Aqui propomos uma revisão biográfica sobre pensadores e teorias que pensam os processos de aprendizagem da autonomia, multiplicidade e produção da diferença que seguimos como princípios em nossa jornada de formação como educador social.
Visamos, assim, o processo regenerativo da educação pela corporeidade, autonomia, multiplicidade e produção das diferenças se dá de forma autopoiética. A autopoiese é um termo que deriva do grego (autopoiesis). De forma mais específica, a etimologia do vocábulo vem de "autós" (por si próprio) e "poiesis" (criação, produção). Seu significado literal é autoprodução. Os sistemas autopoiéticos são sistemas abertos ao futuro, ou seja, ou novo. O termo foi introduzido nas ciências biológicas pelos biólogos Humberto Maturana e Francisco Varela, no ano de 1973, para designar uma organização peculiar a todos os seres vivos "que recriam os próprios componentes necessários para manterem a sua organização." (GRANDESSO, 2011, p. 135).
A autopoiese descreve a capacidade de uma entidade de se reproduzir. O conceito foi introduzido pela primeira vez na biologia teórica para explicar a cognição e a essência da vida (MATURANA; VARELA, 1980), e, posteriormente, foi desenvolvido na teoria geral dos sistemas. (VON FÖRSTER, 1984). O termo tem sido amplamente utilizado no estudo da cognição e em estudos do sistema nervoso, bem como em sistemas de informação, ciências cognitivas e inteligência artificial.
A definição de Maturana opera com uma noção de fechamento recursivo do sistema. Um sistema autopoiético não só é capaz de produzir e, eventualmente, alterar suas estruturas, mas também é capaz de reproduzir seus componentes e, em particular, seus elementos específicos do sistema por meio da autorreferência recursiva desses elementos. Assim, sua auto reprodução depende exclusivamente de operações internas e não é dependente do meio ambiente.
Conforme a autopoiese e a maleabilidade da memória, a vida não é uma condição estática, mas um processo. Assim, como todos seres vivos, somos e nos tornamos movimento em todos os níveis da existência. Para Maturana e Varela (2001), os sistemas autopoiéticos existem estruturalmente acoplados ao seu meio.
Niklas Luhmann é responsável por introduzir o conceito de autopoiese na teoria dos sistemas sociais. (LUHMANN, 2007, 2010). Um elemento crucial da teoria de Luhmann é a ideia de comunicação como elemento componente prioritário do sistema social autopoiético. Os sistemas sociais são capazes de se reproduzir porque são sistemas de comunicação.
Luhmann (2016), com a sua teoria sistêmica, procurou elaborar uma tese única para sociedade. Ele estendeu o sistema autopoiético, além ao dos seres vivos, mas também aos sistemas psíquicos e sociais. Luhmann, para construir sua teoria geral da sociedade, direcionou seu foco aos sistemas sociais. A sociedade é vista como um sistema social de primeira ordem, contendo sistemas de segunda ordem, ou subsistemas. Para exemplificar teremos o direito como sistema de primeira ordem, que se diferenciou em público, privado, administrativo, comercial, penal, etc. Esta subdivisão seria necessária para que o sistema de primeira ordem possa enfrentar um ambiente sempre mais complexo. As irritações do ambiente influenciam a evolução do sistema a se mudar estruturalmente. Esta peculiaridade, de se auto modificar e de se auto reproduzir, é chamada de autopoiese. (LUHMANN, 2016).
Na verdade, os seres humanos não fazem parte da sociedade ou de qualquer sistema social, mas pertencem ao seu meio ambiente; a individualidade e a consciência dos seres humanos são características de sistemas psíquicos altamente complexos que operam separadamente dos sistemas sociais. (LUHMANN, 2007, 2010).
