SABERES TRANSDISCIPLINARES E ORGÂNICOS.

quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Beethoven toca no Ceara ! : A nona sinfonia é eterna ! fruto do talento sem riqueza nem poder

Beethoven e a
Sinfonia da Utopia






Beethoven (1770-1827)


"Abracem-se milhões! Irmãos, além do céu estrelado deve morar um Pai Amado." - Schiller, An die Freude, 1786

"Consegui! Consegui! Enfim encontrei a Alegria!" Assim jubiloso, Beethoven acolheu em seus aposentos o seu secretário, um fa tutto chamado Schindler. Imediatamente sentou-se ao piano e dedilhou-lhe a façanha. Encontrara afinal a solução, busca há anos, que permitira-lhe musicar os difíceis versos da An die Freude (Ode a Alegria) de Schiller. Depois de 32 anos de hesitações, de idas e vindas, de prostrações, deu então por acabada a IX Sinfonia. Quando moço ainda em Bonn, Ludwig van Beethoven comoveu-se com o conteúdo do poema ao lê- lo em 1792, impressionando-se para sempre com a maravilhosa exaltação à fraternidade humana dos versos de Schiller.

A origem da Ode à Alegria



Schiller (1759-1805), autor da letra da IX Sinfonia

O poeta compôs a Ode para que um amigo seu, um franco-mação, a cantasse com seus companheiros nas lojas da irmandade. Schiller, em apenas 18 belíssimas estrofes, celebrava os valores do iluminismo (o cosmopolitismo, a superação das desavenças nacionais, a pregação da tolerância, e a consciência de pertencer-se a um mundo só). Beethoven, na época um entusiasta republicano, embebido pelos ideais da Revolução Francesa de 1789, sentiu-se tentado em transformar o que lera em algo imorredouro.

Beethoven republicano

Como tantos outros artistas e filósofos alemães do seu tempo, como Kant, Hölderin, Hegel, Fichte e Schelling, ele inicialmente fascinara-se por Napoleão. Quando, porém, o general republicano coroou-se imperador em 1804, Beethoven desencantou-se. Num acesso de fúria rasgou a dedicatória que lhe fizera na IV Sinfonia.

A metamorfose da revolução num opressivo império que passou a submeter quase todo o continente europeu, fez brotar em Beethoven sentimentos adversos. A gradativa inclinação dele pelo patriotismo alemão (a Alemanha fora ocupada por Napoleão até o levante de 1813) o conduziu a uma posição mais conciliadora para com os conservadores, o que o fez com que fosse vivamente aclamado pelos reis e altos dignitários quando compareceu para reger um espetacular concerto naquela grande festa da aristocracia e do absolutismo que foi o Congresso de Viena de 1814-5 (o congresso que encerrou com o domínio napoleônico).

O artista-rei

Esta aproximação com os poderosos da época tinha outra razão de ser, não decorrente apenas da sua decepção política. Beethoven foi o primeiro dos grandes músicos europeus a ter consciência da sua importância social (é bom lembrar que na geração anterior, o extraordinário Mozart, depois de ter encerrado a função de músico solista no palácio, fazia as refeições junto ao restante da criadagem). O sucesso artístico e a retumbância internacional das suas composições, convenceu-o de que ele, Beethoven, também fazia parte de uma nobreza, a nobreza dos talentos, tão exaltada pela Revolução de 1789. O que Napoleão conseguira comandando o exército francês, ele alcançara com as sinfônicas e com a batuta de maestro.

"Eu também sou um rei", respondeu ele certa vez cheio de si a um soberano alemão. Deu-se a freqüentar os grandes como um seu igual e não como um servidor, como Haydin e Mozart o fizeram antes dele. O estipêndio que recebia dos aristocratas, sabe-se, nunca afogou o republicanismo de rapaz pobre, filho do mestre da capela de Bonn, que acreditava na fraternidade humana.




Casa de Beethoven (Heiligestadt, 1824)

A Nona Sinfonia

Retirado para um lugarejo próximo a Viena chamado Heiligestadt, onde morava já há alguns anos (foi lá que Beethoven, num momento de depressão, redigiu seu testamento em 1802), Beethoven concluiu a sua obra-prima em fevereiro de 1824. A IX Sinfonia revelou-se extraordinária. Dotara-a de uma tal retumbância heróica que só ele até então conseguira dar à música alemã. O público, desde a primeira audiência, ocorrida no Kärntnertor Theatre de Viena em 7 de maio de 1824, maravilhou-se O passado, o tumulto revolucionário, aflora em vários momentos ao longo da execução, mas sua beleza deve-se ao seu carisma. É uma apologia aos tempos futuros, à morada do Elísio, ao devir, quando então seremos um mundo só.



O Teatro Kärntnertor, onde apresentou-se a IX Sinfonia (maio de 1824)

O Hino da Humanidade

Apesar da obra ter sido dedicada ao rei Frederico Guilherme III da Prússia, que como todos os monarcas da sua época era hostil aos ideais de liberdade, a obra-prima de Beethoven apresenta o paradoxo de ser entendida como um hino da emancipação do mundo europeu dos tempos feudais, liberto da tirania e das cargas da servidão. A alegria, pois, que a IX Sinfonia exalta não se perdera num tempo remoto, numa Arcádia sem volta. Ao contrário, a alegria, a felicidade, estão ao nosso alcance logo ali em frente, bastando que superemos as nossas estreitezas culturais e a mediocridade política que nos cerca. Entende-se porque a atual União Européia (hoje maioritariamente republicana e democrática), escolheu a IX Sinfonia como o seu hino oficial. Mesmo com os percalços que iremos sofrer aqui e ali para chegarmos ao governo universal no século XXI, a IXª Sinfonia continuará sendo o maravilhoso fundo musical para que as Filhas do Elísio sintam-se estimuladas a estender seus braços fraternos enlaçando a humanidade inteira.



A IX Sinfonia foi um hino à liberdade (A liberdade conduzindo o povo, de Delacroix)

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