A metodologia de minha pesquisa foi feita através de relatos autobiográficos reflexivos nas disciplinas cursadas na Pedagogia da UFC, e na minha atuação em múltiplos espaços educacionais, incluindo o Centro Acadêmico Paulo Freire do curso de Pedagogia da UFC e uma pesquisa bibliográfica de autores que pensam a aprendizagem, corporeidade, autonomia, multiplicidade e produção da diferença que guiam minhas experiências de formação em espaços educacionais não escolares visando caracterizar o que é ser um educador social.
Essa metodologia abordada no livro de François Dosse com o titulo de “Desafio Biográfico - Escrever a vida” nos faz alertas importantes sobre “seus aspectos mais notórios, de fato, convivem hoje com modos mais inventivos, mais atentos à renovação promovida pelas ciências humanas, de escrever uma vida” (DOSSE, 2015, p.7).
Outra obra que aborda essas metodologias é “O Pequeno X” de Sabina Loriga que seguindo a expressão do filosofo alemão Johann Gustav Droysen visa “designar a equação singular do individuo que não pode ser assimilado por uma entidade coletiva.” (LORIGA, 2015, p.15). O que em meu processo de formação, reflexões, aprendizagens, e autonomias foi realizado de forma autoral na produção das diferenças na minha atuação como educador social em diversos espaços educacionais não escolares. A dimensão crítica e criativa, conhecimentos de nível superior alcançados em minha formação como pedagogo devem emergir em sua atuação prática como educador.
Esses exemplos autobiográficos que relato visando encontrar respostas para o que é ser um educador social? como se dá sua formação? Quais práticas pedagógicas caracterizam sua atuação em diversos espaços educacionais não escolares?
“Como enfatiza Dilthey, há sempre um resto, um resíduo inesgotável que não consegue explicar nenhuma lógica de grupo, pois o individuo embora moldado até a medula por suas experiências sociais, não é jamais redutível a nenhuma delas.” (DOSSE, 2015, p. 9).
Ricoeur escreve “Sob a história, a lembrança e o esquecimento. Sob a lembrança e o esquecimento, a vida. Mas escrever a vida é uma outra história. Uma história inacabada.” (RICOEUR, 2000, p. 657).
Acredito que a melhor forma de concluir o curso de Pedagogia me foi dada pelo professor Ronaldo em sua disciplina de “Autobiografia e educação” ao buscar me escutar e resgatar os sentidos e caminhos que me levam a escolher a profissão de professor. Nós que somos formados para escutar e educar outras pessoas devemos ter o cuidado de escutar como nos tornamos quem nós somos e como podemos transformar o mundo que vivemos afinal são essas lições que compartilhamos com a vida. Walter Benjamim via no historiador aquele que promove uma desconstrução da continuidade de uma época para nela, distinguir uma vida individual com objetivo de demonstrar como a existência inteira de um individuo cabe numa de suas obras, num de seus fatos e como, nessa existência, insere-se uma época inteira.
Compreender a formação de um educador na época que vivemos é compreender suas realizações. No meu caso inspirado por outra disciplina de Espaços educacionais não escolares do Professor Alex Coitinho resolvi pesquisar minha formação e realizações de práticas pedagógicas nesses ambientes através dos relatos autobiográficos e pesquisas educacionais em alguns desses espaços nos quais já havia orientado acadêmicos de outras universidades como professor.
“Todo destino, por longo e complicado que seja, compreende na realidade um único momento: aquele em que o homem descobre, de uma vez por todos, quem é”. (BORGES, 1967, p. 74). Nessa jornada educacional e em minha pesquisa para o TCC pude também redescobrir quem sou em múltiplos espaços onde atuei profissionalmente. Apreendemos com a produção de nossos discursos em registros autobiográficos que revelam imagens de quem somos segundo Baudelaire (2010,p.98 ) “a biografia busca explicar e verificar, por assim dizer, as aventuras misteriosas do cérebro; biografia, escrita viva e múltipla.” Segundo Roger Dadoun (2000, p. 62) “A biografia teria, pois, sua fonte última no que há de mais pujante e grandioso no homem – a saber, o desejo de construir-se e definir-se como um eu, de ser, na plenitude do termo, uma Pessoa” . No meu caso um educador social.
