SABERES TRANSDISCIPLINARES E ORGÂNICOS.

domingo, 29 de maio de 2022

APRENDIZAGEM E AUTONOMIA EM ESPAÇOS EDUCACIONAIS NÃO ESCOLARES NUMA EDUCAÇÃO INTEGRAL PARA VIDA.



A cognição é estudada como a conjunção, inseparável e complexa, de um organismo cognoscente com seu meio. No nosso caso vamos usar corporeidade porque a mente é compreendida como uma propriedade emergente, inseparável dos componentes que formam o corpo de organismos cognoscentes em interação com seu ambiente. Lembramos que a ciência feita por seres humanos em ambientes econômicos, sociais e políticos encarna seus raciocínios em artefatos tecnológicos em interação com o ambiente, por isso incluímos também os impactos dos instrumentos tecnológicos como uso do celular, internet, inteligência artificial, robótica e outros que interferem nos processos de aprendizagem e conhecimento dos ambientes que vivemos não apenas nas Escolas e Universidades. Já em 1959 no MIT na publicação do livro “A mente corpórea” por Francisco Varella já nos alertava sobre “No caso da ciência cognitiva, são máquinas pensantes e atuantes cada vez mais sofisticadas que têm o potencial de transformar a vida do dia a dia talvez de um modo mais eficaz que os livros do filósofo, as reflexões do teórico social ou as análises terapêuticas do psicólogo. “Desde essa época vários livros foram publicados que abordam a relação entre ciência e experiência que tentam estabelecer uma fundamentação computacional para experiência da autoconsciência buscando produzir seres cognitivos sem ego nem eu que existem independentes do mundo como robôs e inteligência artificial.  


    

Contrapondo a essa visão Merleau-Ponty encarou esse mundo vivido da experiência humana a partir de um ponto de vista filosófico com base na tradição da fenomenologia. Na França essa tradição de Heidegger e Merleau-Ponty é continuada por autores tais como Michel Foucault, Jacques Derrida, Pierre Bourdieu, Deleuze e mais recente Jacques Rancière. Na União soviética décadas antes as pesquisas de Vygotsky sobre interação social e linguagem somam a essa abordagem, nos EUA optamos em nos concentrar em John Dewey e suas teorias sobre a reflexão e experiência, e no Brasil em Paulo Freire em sua luta contra a opressão, educação bancária e a busca da construção da autonomia compõe nosso referencial teórico em defesa da corporeidade.


   

Segundo Francisco Varela as nossas mentes corporificadas, aprendem coletivamente conceitos e imagens em movimento, onde interagimos socialmente aprendendo com Vygotsky a zona de desenvolvimento proximal do outro e produzindo juntos diferenças com autonomia em espaços educacionais não escolares. Um passo importante numa jornada com Paulo Freire alternativa à educação bancária. 



A autonomia que pode ser fortalecida pela autoria e nossas capacidades de aprender e construir em Espaços educacionais não escolares presenciais potencializados por meios digitais que “combinam o formal, não formal e o informal, é a vontade de configurar um sistema educacional que facilite ao máximo que cada indivíduo possa traçar seu itinerário educacional de acordo com sua situação, suas necessidades e seus interesses. Para tanto o sistema tem de ser aberto, flexível, evolutivo, rico em quantidade e diversidade de ofertas educacionais.” Trata-se de construir programas híbridos de educação formal e não formal que acolham os aspectos mais pertinentes de ambos os tipos de educação. O que realmente importa para Jaime Trilla nessa educação híbrida deve ser a qualidade e a pertinência pessoal e social da aprendizagem em questão.  


