SABERES TRANSDISCIPLINARES E ORGÂNICOS.

quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Como os nordestinos 'inventaram' o Sul do Brasil

 

 


Luiz Antônio Araujo

De Porto Alegre para a BBC News Brasil

26 novembro 2022

 

Manifestações de desprezo e até ódio contra nordestinos marcaram algumas concentrações promovidas por eleitores inconformados com a derrota do presidente Jair Bolsonaro no segundo turno do pleito presidencial, em 30 de outubro. Vídeos e áudios produzidos por estudantes de São Paulo e do Rio de Janeiro incluem, entre outros gestos, expressões degradantes contra brasileiros dos nove Estados do Nordeste.

 

Esse fenômeno expõe uma divisão política refletida em linhas mais ou menos geográficas: o Nordeste foi a única das cinco regiões brasileiras em que a votação de Luiz Inácio Lula da Silva superou a de Bolsonaro. 

 

Mas, na visão de historiadores ouvidos pela BBC News Brasil, essas manifestações expressam também, em uma perspectiva mais abrangente, os impasses e fraturas da formação do Estado nacional brasileiro.

 

Pesquisadores apontam a ironia de o ânimo antinordestino situar-se na contramão de uma evidência histórica: sem o protagonismo de indivíduos vindos do que é hoje a Região Nordeste, a existência das demais regiões não teria sido possível.

 

Entre os primeiros povoadores dessas regiões, especialmente do Sul, estavam sesmeiros, tropeiros, militares, comerciantes, artesãos, religiosos e sobretudo escravizados nascidos na Bahia, em Pernambuco, na Paraíba, no Rio Grande do Norte, no Ceará e no Maranhão.

 

Essa realidade pode ser constatada não apenas pelo exame dos sobrenomes das famílias mais antigas, muitos dos quais são ramos de célebres clãs baianos e pernambucanos - Azevedo, Coelho, Silva, Freire, Furtado, Melo, Cunha, Borges, Costa, Vieira e outros - como pela observação de tipos físicos, economia, religiosidade e cultura.

 

Autor da trilogia A Fronteira (2002 e 2015), sobre a fixação dos limites entre Brasil, Uruguai e Argentina, o historiador Tau Golin recomenda cuidado àqueles que, no Rio Grande do Sul, fizerem referência a nordestinos como inferiores. "Ao fazer isso, grande parte dessas pessoas está possivelmente degradando os próprios antepassados. Muitos descendem desses nordestinos", adverte.

 

Segundo o historiador, os atuais Estados do Sul e, principalmente, o Rio Grande do Sul foram inicialmente territórios conquistados e ocupados por uma grande variedade de brasileiros vindos do Norte, entre os quais se sobressaem os oriundos da região que hoje corresponde ao Nordeste.

 

Aqueles que hoje se chamam nordestinos eram especialmente numerosos entre os engajados nas primeiras expedições marítimas à costa rio-grandense. 

 

"Nos períodos colonial e imperial, o Rio Grande do Sul foi povoado por políticas de Estado e por aventureiros. As políticas de Estado eram executadas por meio de projetos de povoamento territorial e, em época de guerra, pela concessão de lotes rurais e urbanos a soldados", descreve Golin, doutor em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

 

A história do Rio Grande do Sul é permeada de personagens nascidos e criados na atual região Nordeste que, radicados ou de passagem pelo Sul, ajudaram a mudar a integrar o espaço ao Brasil.

 

Foi um militar nascido na Bahia, Domingos Alves Branco Muniz Barreto (1748-1831), o primeiro a incentivar a exploração do charque ("as carnes salgadas que devem ser exportadas a este reino em lugar das que vem da Irlanda") na região de Pelotas, destinada a Portugal pelo Tratado de Santo Ildefonso (1777).

 

No século 19, outros militares deixaram sua marca na história local, como o marechal Deodoro da Fonseca (de Alagoas), o almirante Custódio José de Mello (da Bahia) e o capitão Tupy Caldas (do Maranhão), a quem muitas vezes é erroneamente atribuída origem gaúcha.

 

Para Golin, porém, é um erro limitar a contribuição do atual Nordeste a esses personagens ilustres.

 

"São nomes da elite colonial, do Império e da República, conhecidos na história oficial. O fenômeno é muito mais profundo, porque é preciso levar em conta o contingente populacional. Os nordestinos vão contribuir muito na formação gentílica, na mestiçagem", explica Golin.

 

A influência nordestina no charque

 

A indústria do charque (chamado de carne de sol no Nordeste), atividade econômica mais importante do Rio Grande do Sul no século 19, é um dos exemplos mais claros da influência nordestina. 

 

A implantação de charqueadas com vistas à comercialização é atribuída a José Pinto Martins, português que criou a primeira fábrica de charque às margens do Arroio Pelotas ou do Canal de São Gonçalo no último quartel do século.

 

Pinto Martins chegou ao Rio Grande do Sul vindo do Ceará, onde já produzia carne de sol. A mudança foi motivada pela seca de 1777, conhecida como "Seca dos Três Sete", que se estendeu até 1880 e provocou a morte de mais da metade da população da região atingida no Nordeste.

 

"Uma das razões mencionadas para a transferência de Pinto Martins para o Rio Grande é que as secas tinham deixado o gado nordestino em estado reduzido e mal nutrido", afirma Ester Gutierrez, autora de Negros, Charqueadas e Olarias: Um Estudo sobre o Espaço Pelotense (2001).

 

Em 1824, Pinto Martins sentiu-se mal e ditou seu testamento. Solteiro, reconheceu como herdeiro João Pinto Martins, filho que tivera com uma ex-escravizada, e deixou dinheiro para dois outros filhos de ex-cativas.

 

"Esses escravos, que trabalhavam nas embarcações que levavam o charque para o porto de Rio Grande, eram nordestinos. No testamento, Pinto Martins libertou-os", diz a doutora em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

 

A ideia de identidades regionais 

 

Para Jocelito Zalla, autor de Simões Lopes Neto e a Fabricação do Rio Grande Gaúcho (2022), a ideia de influência do Nordeste na formação do Sul antes do século 20 deve ser vista com cautela. Foi só a partir dessa época que se firmaram as noções de identidade regional predominantes até hoje.