A história cansou de abordar acontecimentos sem rosto, nem sabores. Ela necessita do qualitativos e das singularidades das pessoas para dar vida a uma época. Por essas razões as autobiografias são caminhos reconhecidos cada vez mais na literatura e academia para contar essas histórias da educação que continuam muitas vezes invisíveis e indizíveis sem relatos para pesquisa. “O gênero biográfico encerra o interesse fundamental de promover a absolutização da diferença entre um gênero propriamente literário e uma dimensão puramente cientifica” (DOSSE, 2015, p. 18).
A presente metodologia justifica-se na premissa de que é possível considerar os EENEs como também espaços de continuação do ensino-aprendizagem da academia em sua extensão universitária, atuando de forma interdisciplinar e intersetorial. Pode-se dizer que, nesses espaços há consistentes e necessárias etapas para uma formação concisa de professores. Entendendo que esses profissionais, ao também atuarem em projetos sociais, mesmo que em sua etapa formativa acadêmica, podem ter a metacognição como ferramenta de aprendizagem e instrumento de trabalho.
Diante disso, busco justificar que o uso da autobiografia se faz necessário como método de apreensão das narrativas de vida ao longo de EENE, permitindo perceber a aprendizagem da corporeidade, autonomia, multiplicidade e produção da diferença.
Nosso percurso formativo comum, visamos determinar quando algum tipo de aprendizado atinge o seu ápice de compreensão aos sujeitos, pois é algo que requer muito esforço por parte dos educadores em relação aos seus educandos. Todavia, é possível delinear os percursos pedagógicos que levam a tal fim. O conceito de Zona de desenvolvimento proximal de Vygotsky (2007) é central nesse processo, pois entre o desenvolvimento potencial e o real, o EENE pode contribuir com caminhos, vivências e apoios para aprendizagens que podem somar e não limitar a jornada educacional ao discurso escolar dos professores, currículo e sala de aula.
Vygotsky (2007) considera a formação social, artística e os processos relacionais e interativos que acontecem em contextos distintos como essenciais para formação humana. A linguagem e o pensamento são ampliados na construção da autonomia através da troca de saberes de forma interdisciplinar, incluindo a afirmação dos saberes populares sob a ótica de Paulo Freire e a integração de práticas numa sociedade em rede.
Autores como Manuel Castells, Amartya Sen, Edgar Morin, Ranciere, Foucault e Deleuze que objetivamos realizar pesquisa biográfica contribuem para compreendermos os processos de aprendizagem ética, estética, e justiça social nos projetos em EENE, incluindo a luta e relações entre poderes e saberes (FOUCALT, 2010) .
Tendo como base os processos avaliativos formais, os limites de avaliação por prova privilegiam apenas uma forma de aprender focada em conceitos ou apenas no raciocínio e razão letrada. Esses itens também podem ser avaliados em vivências ou experiências estabelecidas em espaços educacionais determinados como "não-escolares” (SEVERO, 2015).
Nesses espaços não-formais de ensino, o saber torna-se necessário para superar desafios, colaborar com outras pessoas em projetos, desenvolver autonomia, além da gama de capacidades críticas e criativas do ensino superior, importantes para a produção de conhecimento, ao mesmo tempo que colabora com a sociedade em que vivemos (BURKE, 2020).
É importante considerar que a vida é uma jornada, aprendendo sempre, cada vez mais vivemos numa sociedade e educação em rede em busca de uma vida plena em tempo integral (CASTELLS, 1999). O desafio de compreender quem somos e o mundo em que vivemos sempre será maior que as formas que organizamos nossa sociedade ou dividimos o conhecimento em disciplinas (MORIN; LE MOIGNE, 2000).
Essa jornada não caberia apenas no currículo da escola ou da universidade, porque não se reduz a uma profissão, saber, ideologia, arte, causa, religião, tecnologia, ou a outros instrumentos que ao mesmo tempo buscam nos individualizar, mas sempre nos expande em múltiplas direções, ao colocar mais ingredientes desses em nossas vidas ou misturando-os para descobrir a fórmula de nossa singularidade (BURKE, 2020). O mundo caminha rumo a temas cada vez mais complexos e sistêmicos com as mudanças climáticas e avanços tecnológicos da cibercultura e robótica, dessa forma as ciências e saberes também vão se diversificando e se misturando para acompanhá-lo (CAPRA; LUISI, 2014); (MORIN; 2005); (PRIGOGINE, 1996).
