entre física e a política. Por anos, a física foi uma das disciplinas mais bem financiadas pelo Estado italiano, o que permitiu estudos e experimentos necessários para o seu desenvolvimento. 

E tivemos também muita gente capaz, estrangeira, que veio para a Itália na Primeira Guerra Mundial (1914-18), e mais tarde após a Segunda Guerra (1939-45), que trouxe muita inovação. Um deles foi o russo Gleb Wataghin (1899-1986), que também foi professor da Universidade de São Paulo. Foi um luxo ter Wataghin aqui. Ele voltou à Itália depois da guerra, após o período no Brasil. Ele foi fundamental para a física italiana, e tinha ainda muito conhecimento internacional. O país acabou criando um ambiente propício para o estudo da física. 

Giorgio Parisi

CRÉDITO, FRANCESCA MAIOLINO

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'Li Grande Serão: Veredas, de Guimarães Rosa, um livro belíssimo. Queria muito ir a Minas Gerais'

BBC News Brasil - O sr. é um respeitável dançarino de forró. Como começou essa relação com a cultura brasileira? 

Parisi - Por um certo período, até 2004 ou 2005, a última coisa que me interessava no mundo era a dança. Mas me aproximei de forma casual, numa academia que frequentava, a partir das danças gregas. É difícil dizer isso, mas sei dançar de forma decente uma série de bailes gregos, danças populares. A Grécia é riquíssima, é um país com centenas de danças diversas. 

Depois, encontrei por acaso um anúncio para aprender forró universitário aqui perto da universidade (Sapienza, em Roma). Não entendi nada, achei que era uma lição de forró para alunos e professores universitários. Ninguém sabe realmente das coisas... 

Depois, aprendi que era um estilo de forró (risos). E me interessei muito. É um ambiente muito simpático. Não é só uma dança criativa, mas o sentido comum das pessoas, de ir fazer as aulas, cria um ambiente muito agradável. A dança é um evento social. 

BBC News Brasil - Qual tipo de forró o atrai mais?

Parisi - Conheço a diferença entre o forró pé de serra e o forró universitário. A isca, quando conheci o estilo, era o forró universitário, mas logo depois passamos a dançar o pé de serra, que é bem diferente. Sei que o chamado forró eletrônico está na moda, mas ele não faz sucesso na Itália. Conheço algo da música e da cultura brasileiras. Gosto mais do estilo tradicional, como as canções de Luiz Gonzaga. 

BBC News Brasil - O sr. já visitou o Brasil? 

Parisi - Infelizmente ainda não, preciso conhecê-lo. Uma vez ia com minha família, em 2009. Mas pouco antes de partir, aconteceu aquele terrível acidente com o avião da Air France que caiu sobre o oceano Atlântico. Minha família ficou com medo e desistimos da viagem. Lamentei muito. Deveria ir a Minas Gerais. Li Grande Serão: Veredas, de Guimarães Rosa, um livro belíssimo. Queria muito ir a Minas Gerais, o sertão descrito no livro. Esse é um dos melhores livros do século 20, um livro que era muito conhecido na Itália cinquenta anos atrás, mas que nos últimos anos vem sumindo, as pessoas não conhecem mais, o que é uma pena. Espero que ainda seja um livro lido no Brasil. 

BBC News Brasil - O sr. está acompanhando as notícias brasileiras?

Parisi - Sim. Conheço bem a situação brasileira. Lamento muito a eleição de Jair Bolsonaro. (...) E lamento muito a situação da pandemia, o aumento da pobreza... (...) Ter Bolsonaro como presidente, durante a pandemia, foi uma das piores coisas que poderiam acontecer com o Brasil. Espero muito que ele seja chutado do cargo.