Em vias de fundamentação na autopoieses, que é um alicerce para a teoria sistêmica, é importante ressaltar que este TCC dialoga com a visão fenomenológica hermenêutica, porém com um alerta: “o modo como Husserl se voltou para experiência e para as próprias coisas era absurdamente teórico ou, apresentando as coisas de uma outra maneira, revela uma ausência total de qualquer dimensão pragmática” (VARELA; THOMPSON; ROSCH, 2001, p. 44). Aqui salientamos o intuito de fazer uma pesquisa qualitativa de caráter autobiográfico, permitindo momentos de pesquisa, reflexão e interpretação de minhas próprias práticas em diversos EENEs, com a finalidade de que se identifique como sujeito ativo e consciente de seu processo de aprendizagem e do contexto em que está inserido. A metacognição busca identificar estratégias metacognitivas relacionadas ao monitoramento metacognitivo e à autorregulação da aprendizagem. Como traz Chorobak (2002):
La metacognición se refiere al conocimiento, concientización, control y naturaleza de los procesos de aprendizaje. El aprendizaje metacognitivo puede ser desarrollado mediante experiencias de aprendizaje adecuadas. Cada persona tiene de alguna manera, puntos de vista metacognitivos, algunas veces en forma inconciente.
Para promover tais estratégias metacognitivas no cotidiano escolar, se faz necessário que os profissionais da educação desenvolvam em si, tais estratégias, buscando a promoção da autonomia no processo de aprendizagem. Este processo de inserção social na comunidade pretende fortalecer ações estratégicas voltadas para o reconhecimento das características e desafios dos estudantes, docentes e demais profissionais que atuam na educação básica a uma cultura que provoque e promova, de maneira dialógica e contínua, aprendizagens significativas e inclusivas.
A aprendizagem do educador e o EENEs se relacionam através de uma mutua interação ou origens interdependentes. O conhecimento é resultado de uma interpretação corporal, contínua em movimento emergente da nossa capacidade de compreender, que por sua vez está enraizada nas estruturas biológicas vividas e experenciadas em um domínio de ação e de cultura. Para tal abordagem, é preciso abandonar a cognição como uma representação de um mundo predeterminado (MATURANA; VARELA, 2001).
Nesse sentido a aprendizagem funciona como uma rede autônoma como um sistema capaz de significar e produzir diferenças. Isso tem sido pesquisador pelas ciências cognitivas. Um exemplo são os sistemas autônomos e acoplados estruturalmente que aprende e forma argumentos em uma perspectiva autoral que contrapõe à ideia de que o mundo já existe e é capturado pela representação. O mundo conhecimento é resultado de uma interpretação continua emergente da nossa capacidade de compreender, que por sua vez está enraizada nas estruturas biológicas vividas e experenciadas em um domínio de ação e de cultura. Para tal abordagem, é preciso abandonar a cognição como uma representação de um mundo predeterminado (MATURANA; VARELA, 2001).
Um exemplo são as cores elas fazem parte de um mundo percebido ou experiencial que é produto de nossa história ou acoplamento estrutural. A ideia que a percepção das cores acontece no processamento de informações é redutora. A cor tem diversos atributos como formas e volumes, ela é uma experiência constituída por meio de padrões emergentes de atividade neuronal. As cores dependem das nossas capacidades perceptivas e cognitivas e também do mundo cultural e biológico. A ideia central é apresentar a de ação corpórea. A ação se refere aos processos sensoriais e motores - a percepção e a ação – ligados à cognição vivida. Já corpórea indica os tipos de experiência decorrentes de se ter um corpo com várias capacidades sensório- motoras embutidas em um contexto biológico, psicológico e cultural (MATURANA; VARELA, 2001); (VARELA; THOMPSON; ROSCH, 2001).
Apreender é um processo de dançar com sua mente, corpo, universo e a música da vida vivendo várias experiências incluindo a de transforma-la em conceitos. A categorização é uma das atividades cognitivas mais fundamentais que todos os organismos realizam, cada experiência é transformada no conjunto de categorias aprendidas e significativas as quais os humanos e outros organismos respondem. A cognição e o ambiente atuam no nível básico da categorização. A estrutura da experiência física e social e a capacidade de projetar imaginativamente a experiência corporal e interacional são fontes para as estruturas conceituais. De acordo com ambas, as tarefas perceptivas e cognitivas envolvem alguma meio de adaptação e transformação do mundo (MATURANA; VARELA, 2001); (VARELA; THOMPSON; ROSCH, 2001).