 

"A ideia de Nordeste é recente. Segundo o historiador Durval Muniz de Albuquerque, até os anos 1920 usava-se o termo mais geral 'Norte' para a região. Os traços culturais e sociais, além da definição da paisagem representativa, só se estabelecem nesse período", lembra.

 

Nos períodos colonial e imperial, diz Zalla, a própria população do que hoje é conhecido como Nordeste definia-se a partir de outros recortes de identidade política, geralmente locais. 

 

"Nem o Nordeste nem o nordestino existiam no período de formação do Rio Grande do Sul. Do ponto de vista da História, as pessoas que emigraram para cá (Sul) ainda não eram nordestinas", assinala.

 

No século 20, por outro lado, Zalla identifica não apenas trocas simbólicas entre as regiões mas uma verdadeira colaboração na construção das duas identidades, a do Sul e a do Nordeste.

 

"A visão de regionalismo de Gilberto Freyre confluiu com a dos modernistas do Rio Grande do Sul, como Moysés Vellinho, principalmente depois dos anos 1930. José Lins do Rego comentou literatura gaúcha em seus livros de crítica literária dos anos 1930 e articulou uma visita de Freyre ao Rio Grande do Sul", enumera o doutor em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

 

No terreno da cultura, essa proximidade evoluiu muitas vezes para a produção de obras. A primeira edição crítica da coletânea Contos Gauchescos e Lendas do Sul, de Simões Lopes Neto (1865-1916), em 1949, não foi organizada por nenhum pesquisador gaúcho, mas pelo alagoano Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (1910-1989).

 

"Ele incluiu na obra um estudo formalista consagratório e um vocabulário que permitiu a compreensão do texto no restante do Brasil, além de mobilizar sua rede de sociabilidade intelectual no Rio de Janeiro para difundir o livro", explica Zalla.

 

 

Outro exemplo é o de Luiz Carlos Barbosa Lessa (1929-2002), um dos fundadores do movimento conhecido como tradicionalismo gaúcho, que, nos anos 1950, em São Paulo, produziu canções e programas regionalistas de TV em parceria com nordestinos e compôs um xote gravado por Luiz Gonzaga (1912-1989)

 

O preconceito

 

Isso não significa, de acordo com Zalla, que não existam estigmas relacionados à região que corresponde ao atual Nordeste. "No Rio Grande do Sul, por exemplo, no século 19 chamavam-se de forma pejorativa de 'baianos' todos os brasileiros dos atuais Norte e Nordeste. Isso pode ser mapeado no cancioneiro da Revolução Farroupilha", observa.

 

Para Golin, esse preconceito antibaiano e antinordestino, no Sul, está ligado a um aspecto central da formação nacional brasileira: a questão racial.

 

"Esse problema se manifesta pela questão do fenótipo, do tipo físico, que, por sua vez, se relaciona ao lugar social dos nordestinos. Essa base, que vai se associar à ignorância histórica, tem um lastro muito acentuado entre os descendentes de migrantes", afirma.

 

Golin define esses contingentes como "grandes cotistas". "São pessoas que vêm para o Brasil com grandes vantagens, num processo de migração que tinha por paradigmas o estímulo à pequena propriedade e à produção para o mercado interno e, principalmente, o processo de apagamento da história da escravidão e o branqueamento da população", explica.

 

O pano de fundo dessa política foi, na opinião do historiador, o desejo do Império do Brasil de participar do Concerto das Nações.

 

Os migrantes instalaram-se em espaços desprezados pelo latifúndio e pela grande empresa rural: os territórios indígenas. "Foi preciso convencer esses migrantes, com um discurso ideológico e racial, de que estavam vindo para o Brasil travar uma luta entre civilização e barbárie", argumenta.

 

O resultado foi que, nas regiões de predomínio de migrantes, a população assentada tende a situar tudo que não se assemelha a sua etnia "em um nível inferior", diz Golin.

 

"Seu discurso se expressa em chacotas, mas também em formulações políticas, como uma forma de diminuição do que não pertence à comunidade de origem migrante. Os 'estranhos' são os brasileiros, os negros", conclui.

 

Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63733197

 

sábado, 26 de novembro de 2022

SOBRE INOVAR POLÍTICAS PÚBLICAS E IMPACTO SOCIAL.



Muitas empresas criticam a corrupção no Governo Lula, mas empresas roubaram como Odebrecht e outras. No Governo Bolsonaro tem vários casos de corrupção incluindo empresas. Qual a diferença do roubo entre Esquerda e Direita? Governos e Empresas? Nenhuma. E quando agem juntos?

 


Os pobres usam seus pés e vozes para dar vida ao futebol são a maioria da torcida e jogadores nas seleções da Copa. Eles sofreram menos quando dirigentes da FIFA foram presos nos EUA. Poucas pessoas querem roubar para si aquilo que não construíram nem lhes pertence usando violências. Enquanto todos pagam com esses absurdos por exemplo no Catar desde Direitos Humanos e outros. 



Assim temos Governos que nomeiam Secretários "samambaia ``, sabemos que ela está na sala mas não manda em nada. Apenas segue ordens de acordos e só faz o que poucos mandam usando o dinheiro público para interesses de alguns. A política pública não tem impacto devido a corrupção de esquerda ou direita, muitas vezes para atender interesses pessoais de alguns às custas de milhares de vidas da torcida da Democracia do povo que morre sem uma chance de mostrar seu talento e fazer seus Gols.



Governos e Instituições empresariais se corrompem muitas vezes juntas, gastam dinheiro público e do setor empresarial muito mal, sem transparência para atender interesses de algumas pessoas às custas de várias empresas sérias e seus sindicatos patronais ou dos trabalhadores que são negadas suas vidas pelos Governos. 


 

Empresas que recebem fundos e tem ações nas bolsas podem cometer erros irrevogáveis como vimos várias empresas no mundo sem transparência despencarem na Bolsa ou suas marcas sofrerem danos bilionários como foi a Nike com trabalho infantil. Isso acontece quando os consumidores conhecem as práticas brutais de empresas no uso do poder. Às vezes contam com Secretários Samambaias e Governos delirantes para agir juntos. Assim como Instituições empresariais se corrompem como Governos ou a Fifa descobrimos que falsos poderes viram poeira na aldeia global. 