     

Indo além da opressão, repetição e do conceitos isolados essa jornada pedagógica nos educa a buscar encontrar os fios nessa rede educacional vivenciada que religa e integra saberes mais complexos e interdisciplinares segundo Edgar Morin em diálogo com nossas vidas e o planeta que vivemos nos aprende e transforma, criando assim novas relações dialógicas entre o visível, as palavras, as coisas e o tempo. Essas práticas pedagógicas que buscam viver e pesquisar esses espaços educacionais não escolares foram desbravados por Michel Foucault e Deleuze em suas obras para compreender diversos espaços como presídios, hospícios, justiça, clínicas, igrejas, fábricas mas também nas escolas de como eles impactam nossas vidas e sociedades através de mecanismos, disciplinas e controles que comandam nosso pensar e agir na sociedade negando nossa autonomia. Assim buscamos pesquisar nessa jornada como as práticas pedagógicas de Paulo Freire colocam a escuta, a esperança, autonomia, e o amor como princípios pedagógicos de convivência nesses espaços educacionais não escolares usando a curricularização da extensão para aprender a ética, estética, justiça social e sustentabilidade econômica e ambiental numa educação integral para vida. Saberes vitais para a convivência em uma sociedade democrática sendo complementar a escola, família e comunidade. É preciso aprender vivendo os caminhos que unem a família, escola, comunidade e espaços educacionais não escolares enxergando as pontes, conceitos e imagens que se transformam em práticas pedagógicas e diálogos entre os diferentes sujeitos, organizações e meios cada vez mais complexos e digitais incluindo além das desigualdades e violências as relações com o meio ambiente e as tecnologias nesses espaços.


 

“Precisamos da sociedade para sobreviver, expandir os afetos, fazer amigos, arranjar emprego, praticar esportes, nos divertir e rir. Se precisamos da vida em sociedade, é melhor saber lidar com ela. Reconhecer os lugares amigáveis, os perigosos e, especialmente, ter consciência do projeto de vida possível de levar à frente.

A escola representa a pólis, a vida na cidade, lugar do ajuste, difícil, entre as partes. A variedade de professores em uma escola, de conhecimento e de sensibilidades variadas permite ao estudante encontrar distintos modelos de identidade. E, entre inúmeras variáveis, por meio da prática do seu livre-arbítrio, escolher os amigos e qual será o desenho, possível, para o seu projeto de vida.” Janice Theodoro da Silva, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.


 

Nessa jornada buscamos valorizar e priorizar as vozes do povo ou dos estudantes diante de tantos discursos privilegiados que se colocam pela força econômica, política e acadêmica e buscam anular ou sofrer violências e preconceitos os saberes, poderes e subjetividades produzidos pelas crianças e jovens pobres em suas jornadas em espaços educacionais não escolares sobre suas vidas e o mundo em que vivemos. Além de buscar na interseccionalidade uma teoria social crítica que sirva de método de pesquisa e incorporação dos saberes destes atores sociais na conquista de seus direitos, liberdades e autonomia. 


 

Porém o olho e as vozes da maioria de nosso povo são produtos históricos reproduzidos por afetos, imitações e instruções processadas no seio de várias instituições sociais e na troca entre elas, incluindo as escolas, nos quais se desenvolvem os atos, falas e pensamentos ordinários e extraordinários de nossas vidas que agora ocupam as redes sociais. Somadas “ às privações e explorações impostas pelas desfavorecidas condições da vida material de todo oprimido se reproduzem e agravam pelos estigmas atribuídos aos hábitos do seu corpo, as propriedades de sua língua, e as marcas de suas vozes. Essa estigmatização se reforça com os prestígios usufruídos pelas práticas e atributos dos gestos, falas e pronúncias das classes dominantes de nossa sociedade.”


 

Ora, as discriminações fazem reiterada e constantemente dos sentidos do povo um alvo privilegiado. Sua visão, sua audição, e seu olfato seriam grosseiros e desprovidos de sutileza para devida apreciação das formas, cores, tons e odores elegantes. Seu paladar e seu tato seriam igualmente rudes e carentes de refinamento para a adequada degustação dos sabores complexos. Os ruídos e comportamentos dos corpos da gente humilde, assim como sua língua e suas falas, não são pouco poupadas nos julgamentos que se produzem em olhares e escutas guiados pela lógica da distinção social. No que se refere principalmente a escuta que quase nunca ouve, mas que sempre deprecia a vontade do povo. 