Nesse sentido, através de diversas leituras e experiências em EENEs venho percebendo que além da união entre mente e corpo, defendida por Espinoza (2009) com sua ideia de conatus, é importante enraizar essa mente-corpo em seu ambiente (INGOLD, 2007). Ingold com sua perspectiva relacional radical de que as propriedades não estão nas coisas em si, mas sempre nas relações, argumenta que mente e ambiente estão unidos. Pois o próprio ambiente é compreendido como uma junção de diversos corpos em movimentos, os quais se formam uns aos outros em suas múltiplas relações.
Assim, os caminhos de percepção, vivências e experiências aonde integramos nossa mente, corpo, afetos e alma com a Terra; atuando dentro de contextos que complementam e geram uma unidade singular com o Universo do qual somos parte conectados por um fluxo de energia e informações (SIMONDON, 2020).
Por isso apresento o conceito de mente corpo terra como um caminho de percepção, vivências e experiências aonde integramos nossa mente, corpo, afetos e alma com a Terra; atuando dentro de contextos que complementam e geram uma unidade singular com o Universo do qual somos parte conectados por um fluxo de energia e informações. Este conceito é uma das jornadas que vivo em espaços educacionais não escolares compreendendo melhor quem sou e o mundo que podemos viver de um pequeno grão de terra a Terra da Sabedoria.
A cognição é estudada como a conjunção, inseparável e complexa, de um organismo cognoscente com seu meio numa visão sistêmica onde numa perspectiva autoral produzimos diferenças no nosso pensamento e no mundo que vivemos. No nosso caso vamos usar corporeidade porque a mente é compreendida como uma propriedade emergente, inseparável dos componentes que formam o corpo de organismos cognoscentes em interação com seu ambiente. Lembramos também que segundo o Antropólogo Bruno Latour a ciência feita por seres humanos em ambientes econômicos, tecnológicos, sociais e políticos interage com seus meios e encarna seus raciocínios em artefatos tecnológicos em interação com o ambiente; por isso incluímos também os impactos dos instrumentos tecnológicos como uso do celular, internet, inteligência artificial, robótica e outros que interferem nos processos de aprendizagem e conhecimento dos ambientes que vivemos não apenas nas Escolas e Universidades mas em outros espaços educacionais não escolares em minha jornada de formação como educador registrando de forma autoral o relato de minhas aprendizagens e autonomia.
Varela; Thompson; Rosch (2001, p.15) demonstram:
No caso da ciência cognitiva, são máquinas pensantes e atuantes cada vez mais sofisticadas que têm o potencial de transformar a vida do dia a dia talvez de um modo mais eficaz que os livros do filósofo, as reflexões do teórico social ou as análises terapêuticas do psicólogo.
Com estas ideias eles permitiram o surgimento de várias teorias que abordam a relação entre ciência e experiência, buscando estabelecer uma fundamentação computacional para experiência da autoconsciência na produção de seres cognitivos sem ego nem eu que existem independentes do mundo, como robôs e inteligência artificial.
Todo esse processo tecnológico altera a formação de educadores, incluindo educadores sociais, porque interferem nos processos de aprendizagem e autonomia bastante focados na mente sem levar em consideração os diversos contextos, ambientes e interfaces que vivemos numa visão sistêmica.
Contrapondo a essa visão Merleau-Ponty (2001) encarou esse mundo vivido da experiência humana a partir de um ponto de vista filosófico com base na tradição da fenomenologia. Na França essa tradição de Heidegger (2015) e Merleau-Ponty é continuada por autores tais como Michel Foucault (2012), Jacques Derrida (2019), Deleuze (2018) e mais recente Jacques Rancière (2021). É mesmo Bourdieu (1989) que em seu conceito de habitus traz contribuições da fenomenologia para pensar a questão da agência do sujeito dentro da estrutura.
Na União soviética, décadas antes, as pesquisas de Vygotsky (2007) sobre interação social e linguagem somam a essa abordagem, nos EUA nos concentramos em John Dewey (2010;2012) e suas teorias sobre a experiência e democracia , e no Brasil em Paulo Freire (2019a; 2019b) com sua luta contra a opressão, educação bancária e a busca da construção da autonomia compõe nosso referencial teórico em defesa da corporeidade da aprendizagem e autonomia vivenciadas não somente nas Escolas e Universidades mas com muito mais intensidade em espaços educacionais não escolares.