Mas existem muitos caminhos para fazer diferente e mudar vidas, instituições, governos e empresas pelos melhores caminhos do mundo não pelos mais fáceis e piores por falsos líderes que são produtos da corrupção e ignorância. Talvez um dia o Brasil entenda porque o herdeiro de uma das famílias mais ricas dos EUA morreu na prisão. O Herdeiro da DUPONT. Eu tive a oportunidade de trabalhar para a DUPONT , uma das maiores e melhores empresas do mundo, e aprender gestão com eles, inclusive que mesmo todo poder do mundo não evitou o escândalo da contaminação da água por produtos químicos. Obama, Biden e Sanders foram eleitos pelos Democratas, mesmo diante de poderosos como o delirante Trump e no Brasil tem muitas Empresas, Governos e times de futebol como Ceará. Me lembro várias vezes durante anos o Deputado Heitor Férrer sendo transmitido na TV da Assembleia Legislativa perguntar sobre diversos empréstimos internacionais aprovados para onde tinha ido o dinheiro ? sem resposta do Governo ou das Empresas.




FORTALEZA EDUCACIONAL ÉTICA CONTRA BRUTALIDADES E IGNORÂNCIAS


Hoje às escolas públicas no Ceará tem diversas crianças e jovens passando fome, vivendo em comunidades dominadas pelo crime e brutais desigualdades, sem apoio da família em seus processos de aprendizagem, sem acesso às políticas públicas sociais, saúde e outras. E a responsabilidade sobre como lidar com essas condições para educar fica com o Professor. Enquanto isso, o Governo usa muitos recursos públicos com foco na preparação de uma minoria de alunos, visando manter as notas dos processos de avaliação a nível nacional, a qualquer preço, abandonando as vidas dos alunos e professores. A Escola no Ceará virou uma empresa de notas desumana e está aparelhada por políticos que garantem seu mandato com o voto das escolas onde educadores não vivem a democracia.


 

A verdadeira fortaleza educacional está nos processos educacionais que educam para ética e estética usando os diversos conteúdos e currículo na escola, a utilização da arte, as políticas educacionais ligadas às sociais, o apoio da família da comunidade escolar e toda a sociedade contribuindo de diversas formas numa nação educadora. Essas são lições dos países com os melhores sistemas educacionais do Mundo segundo o PISA, as notas são consequências. Afinal crianças e vidas não são mercadorias a serem vendidas como marketing pagando o preço hoje e no futuro com suas vidas. Essa brutalidade educacional é feita por políticos há décadas no poder no Estado. Ela não segue qualquer pedagogia dos melhores pensadores como Piaget, Freire, Vygotsky, Wallon, Morin, Malaguzzi e outros. 




A Fortaleza educacional é uma teia de relações entre diversos setores que garantem proteção social às vidas, ensino da arte em outros espaços visando a corporeidade da aprendizagem, a construção de narrativas de si por diversas linguagens que desperta e consolida a autonomia, os afetos e a interação social visando apoiar a zona de desenvolvimento proximal da criança com a colaboração de toda comunidade escolar em caminhos múltiplos que visam a produção da diferença e o desenvolvimento de uma saber complexo e sistêmico que favorece a criticidade  e criatividade. Esse processo não cabe e não se reduz a escola, em especial os processos econômicos e sociais que dependem dos Governos e Empresas fazer sua parte, assim como as ONGs e Universidades com professores e jovens universitários atuarem com pesquisa e extensão em atividades complementares nas Escolas. Afinal as crianças aprendem nas famílias, comunidades onde vivem, nas escolas e em espaços educacionais não escolares durante sua trajetória e jornada educadora uma educação integral para vida. 


 

Essa foi a rede que fui aprendendo e construindo durante toda a minha vida quer seja em ONGs como Edisca, no ensino, pesquisa e extensão nas Universidades brasileiras e internacionais, nos Governos e Cooperação internacional avaliando as políticas públicas, nas empresas cobrando sua responsabilidade social hoje denominada ESG, e na arte como Cineasta e escritor. Hoje considero o Diretor e Professores das escolas, os maestros da orquestração da aprendizagem e construtores do potencial e realização de vidas. Eles são como cineastas que sempre tem que estar pensando na próxima cena da aula e diversos fatores sociais, emocionais, cognitivos que estão impactando os personagens da suas próprias histórias.



A fortaleza educacional é muito mais uma jornada ética e estética de solidariedade entre educadores que visa lutar juntos pelas condições sócio econômicas que afetam suas vidas e de seus alunos porém transformadas em práticas pedagógicas com missões educadoras, narrativas, cartografias das comunidades onde vivem, uso da tecnologia para fins sociais, avaliação de impacto que não se reduzem as notas, formando ecossistemas educacionais que nos ajudem a lidar com as incertezas e complexidade do mundo que vivemos incluindo as mudanças climáticas, inovações tecnológicas , aumento das desigualdades e violências com respectivo desprezo pelas vidas dos pobres de nossas tristes, brutas e ignorantes elites cearenses.



O caso do Ceará é infelizmente especial nesse sentido, é um Estado onde bilionários têm incentivos fiscais que reduzem o dinheiro para educação e saúde enquanto a maioria da população vive na miséria. As mesmas famílias políticas estão no poder há décadas e enriquecem através do Estado sem lidar com os vários casos de corrupção entre as famílias. O desenvolvimento humano em sociedades saudáveis beneficia a todos, incluindo a educação, isso ocorre porque, óbvio, as condições de desenvolvimento humano são distribuídas entre a população o que gera mais qualidade de vida, cidadania e riquezas para todos. No Ceará apesar dos números mostrar o aumento da pobreza e violências, enquanto ricos enricam pelo Estado ao não pagar impostos, e políticos roubarem. As violências políticas e brutalidades tentam negar a realidade, operando uma máfia que troca moedas entre si, e busca silenciar os que denunciam e pensam diferente sendo perseguidos de todas as formas. A melhor educação do Brasil é uma farsa delirante construída sobre as mortes de milhares de pessoas durante décadas e a servidão voluntária.          