 

Portanto nessa jornada de escuta das crianças e jovens em espaços educacionais não escolares buscamos encontrar caminhos e meios que eles mesmos expressem com sua autoria o que seus corpos pensam, sentem e vivem. 


 

É importante lembrar com ironia claro que muitas vezes pessoas oriundas de comunidades pobres que ascenderam economicamente pelo crime organizado tem gostos e hábitos respeitados pela alta classe social o que significa que talvez nossas classes ricas é que tenham de fato costumes desprezíveis diante de tantas desigualdades e miséria vivendo de luxos às custas dos pobres. 



Nesses discursos autorais das crianças e jovens aprendemos como eles constroem imagens de si e a construção de uma ética e estética do que consideram bom e belo em suas vidas apesar das brutais injustiças que sofrem e das diversas dificuldades e barreiras que encontram em seus processos de aprendizagem e construção de suas autonomias. Essa dimensão sociológica remete aos trabalhos de Pierre Bourdieu que propôs uma reinterpretação da noção de ethos no conceito de habitus. Como componente do habitus, o ethos designa em Bourdieu o conjunto de princípios interiorizados que guiam nossa conduta de forma inconsciente, incluindo a hexis corporal que refere as posturas, as relações com o corpo, igualmente interiorizadas. 



 

Por isso escolhemos duas experiências de espaços educacionais não escolares baseadas na educação do corpo, uma através do Balé e outra do Surf que coloca em movimento e expressão autoral as diferenças produzidas por esses corpos em suas jornadas educacionais. Buscamos também a interseccionalidade seguindo o livro de Patricia Collins como método e teoria crítica para pesquisar termos inter relacionados como desigualdades sociais, problemas sociais, ordem social, justiça social e mudança social, como impactam essas vidas e seus processos de aprendizagens e autonomia. É preciso investigar como análises críticas e ações sociais nesses espaços educacionais se desenvolvem ou apenas reproduzem mais do mesmo. O significado de teorias sociais incluindo pedagógicas específicas não residem apenas em suas palavras mas principalmente em como estas ideias são criadas e usadas. A interconexão entre pessoas, problemas sociais e ideias agora são centrais para a interseccionalidade como uma forma reconhecida de investigação e práxis críticas capazes de avaliar as práticas pedagógicas, acima de tudo por se referirem à ação social, as ideias de interseccionalidade tem consequências no mundo social.  


                

Construímos assim nessa jornada uma visão mais sistêmica e autônoma porque acompanha uma teoria e pedagogia social crítica à transformação histórica das palavras e das coisas, os conceitos e imagens que fazemos do mundo e sobre quem somos, mas ao mesmo tempo também autoral pois registramos em portais na internet ou rede sociais nossas vozes, palavras e imagens por computadores ou celulares incluindo nossas memórias, reflexões, ideias, críticas, e imaginações compartilhando nossas vivências e saberes com outros atores sociais diversos que convivem juntos nesses espaços educacionais não escolares quer seja professores, alunos, comunidade, famílias, ONGs, Universidade, Empresas e poder público. Em torno de uma agenda compartilhada, missões educacionais, objetivos e desafios comuns onde emergem práticas pedagógicas e sociais gerando um ecossistema educacional e suas relações múltiplas e diversas com os diversos ambientes que vivemos, não apenas a família e a escola. Percebe assim os acontecimentos que configuram a própria trama da existência, individual e coletiva, afirmando as potências, conflitos e imanências que emergem de nossas capacidades críticas e criativas para compreender a guerra entre discursos, saberes e sentidos na construção de uma educação ética e estética, justiça social, econômica e ambiental que priorize a vida e o planeta Terra.       




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