Segundo Varela; Thompson; Rosch (2001) as nossas mentes corporificadas e o processo de cognição integrados aos meios, aprendem individualmente e coletivamente vários conceitos e imagens em movimento nos diversos contextos e ambientes onde interagimos socialmente uns com os outros. Aprendemos com a teoria de Vygotsky (2007) sobre a zona de desenvolvimento proximal do outro e como podemos educar para transformar esse potencial em realidade, produzindo juntos diferenças com autonomia em espaços educacionais não escolares. Um passo importante na construção da autonomia Freiriana, alternativas à educação bancária, somando essas razões aprendidas em livros e nas salas de aula buscamos caminhos com mais liberdade e autonomia para minha formação como educador em espaços educacionais não escolares mais livres do discurso escolar produzido por professores, sala de aula e currículos oficiais.
A autonomia conquistada em nossas jornadas educacionais que se tornam registros e memórias autobiográficas em meios digitais e presenciais mas que sempre foram fortalecidas pelas pesquisas científicas realizadas em conjunto com acadêmicos visando a produção e difusão de conhecimentos por meios orais, escritos, e digitais fortalecemos assim o processo de letramento não apenas nas escolas e universidades mas principalmente no desenvolvimento de discursos e imagens sobre quem somos e o mundo que vivemos. Ampliamos dessas formas nossos conhecimentos, capacidades, habilidades e competências de aprender, criticar, criar e construir em Espaços educacionais não escolares presenciais, mas que são potencializados por meios digitais “combinando o formal, não formal e o informal, é a vontade de configurar um sistema educacional que facilite ao máximo que cada indivíduo possa traçar seu itinerário educacional de acordo com sua situação, suas necessidades e seus interesses. Para tanto o sistema tem que ser aberto, flexível, evolutivo, rico em quantidade e diversidade de ofertas educacionais.” Trata-se de construir programas híbridos de educação formal e não formal que acolham os aspectos mais pertinentes de ambos tipos de educação. O que realmente importa para Ghanem e Trilla (2008) nessa educação híbrida deve ser a qualidade e a pertinência pessoal e social da aprendizagem em questão. Esse desde os 15 anos tem sido o maior desafio de encontrar e criar caminhos para minha formação como educador capazes de produzir aprendizagens e autonomia significativas diante de desafios pessoais e coletivos.
Freire (2019, p.26 ) no livro Pedagogia da Autonomia aborda o processo de autonomia:
Nas condições de verdadeira aprendizagem os educandos vão se transformando em reais sujeitos da construção e da reconstrução do saber ensinado, ao lado do educador, igualmente sujeito do processo. Só assim podemos falar realmente de saber ensinado, em que o objeto ensinado é apreendido na sua razão de ser e, portanto, aprendido pelos educandos.
Aprender com autonomia segundo Paulo Freire exige construção e reconstrução do saber ensinado em diálogo permanente com o educador e com outras pessoas. Esse é o processo que vivemos em espaços educacionais não escolares de forma autêntica num diálogo aberto entre iguais, mas diferentes em seus lugares de fala e outros. Segundo Freire (2010, p.13):
Quando vivemos a autenticidade exigida pela prática de ensinar-aprender participamos de uma experiência total, diretiva, política, ideológica, gnosiológica, pedagógica, estética e ética, em que a boniteza deve achar-se de mãos dadas com a decência e com a seriedade.
Eu diria uma experiencia educacional sistêmica e não instrumental ou linear. Sim ele fala da boniteza, o belo estético, o bom ético, a busca da justiça social que podem estar presentes em nossos discursos, formas de educar, conhecimentos, e diálogos que derrubam portas e janelas para multiplicar platôs de lugares e conhecimentos gestando outras formas de dizer e ver o mundo pelo que antes não era visto nem dito, aprendendo a escutar o outro e lembrando sempre que “Ninguém é sujeito da autonomia de ninguém” (FREIRE, 2010b, p. 105).