 





domingo, 6 de novembro de 2022

“ORÇAMENTO SECRETO É O MAIOR ESQUEMA DE CORRUPÇÃO INSTITUCIONALIZADA DA HISTÓRIA”, DIZ TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL

 

 

Nunca foi tão fácil e tão pouco arriscado desviar dinheiro público na história do país. Essa é a consequência grave da manutenção do orçamento secreto, na avaliação do diretor executivo da seção brasileira da Transparência Internacional, Bruno Brandão. “O orçamento secreto é o maior esquema de institucionalização da corrupção na história brasileira”, afirma ele, com segurança, nesta entrevista ao Congresso em Foco


E é a partir daí que se depreende que nunca antes foi tão fácil desviar dinheiro público. Porque, para aqueles que têm acesso a esses recursos públicos, o orçamento secreto elimina de forma quase total os riscos do desvio. “Tiraram os mecanismos tradicionais de desvio de dinheiro para criar um mecanismo de assalto aos cofres públicos com um verniz de legalidade, um teatro de institucionalidade, que reduz os riscos dos agentes, mas que é um a apropriação indébita, uma apropriação corrupta”, avalia Brandão.


É por isso que, para o diretor da Transparência Internacional, será um grande risco para o novo governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva negociar com o Congresso a manutenção do orçamento secreto nos mesmos termos e da mesma forma como ele vem sendo executado. “Trata-se de um mecanismo de impunidade”, afirma.


Numa comparação com os graves esquemas anteriores de corrupção do país – o mensalão e o petrolão –, Bruno Dantas explica que, enquanto eles mantinham aspectos dos mecanismos tradicionais de corrupção pública, tudo isso sofisticou-se no orçamento secreto. Nos dois casos, o que havia eram fraudes em contratos de licitação de grandes projetos, com desvios de percentuais em processos que conseguiam ser alcançados pelas ferramentas de fiscalização: tribunais de contas, Ministério Público, Polícia Federal, etc.

 

“Tanto o mensalão quanto o petrolão foram instrumentos de macrocorrupção, mas foram diretamente mecanismos de corrupção, de desvio de dinheiro público de estatais, de fraudes em licitações para financiamento de apoio político e também para enriquecimento ilícito de agentes públicos e privados. Me parece que as coisas foram se tornando mais graves”.


Mecanismo de impunidade


Outro aspecto que Bruno Brandão chama a atenção é que não há no orçamento secreto um mecanismo exatamente de barganha política. “Se nós pegássemos o modelo do mensalão, ele foi um mecanismo corrupto para comprar votos no Congresso e garantir a governabilidade. O orçamento secreto não é um pacto de governabilidade, não é um mecanismo de governabilidade. É um mecanismo de impunidade. Porque não existe um projeto de governo, uma visão de país do governo Bolsonaro que estaria sendo barganhado para a aprovação de projetos. Na verdade, é uma barganha por impunidade”, acusa ele.

 

Nesse sentido, Bruno Brandão confia que o Supremo Tribunal Federal (STF) vá acabar por considerar inconstitucional o modelo. “O que nós achávamos que seria uma boa saída para essa situação é a atuação do poder Judiciário, do Supremo Tribunal Federal”, considera ele. “Com o horizonte de um novo governo que, ainda que com problemas, demonstrou no seu passado um respeito às instituições democráticas muito superior ao governo atual, talvez o Supremo possa exercer o seu papel intervindo nessa situação para abolir essa prática obscena e claramente inconstitucional do orçamento secreto”.

 

Pulverização da corrupção

Um dos aspectos que dificulta a fiscalização da corrupção que se envolve no orçamento secreto é que ele trabalha com a total pulverização dos recursos públicos. São centenas, talvez milhares, de alocações de recursos em pequenos municípios, boa parte deles justamente aqueles com menor capacidade de fiscalização própria da aplicação. É na soma desse enorme varejo de recursos públicos que o desvio acontece.

“Enquanto o mensalão ou o petrolão eram esquemas que desviavam recursos de grandes contratos da administração pública, das estatais, de grandes obras e outras contratações, esse agora é um assalto direto ao orçamento público, que o que faz é uma pulverização na mesma ou em maior escala que os anteriores, mas de forma pulverizada”, explica Bruno Brandão. “Fazendo jorrar recursos federais para pequenos projetos e contratações, mas em um número imenso de localidades espalhadas pelas regiões mais desassistidas do país e com menor capacidade institucional de fazer o controle da alocação e da execução desses recursos. O que se fez foi jogar gasolina na fogueira. Já existia grande corrupção nos municípios, mas agora com um volume de recursos nunca antes experimentado. Nunca se viu tanto recurso federal indo para essas municipalidades sem qualquer controle”, considera o diretor da Transparência Internacional.

“Sai de algum lugar”

O dinheiro que se perde nessa pulverização de recursos públicos sai de algum lugar. Ou seja, não apenas se perde em milhares de destinações inúteis. Mas deixa de financiar outros grandes projetos importantes.

Um dos projetos que perdeu, por exemplo, dinheiro para financiar o orçamento secreto foi um projeto de combate ao câncer. O câncer é uma das doenças de tratamento mais caro. E, por essa razão, são diversos os seus pacientes que acabam tendo de recorrer ao Sistema Único de Saúde. Enquanto diversos deputados agraciaram seus pequenos municípios com tratores – ou nem isso – o tratamento de câncer na rede pública de saúde perdeu dinheiro.

Democracia desigual

“O terceiro impacto, talvez o mais grave, é o impacto sobre a própria democracia brasileira na deturpação das condições de competição eleitoral”, analisa Bruno Brandão. “Porque alguns políticos – e normalmente a classe mais corrupta e fisológica – tiveram acesso desigual e secreto a recursos milionários que os beneficiaram enormemente na competição eleitoral”.

Bruno Brandão exemplifica com o caso do próprio presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tido como o dono da chave do orçamento secreto, aquele que define para quem irão as verbas. “Arhtur Lira quase dobrou seu número de votos das eleições anteriores. Teve acesso a meio bilhão de reais para seus interesses políticos”, observa.

