Era um amor que nascia entre sombras e estrelas, um segredo guardado a sete chaves no baú do mundo. Eles eram dois rios que haviam cavado seus próprios leitos em rochas duras, cada um trazendo as marcas de batalhas silenciosas e vitórias não cantadas. Ele, com os olhos que brilhavam como os de um alquimista diante da prima matéria, via nela a pedra filosofal que poderia transmutar a dor em ouro puro. Ela, que carregava nos ombros o peso de um mundo que muitas vezes não entendia sua sede de saber, via nele o mapa de estrelas para navegar em mares proibidos.
Seus encontros eram catedrais invisíveis. Nas mesas de cafés escondidos, entre livros de Guimarães Rosa e García Márquez, eles “decifravam o amor e suas leis alquímicas”, como na canção de Maria Gadú. O mundo era vasto demais para ser contido em conversas pequenas. Eles falavam do Sefirat HaOlam, das emanações divinas na Cabala, vendo na Árvore da Vida um diagrama para sua própria conexão proibida. Cada Sefira era um aspecto do que sentiam: Chesed, a bondade infinita em um olhar; Gevurah, a severidade necessária para se afastarem a tempo; , a beleza harmoniosa de suas almas em sintonia.
O mar era seu confidente. Sentados na areia, à beira do infinito, as conversas fluíam como o “Eclesiastes” ecoando na brisa: “Há tempo de nascer e tempo de morrer, tempo de amar e tempo de abster-se”. E naquele abster-se, encontravam a mais profunda e dolorosa forma de amar. Como nos versos de Tiago Iorc, “é preciso saber viver, saber like a rolling stone”, e eles sabiam que sua pedra não podia rolar junta, não da maneira que o mundo esperava.
Amavam Deus de formas íntimas e distintas. Ele O via nas equações do universo, na Alquimia Junguiana do processo de individuação, onde a sombra e a anima se integravam na busca pelo Self. Ela O encontrava nos Cânticos de Salomão, no amor ardente e proibido que é “forte como a morte”. Sua fé era um refúgio e um paradoxo: como conciliar um amor tão puro com um segredo que precisava ser guardado a portas fechadas?
Protegiam suas famílias com a ferocidade de arcanjos. Esse amor era o “paciente inglês” que ardiam em silêncio, um fogo que não podia ser mostrado, mas que iluminava seus caminhos separados. Eram como os personagens de “Questão de Tempo”, vivendo momentos roubados da linha do tempo, sabendo que cada segundo era um empréstimo do destino.
E nos sonhos, era onde sua realidade proibida florescia. Planos de viajar pelo mundo, de “viajar e ter e não ter, de saber sambar”, como na poesia de Caetano, mas com a profundidade de quem queria saber a alma de cada lugar. Uma boa mesa, um vinho, uma conversa que ia de Platão à receita da avó – tudo era sagrado. Eles construíam um “castelo na areia”, frágil e belo, que a maré da obrigação sempre ameaçava levar.
Eles eram um Templo cuja entrada só eles conheciam. Um “amor pra durar”, como canta Melim, não na forma convencional, mas na eternidade dos instantes furtivos, nas páginas de livros sublinhados a quatro mãos, no sal grosso que levavam para se purificar após cada despedida.
No silêncio que os envolvia, ecoava a promessa junguiana: “o encontro de duas personalidades é como o contato de duas substâncias químicas; se houver alguma reação, ambas são transformadas”. E eles foram. Transformados pelo fogo proibido, unidos pelo segredo, eram alquimistas modernos, cabalistas de um amor não nomeado, tecendo sua Redenção não no fim da história, mas em cada “até logo” sussurrado ao pé do ouvido do mundo. E assim seguiam, “loucura e esplendor, lado a lado”, duas almas que, em outro plano da existência, já habitavam a mesma constelação.
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