Segundo Freire (2010, p 76) “Enquanto o caminho para a educação for restrito, seremos privados da libertação e continuaremos sendo arrastados por ventos e correntes, fortalecendo o sonho do oprimido em se tornar opressor.”
Infelizmente vamos aprendendo durante a jornada educacional nas escolas e universidades ou na vida a ficar presos e reféns de lugares conhecidos, de saberes como dogmas sem crítica e capacidade de imagina-los, vamos nos submetendo a determinados domínios, controles e disciplinas que atuam na microfísica do poder; incluindo sobre nossas formas de ser, pensar e viver. Por isso Paulo Freire (2010. p.51) nos alerta “O que me surpreende na aplicação de uma educação realmente libertadora é o medo da liberdade”
Esse medo que requer ousadia, temas de outros livros de Paulo Freire, pois a autonomia necessita superar a opressão e ir além da esperança para construí-la por outros caminhos mais amplos, livres, abertos, múltiplos, diferentes quer seja na mistura de saberes, lugares, vidas, culturas, sonhos, economias e outros. A corporeidade e produção da diferença quando vivida em múltiplos lugares sobre quem eu sou, a vida e a sociedade que vivemos nos tira do fragmento linear, do lugar comum, dos espaços dominados por saberes, poderes, classes, racismos, desigualdades, controles, e disciplinas que nos afetam em busca de outros caminhos não mapeados. Mil platôs como define Deleuze e Guatarri (2000).
Mil Platôs é composto de quinze "platôs", conceito que, tomado de empréstimo a Bateson, designa uma estabilização intensiva e, no caso, uma multiplicidade conceitual. Pois os conceitos, para Deleuze e Guattari (2000), devem determinar não o que é uma coisa, sua essência, mas suas circunstâncias.
O conceito fixa seu pensar e ilude tua verdade confundindo um momento com o movimento na visão de Bergson que vamos abordar mais à frente com esse despertar nos libertarmos da identidade como critério de verdade para nos permitimos enxergar, afirmar e produzir na multiplicidade as diferenças segundo Deleuze.
A vida é multiplicidade é diversidade e não limites. É força, é conflito, é intensidade isso nos leva a uma vida mais criativa menos sedentária e reféns da escola e paranoica da verdade e das notas. Enxergar essa multiplicidade exige explorar, buscar uma visão sistêmica sem hierarquia em busca de rizomas, ao invés de agir com um corpo organizado buscamos um corpo sem órgãos, buscando novas ligações com as coisas sempre em linhas de fuga para além dos rostos e conceitos que conhecemos. Usamos a micropolítica como máquina de guerra sempre em devir, indo além da repetição, dos enclausuramentos, capaz de produzir diferenças como nômades em movimentos aberrantes, sempre submetendo o real e sua miséria econômicas, políticas e educacionais em busca de outros espaços educacionais escolares além do capitalismo e esquizofrenias produzidas nas escolas.
Indo além da opressão em busca de autonomia, da repetição em busca da diferença e do conceito isolado em busca do ambiente em movimento. Essa jornada pedagógica que compõe a minha formação como educador, educa a buscar encontrar os fios nessa rede educacional vivenciada que religa e integra saberes mais complexos e interdisciplinares segundo Edgar Morin em diálogo com nossas vidas e o planeta que vivemos, nós aprendemos e transformamos, criando assim novas relações dialógicas entre o visível, as palavras, as coisas e o tempo. Essas práticas pedagógicas baseadas no estudo de arquivos para resgatar as origens do passado no presente de nossas instituições, e práticas somadas as experiências em campo buscam viver e pesquisar como esses espaços educacionais não escolares foram construídos historicamente por saberes e poderes desbravados por Michel Foucault e Deleuze em suas obras para compreender diversas instituições como presídios, hospícios, justiça, clínicas, igrejas, fábricas mas também nas escolas e universidades de como elas impactam nossas vidas e sociedades através de mecanismos, disciplinas e controles que comandam nosso pensar e agir na sociedade negando nossa autonomia. Assim busco pesquisar em minha jornada e formação como educador como outras práticas pedagógicas de Paulo Freire afirmam outros saberes populares não oficiais, olhares diversos e aprendizagens quando colocamos a escuta, esperança, autonomia, e amorosidade como princípios pedagógicos de convivência nesses espaços educacionais não escolares dialogando com os excluídos e oprimidos pela sociedade.