Desmanche da fiscalização

“Seria uma piada se não fosse uma tragédia essas falas de que não houve corrupção”, acusa Bruno Brandão. Muito ao contrário de ter sido um governo menos corrupto, na avaliação do diretor da Transparência Internacional o que o governo Jair Bolsonaro fez foi procurar desmanchar os mecanismos de fiscalização que o país levou décadas para construir.

“O mais grave foi a destruição da capacidade do país de confrontar a corrupção. E com essa destruição dos mecanismos de combate à corrupção também se destruíram pilares do próprio sistema democrático. Do sistema de freios e contrapesos da democracia brasileira”, diz Bruno Brandão.

Na avaliação de Brandão, Bolsonaro tentou destruir todos os três pilares do sistema de freios e contrapesos da democracia brasileira: o pilar de responsabilização jurídica, legal; o pilar de responsabilização política, e o pilar de responsabilização social.

“Ao interferir nas instituições de controle e neutralizar a Procuradoria Geral da República, ele desmontou o pilar de controle jurídico, controle legal dos atos do governo e de tantas autoridades”, principia o diretor da Transparência Internacional. “Ao comprar o Congresso Nacional, garantiu a blindagem contra processos de impeachment que dormiram na gaveta de Arthur Lira, mais de 140 pedidos de impeachment e destruiu o pilar de responsabilização política”, continua. “Ao reduzir o espaço cívico, ao promover retrocessos sem precedentes na transparência, a decretação de sigilos abusivos, a destruição dos espaços de participação institucionalizados, ao atacar sistematicamente a imprensa investigativa, as organizações da sociedade representativa, o ativismo, ele tentou neutralizar também o pilar de controle social”, conclui.

 

 

sábado, 5 de novembro de 2022

Nosso mundo é injusto e repleto de sofrimento – o que um indivíduo pode fazer a respeito?



Kieran Setiya é professor de filosofia no MIT em Cambridge, Massachusetts.

Nosso mundo é injusto e repleto de sofrimento – o que um indivíduo pode fazer a respeito? Como escreve o filósofo Kieran Setiya, há opções muito melhores do que capitulação ou desespero.

As chances são de que, antes de clicar no link que o trouxe aqui, você estava rolando doom: passando de manchete em manchete em um torpor de horror. Clique uma vez para ver os preços da energia em espiral; clique novamente para a vacilação da democracia; uma terceira vez para o derretimento das geleiras à medida que o caos climático piora. Ler as notícias pode deixá-lo sobrecarregado com a escala das crises mundiais. Que escolha temos a não ser amortecer nossas emoções? A alternativa seria a culpa e a vergonha por continuarmos nossas vidas sem fazer muito para fazer a diferença.

 

Não estamos sozinhos e não somos os primeiros. Exilado da Alemanha para os Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial, o filósofo Theodor Adorno lamentou: "O que seria a felicidade que não fosse medida pela dor incomensurável pelo que é? Pois o mundo está profundamente doente". E, no entanto, que bem faz o luto? Não serve para ninguém, muito menos para nós mesmos. "A tarefa quase insolúvel", escreveu Adorno, "é não deixar nem o poder dos outros, nem nossa própria impotência nos entorpecer."

 

Como devemos enfrentar a injustiça do mundo? Essa é uma questão que abordo em meu novo livro A vida é difícil: como a filosofia pode nos ajudar a encontrar nosso caminho – junto com adversidades mais pessoais para nós: enfermidade, solidão, tristeza e fracasso. Não há cura para a condição humana, mas depois de 20 anos ensinando e estudando filosofia moral, acredito que pode ajudar.

 

Os filósofos ponderam sobre a natureza da realidade e da vida humana, construindo teorias abstratas e negociando experimentos mentais que tornam o familiar estranho. Mas a filosofia moral também tem um propósito prático. Como Platão escreveu na República, por volta de 375 aC, "o argumento não diz respeito a um tópico comum, mas à maneira como devemos viver".

 

Na Grã-Bretanha do século 19, por exemplo, essa aspiração alimentou a teoria moral conhecida como utilitarismo. De acordo com o "princípio da utilidade", devemos sempre nos esforçar para produzir a "maior felicidade do maior número". Era uma ideia radical. As instituições tradicionais não podiam mais ser tidas como garantidas e foram mantidas em um novo padrão moral: elas contribuem para a felicidade humana? Se não, eles devem mudar. Os utilitaristas defendiam o sufrágio universal, a reforma das prisões, a ajuda aos pobres e o melhor tratamento dos animais – e progrediram em direção a esses objetivos.

 

No entanto, há desvantagens em abraçar o utilitarismo de todo o coração. Os utilitaristas dizem que se deve dar tanto peso à felicidade de estranhos quanto à própria felicidade ou à dos entes queridos: eles defendem a abnegação quase total. E eles argumentam que o fim sempre justifica os meios: se você pode salvar mil vidas matando cem pessoas, então tudo o mais igual, você deveria.

 

Uma resposta potencialmente mais palatável ao sofrimento humano vem do "Altruísmo Efetivo", um movimento filosófico que se tornou altamente influente na última década. Ele incentiva seus seguidores – incluindo bilionários – a doar uma parcela significativa de sua renda para causas importantes, mas negligenciadas, como o combate a doenças no mundo em desenvolvimento. De acordo com uma estimativa, os Altruístas Efetivos atualmente arrecadam US$ 420 milhões (£ 370 milhões) por ano.

 

O altruísmo eficaz muitas vezes se baseia no princípio da utilidade, mas coloca entre parênteses suas implicações mais preocupantes. Como os Altruístas Eficazes apontam, é certo priorizar sua própria vida e a vida daqueles que você ama, e errado promover a maior felicidade violando os direitos humanos. Mas ainda acabamos com uma visão moral substantiva. O altruísmo pode não ser a totalidade da moralidade, mas certamente é parte dela. Podemos cumprir nossas obrigações altruístas, respeitando os direitos das pessoas, doando parte do que temos. E embora haja limites para o quanto somos obrigados a dar – Altruístas eficazes geralmente pedem um dízimo de 10% – devemos dar o que pudermos para as causas mais eficazes, aquelas que têm o maior impacto positivo na felicidade agregada.

 

Os atrativos dessa abordagem são evidentes: ela é simples, pragmática e aparentemente apoiada em dados. Altruístas eficazes dedicam uma perspicácia considerável para avaliar a eficácia de diferentes instituições de caridade por medidas como "anos de vida ajustados à qualidade" salvos. Por exemplo, mosquiteiros e remédios para malária salvam mais vidas por dólar do que outras intervenções de caridade. O Altruísmo Eficaz oferece uma visão concreta do que fazer em vez de doomscrolling. Quem negaria que os cidadãos mais ricos deveriam dar mais do que têm o privilégio de ter? E quem iria implorar por doações ineficientes e inúteis?

 

Essas questões colocam o crítico do Altruísmo Eficaz em uma situação embaraçosa. E, no entanto, a verdade é que o movimento não responde realmente à pergunta com a qual começamos: como devemos responder à injustiça do mundo? Como o próprio nome sugere, o foco do Altruísmo Eficaz está na filantropia, não na justiça. É uma teoria de como gastar seu dinheiro e tempo como indivíduo, não como a sociedade deve ser organizada ou transformada.

 

O problema do Altruísta Eficaz com a justiça aparece em todos os lugares. Por exemplo, quando medimos a eficácia das instituições de caridade em termos de "anos de vida ajustados pela qualidade", descontamos os anos de vida prejudicados pela deficiência, dando-lhes menos peso em nossos cálculos. Fazer isso em políticas públicas ou doações de caridade é tratar as vidas das pessoas com deficiência como menos dignas de serem salvas do que as vidas dos sãos.

 

Outra questão é a atitude do Altruísmo Eficaz em relação à política. A objeção não é apenas que intervenções políticas, em vez de caridosas, possam ser um meio mais eficaz para uma maior felicidade agregada. É sobre a divisão do trabalho moral. Imagine que esculpimos o mundo em estados-nação para cumprir nossas obrigações altruístas com mais eficiência, cada estado responsável por seus próprios cidadãos. Nesse caso, seria uma contagem dupla fazer com que os cidadãos de um país assumissem a folga quando outro governo falhasse. Isso não significa que não devemos fazer nada, mas nossas obrigações individuais seriam limitadas e poderiam ter mais a ver com reforma política do que com intervenção direta. É claro que o mundo real não combina com essa história; a história dos estados-nação e seus papéis altruístas é mais complexa. Mas não há como avaliar a escala de nossas obrigações reais, ou como devemos responder a elas, sem perguntar como a caricatura difere da realidade – abordando questões de política global negligenciadas pelos Altruístas Efetivos.

 

Finalmente, o problema da justiça aparece em quanto do mal que vemos no mundo é causado coletivamente. Quando um ocidental olha para a seca ou a fome em países pós-coloniais, não pode ignorar a história da exploração colonial. E quando eles olham para as mudanças climáticas, eles não podem ignorar suas causas humanas, ou o fato de que seus danos irão sobrecarregar desproporcionalmente aqueles que são menos responsáveis ​​por elas. Enfrentar tais danos não é uma questão de altruísmo – como ajudar as vítimas de um desastre natural distante – mas uma questão de injustiça e cumplicidade com ela. Ao tratar isso como caridade, os altruístas eficazes deixam o mundo rico fora do gancho moral.

 

Responsabilidade pela justiça

 

Existe uma estrutura melhor para pensar em nossas obrigações morais – e uma alternativa melhor para doomscrolling? Acho que encontramos um no trabalho de Iris Marion Young, uma teórica política pioneira que morreu de câncer aos 57 anos. Young desenvolveu o conceito de "injustiça estrutural" - injustiça que não se localiza em atitudes ou ações injustas, mas emerge interativamente – e propôs um novo modelo de responsabilidade para acompanhá-lo. Altruístas eficazes tratam todas as necessidades humanas da mesma forma, mas somos mais responsáveis ​​por algumas do que por outras. Em suma, nossa relação moral com o sofrimento humano é mais urgente quando estamos presos em suas causas ou efeitos.

 

Young afirma que somos responsáveis ​​pela injustiça estrutural. Na raiz de seu argumento está um contraste entre, de um lado, a culpabilidade ou culpa e, do outro, a responsabilidade pela mudança. Para dar um exemplo: embora seja injusto criticar os americanos de hoje pela história racista de sua nação, eles estão frequentemente envolvidos em sistemas que sustentam seu legado agora. Considere a educação. As cidades americanas são de fato segregadas e, como as escolas são mantidas por impostos locais e as comunidades negras são desproporcionalmente pobres, suas escolas são, em média, menos bem financiadas do que as escolas dos bairros ricos. A igualdade de oportunidades educacionais é um mito. Embora as estruturas não sejam minha culpa, fui pego por elas quando comprei uma casa na abastada cidade de Brookline, Massachusetts, em parte para as boas escolas públicas. "O modelo de conexão social de responsabilidade diz que os indivíduos são responsáveis ​​pela injustiça estrutural", escreve Young, "porque contribuem com suas ações para os processos que produzem resultados injustos". Ela está olhando para mim.

 

O ponto de Young não é sobre culpa ou vergonha, mas a obrigação de agir. Isso é o que ela quer dizer com "responsabilidade". Posso não estar errado em querer uma boa educação para meu filho ou culpar a forma como as escolas são financiadas, mas devo defender reformas que corrijam a injustiça para a qual contribuo. Podemos estender o modelo de Young não apenas àqueles que participam de práticas sociais que perpetuam a injustiça, mas também àqueles que se beneficiam de um passado injusto, pois muitos de nós se beneficiam do legado da escravidão e da opressão colonial.

 

Diante de tal cumplicidade, o que devemos fazer? Young sustenta que nossa responsabilidade "não é principalmente retrógrada". Não é uma questão de culpa, mas de agência: "Assumir a responsabilidade pela injustiça estrutural... envolve juntar-se a outros para organizar uma ação coletiva para reformar as estruturas". A obrigação é assustadora, Young admite: "Se eu compartilho a responsabilidade ... por toda injustiça social que resulta de processos estruturais para os quais eu contribuo com minhas ações", ela escreve, "então isso me torna responsável em relação a muita coisa. um pensamento paralisante." Mas a resposta adequada à paralisia não é a inação; é dar o primeiro passo. Faça uma coisa.