Buscamos também colaborar e encontrar caminhos na curricularização[1] da extensão para que mais universitários possam dialogar em grupos sobre éticas, estéticas, justiça social e sustentabilidade econômica e ambiental compartilhadas nesses espaços educacionais não escolares colaborando com uma educação integral para a vida. Esses são saberes essenciais para a convivência em uma sociedade democrática, sendo complementar a escola, família e comunidade. É preciso aprender vivendo os caminhos que unem a família, escola, comunidade e espaços educacionais não escolares enxergando as pontes, conceitos e imagens que se transformam em práticas pedagógicas e diálogos entre os diferentes sujeitos, organizações e meios cada vez mais complexos e digitais incluindo além das desigualdades e violências as relações com o meio ambiente e as tecnologias nesses espaços.
Precisamos da sociedade para sobreviver, expandir os afetos, fazer amigos, arranjar emprego, praticar esportes, nos divertir e rir. Se precisamos da vida em sociedade, é melhor saber lidar com ela. Reconhecer os lugares amigáveis, os perigosos e, especialmente, ter consciência do projeto de vida possível de levar à frente.
A escola representa a pólis, a vida na cidade, lugar do ajuste, difícil, entre as partes. A variedade de professores em uma escola, de conhecimento e de sensibilidades variadas permite ao estudante encontrar distintos modelos de identidade. E, entre inúmeras variáveis, por meio da prática do seu livre-arbítrio, escolher os amigos e qual será o desenho, possível, para o seu projeto de vida.” Janice Theodoro da Silva, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP[2].
Nessa jornada em espaços educacionais não escolares durante minha formação como educador busco valorizar e priorizar as vozes do povo ou dos estudantes diante de tantos discursos privilegiados que se colocam pela força econômica, política e acadêmica buscando anular e praticar violências e preconceitos contra os saberes, poderes e subjetividades produzidos pelas crianças e jovens pobres em suas jornadas em espaços educacionais não escolares sobre suas vidas e o mundo em que vivemos. Assim buscamos na interseccionalidade uma teoria social crítica que sirva de método de pesquisa e incorporação dos saberes destes atores sociais na conquista de seus direitos, liberdades e autonomia de forma autoral onde todos podem aprender nesta jornada (COLLINS, 2022).
Porém, o olho e as vozes da maioria de nosso povo são produtos históricos reproduzidos por afetos, imitações e instruções processadas no seio de várias instituições sociais e na troca entre elas, incluindo as escolas, nos quais se desenvolvem os atos, falas e pensamentos ordinários e extraordinários de nossas vidas que agora ocupam as redes sociais. Somadas, as privações e explorações impostas pelas desfavorecidas condições da vida material de todo oprimido se reproduzem e agravam pelos estigmas atribuídos aos hábitos do seu corpo, às propriedades de sua língua, e às marcas de suas vozes. Essa estigmatização se reforça com os prestígios usufruídos pelas práticas e atributos dos gestos, falas e pronúncias das classes dominantes de nossa sociedade.
Segundo Piovezani (2020,p,16):
Ora, as discriminações fazem reiterada e constantemente do sentido do povo um alvo privilegiado. Sua visão, sua audição, e seu olfato seriam grosseiros e desprovidos de sutileza para devida apreciação das formas, cores, tons e odores elegantes. Seu paladar e seu tato seriam igualmente rudes e carentes de refinamento para a adequada degustação de sabores complexos. Os ruídos e comportamentos dos corpos da gente humilde, assim como sua língua e sua fala, não são poucos poupados nos julgamentos que se produzem em olhares e escutas guiados pela lógica da distinção social. No que se refere principalmente a escuta que quase nunca ouve, mas que sempre deprecia a vontade de povo.