 

Deixe-me admitir – ou melhor, insistir – que não sou um modelo a ser imitado aqui. Não fiz muito: marchas ocasionais e campanhas políticas, votando regularmente, conversando sobre política com amigos. Tudo bem, mas nada disso provavelmente fará muita diferença. Young confronta espectadores como eu com "a questão do agente de mudança". Não basta identificar a injustiça, nem votar nos políticos de sua preferência, que muitas vezes serão indiferentes ou obstrutivos à mudança que você quer ver; e normalmente é inútil agir sozinho. Nossa tarefa é encontrar agentes coletivos – movimentos, sindicatos, grupos de interesse – que tenham poder e vontade de fazer acontecer.

 

Não sou muito ativista, muito menos líder, e me sinto rotineiramente esmagado pela injustiça do mundo. Se isso ressoa com você, meu conselho é escolher uma única questão – encarceramento em massa, pobreza, voto, direitos das mulheres – e encontrar um grupo local ao qual você possa participar. Para mim, a questão era a mudança climática e o grupo era o Fossil Free MIT, cuja campanha de 2014 levou ao primeiro Plano de Ação Climática do MIT. Desde então, dei palestras sobre justiça climática e abordei a questão online. Quatro anos atrás, desenvolvi uma aula sobre a ética das mudanças climáticas com um colega do MIT.

 

Tenho certeza de que não é suficiente, e sinto alguma culpa pelo fato de não estar fazendo mais. Você pode compartilhar esse sentimento de culpa, direcionado às questões que mais o perturbam. Estamos fazendo tudo o que podemos para combater a injustiça? Quem pode dizer que eles fazem o suficiente? Escrevendo após a Segunda Guerra Mundial, Adorno advertiu: "A vida errada não pode ser vivida corretamente". Ele quis dizer que não podemos viver bem em condições de injustiça que mancham todos os aspectos da vida social; não podemos nem mesmo saber o que seria o florescimento. Mas há uma verdade mais mundana em seu aforismo.

 

Sabemos que há limites para o que podemos pedir de nós mesmos em "viver corretamente", dado quem somos. O que somos capazes de fazer gira em torno de nossa psicologia e circunstância social, nossa compreensão parcial do mundo social, a necessidade de manter nosso equilíbrio. Mas embora saibamos que temos limites, não sabemos onde estão esses limites. O resultado é que, quando me pergunto se estou fazendo o suficiente para cumprir minha responsabilidade pela justiça, seria uma coincidência muito boa se a resposta fosse sim. Quais são as chances de eu ter acertado a marca com precisão, o máximo que posso esperar de mim mesmo? Perto de zero, eu acho. O resultado é que estou praticamente certo de que estou ficando aquém. Talvez seja óbvio que eu sou. Mas o mesmo raciocínio se aplica a quase todos, mesmo aqueles que fazem muito mais, pessoas cujas vidas são dedicadas à mudança social. Mesmo os ativistas ao longo da vida não podem ter certeza de que fizeram o suficiente. Em condições de injustiça generalizada, somos compelidos a duvidar de que estamos vivendo bem.

 

Há instruções e garantias a serem encontradas nisto. Não devemos nos sentir tão mal por nos sentirmos mal: nossa culpa não é um erro. Mais importante, não devemos deixar que isso nos desencoraje, condenando nossos próprios esforços como pequenos demais. Eles podem ser pequenos – mas é perverso lidar com isso jogando as mãos para o alto e fazendo menos. Há valor em um único passo em direção à justiça, e um passo leva a outro. Embora seja difícil fazer a diferença por conta própria, a marcha de milhões é composta por indivíduos. A ação coletiva existe em todas as escalas, de sindicatos locais a protestos e campanhas políticas.

 

Confrontados com o alcance da miséria humana, alguns se desesperam: "Não importa o que eu faça", dizem eles, "já que milhões ainda sofrerão". Mas este pensamento é confuso. Podemos não fazer o suficiente, mas a diferença que fazemos quando salvamos uma vida é a mesma se salvamos uma em duas ou uma em dois milhões. Um protesto pode não mudar o mundo, mas adiciona sua fração às chances de mudança. É errado desconsiderar os incrementos.

 

* Kieran Setiya é professor de filosofia no MIT em Cambridge, Massachusetts.

quarta-feira, 2 de novembro de 2022

BRASIL! DIFÍCEIS LIÇÕES APRENDIDAS NAS ELEIÇÕES EM 2022!

  


Trabalho para que um negro chegue à Presidência do Brasil como Obama nos EUA, uma doméstica na vice presidência na Colômbia, um líder de movimento estudantil ocupe a Presidência da República do Chile, uma filha de imigrantes ser Vice presidente como Kamala Harris nos EUA, ou um filho de um cachaceiro e uma prostituta ser o primeiro Presidente do Banco Central americano, Alexander Hamilton. O nome disso é Democracia que cada pessoa vote e tem direito de ser votado e eleito. Trabalho para que os Ditadores sejam julgados como Pinochet no Chile, Ditadura Argentina e falta punir a Ditadura Brasileira, inclusive as tentativas de Golpes no Governo Bolsonaro. O melhor nome que a Hungria oferece à humanidade nunca será Viktor Orban e sim Kafka, um escritor que transformou diversas formas de processos, perseguição e opressão em arte visando libertar a todos. 



Uma das maiores lições que essa campanha me ensinou é que crianças e suas famílias não têm recursos nem políticas públicas para viver uma vida plena, mas políticos têm dinheiro para comprar seu voto, incluindo de esquerda e direita, ou igrejas buscam obrigá-las a seguir candidatos A ou B. Isso é o Brasil! Muito dos que estamos assistindo no Brasil mostra a falta de uma educação pública de qualidade desde a educação infantil que eduque para capacidades críticas, criativas, ética, estética, cidadania e outras como é feito nas principais escolas no mundo como Emília Romana, Finlândia, Canadá, Inglaterra e outras. Porém no Brasil e no Ceará, a educação tem se tornado um processo de adestramento focado em provas visando notas de português e matemática, incentivados por métricas e gerencialismo das escolas como se fossem fábricas que isolam outras dimensões já citadas e separam política educacional da social. Esse caminho não foi seguido pelos melhores países que se destacam no PISA, mas mesmo assim Fundações como a Lemann e o Governo do Ceará não buscam medir o que está acontecendo com as vidas das crianças em termos de pobreza, desigualdades, violências e outras. Portanto afetam a Democracia e fortalecem políticas e políticos autoritários, como se a educação fosse um departamento de uma empresa e não a vida das pessoas. Escolas como Farias Brito e Ari de Sá focada em seus resultados nas Universidades, ITA e outras exportaram esse modelo para o Brasil. 



 

Estou lendo ao mesmo tempo um livro sobre como guerras civis acontecem no mundo, e outro sobre o ensino da ética e estética na educação infantil. Quais lições esses livros podem nos ensinar ao dialogar sobre que tipo de educação levam a conflitos civis, desigualdades, violências e outros. Será que se as pessoas pudessem viajar, sair de suas comunidades, ter oportunidades de vida, conviver com outras pessoas de raças, culturas e classes diferentes carregavam tanto ódio, vaidades, egos em seus corações? Serão elas capazes de desrespeitar as leis, as vidas do outro, negando o Estado, e várias jornadas de humanização e espiritualidade que não são exclusivas das diversas igrejas? Quando a gente fala da luta, qualidade de vida, democracia é sobre esses direitos que estamos falando nas principais economias do mundo incluindo o Brasil.  Sobre o direito das crianças e suas famílias não serem reféns das desigualdades e violências do Brasil, cercadas pela criminalidade e diversos tipos de corrupção, que são as raízes das guerras civis em anocracias, e possam ter o direito de serem um dia Presidente do Brasil. 



Esse processo de transformação social começa com as capacidades da escola como espaço de conexão com o mundo e com a vida, de aprendizagem não apenas através da mente mas com o corpo, espiritualidade e com o outro, que as pessoas possam amar e ser amadas, isso não é discurso é o respeito pelo direito e pela vida dos povos e de todos como defende John Rawls.



Se a humanidade chegou até aqui foi porque nós sairmos de nosso lugar pequeno e nos espalhamos pelo mundo pelos caminhos da diversidade lidando com adversidades criando outras culturas, outros objetos, outras formas de conversar com Deus, outras ciências e tecnologias, expandindo nosso ser numa viagem interna e externa, isso se soma todos os direitos e deveres, nunca o delírio de que a vida do outro não vale a pena por causa dos egos e ódios inflamados por outros interesses econômicos e políticos. É preciso expandir meu ser para entender a importância e o sagrado da vida do outro, não é negar o diferente, mas afirmar a riqueza da diferença que produziu a humanidade e o mundo que conhecemos, não privilegiar poucos às custas da maioria, esse é o dever de educadores e políticos, não é deformar a educação e a política pelas métricas, violências, delírios, egoísmos e maldades porque o seu país não quer incluir o país do outro. Mesmo falando em Deus, Deus é de todos, e não uma propriedade individual, ou quem acha que fala pela família como se outros também não tivessem família, e que a lei se resume a violência? Ela é direito, ela é vida. 


 

Senhores o mundo mudou, a internet muda tudo, as pessoas pelo celular sabem que existem mil coisas que podem fazer com suas vidas, mil coisas boas e mil coisas ruins, isso muda a democracia pois aprendemos a ver outras realidades e culturas, outras formas de viver e governar, não ficando reféns do lugar que nascemos, mudou pois a tecnologia e a internet está proporcionando o acesso, o diálogo, o conflito e a troca diária, não para nos unirmos e praticar o mal e mentir, mas para nos unirmos para multiplicar o bem, para falar de Deus e viver o que ele pregou, não para destruir vidas e fazer guerras, mas para aprimorar a democracia de viver juntos.


 

Eu respeito e admiro a luta de quem luta contra corrupção, desde que enxergue ela dos dois lados da mesma moeda, a corrupção de comprar eleição, a corrupção que gerou violências e armas ao invés de livros, a corrupção de não reconhecer o direito à vida e a Amazônia, a corrupção que corrompeu não apenas o dinheiro mas o próprio ser e a vida e com ela a Democracia.



Eu estava presente há mais de quinze anos na Assembleia da ONU em Nova York que lançou o Pacto Global com as empresas na época principalmente petrolíferas e de tecnologia. O Presidente Lula e Oded Grajew estavam presentes na época, o Oded que foi Presidente do Conselho Econômico de Lula anunciou que Lula seria um bom candidato a Secretário geral da ONU, ele foi rapidamente interrompido por outros países que aquele momento era da sociedade civil e não lugar para fazer política. Existem momentos da política e outros da política pública. Infelizmente se criou no Brasil durante 522 anos, incluindo os Governos de Lula e de Bolsonaro, uma cultura da corrupção do dinheiro fácil, de se manter no poder roubando como fazem as oligarquias nordestinas e o centrão no Brasil, às custas de milhões de vidas sem direitos e educação de qualidade cercadas por igrejas e pelo crime em vários tipos de guerra civil. O que vejo hoje no Brasil é que formação de grupo político é formação de gangues para roubar juntos, e implantar ditaduras de esquerda ou direita no Brasil. A política é educação, é capacidade de produzir, de conquistar direitos e lutar coletivamente. Atenção sul, sudeste e centro oeste brasileiros o problema não é o povo nordestino, e sim elites nordestinas, empresários e políticos, que enricam pelo Estado acostumados a não pagar impostos, viver de incentivos fiscais, e privilégios de financiamentos de bancos públicos como o BNB e corrupção, excluindo a maioria de suas populações pobres das políticas públicas que para não morrerem de fome e miséria se mudam para periferias em várias capitais pelo Brasil. Elites brutais e violentas que tem um discurso pós moderno e vivem de práticas feudais, atuam como máfias silenciando para corrupção no Estado e em instituições públicas, falam em inovação mas mantém as mesmas práticas sem impacto social nas vidas de milhões de nordestinos, ora escravizando, ora pagando péssimos salários sem gerar uma classe média há séculos, a maioria da população vivendo na pobreza, concentrando poder político e renda sem lei, trocando moedas entre poderes para proteger os mesmos, sem ascensão social nem pela educação, um espetáculo atrás de outros, se mantem no poder sem democracia, vivendo da miséria e desigualdades do povo nordestino.