Portanto nessa jornada de escuta das crianças e jovens vivenciadas em espaços educacionais não escolares como educador social em meu percurso de vida, buscamos encontrar caminhos e meios que eles mesmos expressem com sua autoria o que seus corpos pensam, vivem e sentem em interação social com diversos meios presenciais e digitais que se tornam registros e memorias autobiográficas na produção de textos, fotos, vídeos, relatos orais via WhatsApp entre outros.
Nesses discursos autorais das crianças e jovens aprendemos como eles constroem imagens de si e a respectiva construção de uma ética e estética do que consideram bom e belo em suas vidas apesar das brutais injustiças que sofrem e das diversas dificuldades e barreiras que encontram em seus processos de aprendizagem e construção de suas autonomias. Essa dimensão sociológica remete aos trabalhos de Pierre Bourdieu que propôs uma reinterpretação da noção de ethos no conceito de habitus. Como componente do habitus, o ethos designa em Bourdieu o conjunto de princípios interiorizados que guiam nossa conduta de forma inconsciente, a hexis corporal refere-se a posturas, as relações com o corpo, igualmente interiorizadas sendo complementares a noção de cognição proposta por Varella na interação com o meio.
Por isso escolhi experiências em espaços educacionais não escolares diversos, quer seja nas empresas, movimentos estudantis e sociais, ONGs, projetos ambientais, artísticos, esportivos e tecnológicos que colocam em movimento, a expressão autoral e diferenças produzidas por essas mentes corporificadas em suas jornadas educacionais. Buscamos também a interseccionalidade seguindo o livro de Collins (2022) como método e teoria social crítica para pesquisar termos interrelacionados como desigualdades sociais, problemas sociais, ordem social, justiça social e mudança social, como impactam essas vidas e seus processos de aprendizagens e autonomia. É preciso investigar como análises críticas e ações sociais nesses espaços educacionais se desenvolvem ou apenas reproduzem mais do mesmo. O significado de teorias sociais incluindo pedagógicas específicas não residem apenas em suas palavras, mas principalmente em como estas ideias são criadas e usadas.
O conceito de interseccionalidade aparece para Collins através de Kimberlé Crenshaw, a mesma descreve de como apareceu pra ela (2022, p. 43):
Eu estava simplesmente olhando para como esses sistemas de opressão se sobrepõem. Mas, sobretudo, observava como no processo dessa convergência estrutural, a política retórica e a política identitária – baseadas nas ideias que sistemas de subordinação não se sobrepõem abandonavam questões causas e pessoas, que são de fato afetadas por sistemas de subordinação sobrepostos.
A interconexão entre pessoas, problemas sociais e ideias agora são centrais para a interseccionalidade como uma forma reconhecida de investigação e práxis críticas capazes de avaliar as práticas pedagógicas, acima de tudo por se referirem à ação social, as ideias de interseccionalidade tem consequências no mundo social (COLLINS, 2022).
Construímos assim na minha formação como educador uma visão mais sistêmica e autônoma em busca de produzir diferenças porque acompanha uma teoria e pedagogia social crítica, a transformação histórica das palavras e das coisas, os conceitos e imagens que fazemos do mundo e sobre quem somos, mas ao mesmo tempo também autoral pois registrei em meu blog na internet ou redes sociais as vozes, palavras e imagens por computadores ou celulares incluindo nossas memórias, reflexões, ideias, críticas, e imaginações compartilhando nossas vivências e saberes com outros atores sociais diversos que convivemos juntos nesses espaços educacionais não escolares quer sejam professores de escolas, alunos, comunidade, famílias, dirigentes de ONGs, professores de Universidades, empresários, funcionários, políticos e gestores públicos. Caminhamos juntos em torno de uma agenda compartilhada, missões educacionais, objetivos e desafios comuns onde emergiram práticas pedagógicas e sociais gerando um ecossistema educacional e suas relações múltiplas e diversas com os diversos ambientes que vivemos, não apenas a família e a escola. Percebemos assim os acontecimentos que configuram a própria trama da existência, individual e coletiva, afirmando as potências, conflitos e imanências que emergem de nossas capacidades críticas e criativas para compreender a guerra entre discursos, saberes e sentidos na construção de uma educação ética e estética, justiça social, econômica e ambiental que priorize a vida e o planeta Terra.
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