Algumas práticas pedagógicas são essenciais na jornada da vida, uma delas é a pesquisa em sentido amplo como a vida de Georg Simmel nos ensina (WAIZBORT, 2013), o qual defende que temos que aprender a aprender, questionando, refletindo, criticando e criando tudo que nos impacta. Isso se dá a partir de uma maçã que cai e gera uma teoria, uma imagem da natureza que gera uma pintura, um filme, uma música, um romance, dentre outros.
Por essas razões registro em meu blog: www.habitanteterradasabedoria.blogspot.comrelatos autobiográficos nos últimos 15 anos, incluindo o período que curso pedagogia na UFC.
Se somam aos problemas práticos em nossas experiências que vivi e nos desafiam a gerar novas tecnologias, formas de morar, nos organizar, viver e governar. Um conhecimento que gera o despertar para outros conhecimentos, os milhares de caminhos que encontramos para viver nossa espiritualidade e nos relacionar com a natureza e também o que o amor crítico (FREIRE, 2019), a coragem e outros sentimentos nos ensinam e tudo isso não se aprende apenas em sala de aula. Ela é apenas um espaço educacional que se integra com outros espaços educacionais não-escolares, gerando uma jornada e currículo em tempo integral para uma vida plena, boa, bela, justa, economicamente e ambientalmente sustentável.
Além de pesquisas e espaços educacionais não-escolares gostaria de frisar mais uma vez a prática pedagógica que é a autobiografia (LORIGA, 2011; DOSSE, 2015). Um processo de registrar essa jornada quer seja escrita, por fotos ou vídeos, contando essas histórias do que vivemos para pesquisa ou para nossas famílias, amigos(as), ou um(a) desconhecido(a) que encontramos na jornada ou pelas redes sociais.
Infelizmente, um grande número de pessoas não constrói um discurso sobre a imagem de si, visando a construção de um ethos sobre suas vidas. E assim se entregam o leme de sua jornada a processos que os reduzem a meros objetos (AMOSSY, 2000). Consumo, redes sociais, ideologia, religiões, profissões, como citado no início, ao mesmo tempo que nos definem e socializam, nos reduzem na medida em que confundimos nosso ser ou a educação como um produto quando somos a jornada se expandindo em redes e dimensões humanas (LAVAL, 2019).
É quase um ciclo infinito que nos descobrimos como ser e potência, descobrimos algo que nos realiza e desafia a novos horizontes, passo a passo, pois do micro nos conectamos ao macro, portanto o currículo em tempo integral de uma vida plena mais que conteúdo é processo, é caminho, é jornada, mas são feitas de escolhas (FREIRE, 2019).
Estamos preparados para nos desafiar e escolher a vida que queremos? Sabemos de verdade quais são nossos sonhos? Como gostaríamos que o mundo fosse? Temos coragem de lutar por nossas vidas e o mundo que queremos? Individualmente e coletivamente? Essas são perguntas geradoras de metacognição.
Essas foram as disciplinas que escreveram a história e o mundo que conhecemos, infelizmente escritos por poucos sobre o silêncio e o sofrimento da grande maioria. Onde aprendemos o verdadeiro, o bem, o belo e o justo? Em uma sala de aula? Não! A sala nos ensina conhecimentos, mas é preciso transformá-los na vida. Na vida e na educação quando a transformamos na rede das redes e aprendemos o currículo em tempo integral de uma vida plena (RANCIÈRE, 2021).
Esse currículo dos desafios críticos globais como destruição da natureza, desigualdades, violências, desemprego e melhoria da saúde e educação exige a participação de todos os setores em rede e de todos os saberes, pois são desafios complexos, sistêmicos, interdisciplinares, intersetoriais e internacionais, assim superam a tranquilidade das divisões e territorializações dos mapas geográficos do conhecimento e da sociedade. Esses desafios foram gerados em sociedades disciplinares, organizadas em caixinhas, seres fragmentados, saberes e métodos lineares que mais cegam que nos fazem enxergar quem somos e o mundo em que vivemos. Dessa forma, é preciso como propõe Deleuze e Guatarri (2011) viver em movimento caminhando pelos mil platôs e produzir diferenças em nossas vidas e na sociedade que vivemos.
Se as cidades ou mesmo nossas ruas e casas poderão perdurar por anos ou não, isto não sabemos nem temos como prever, pois, na história da humanidade cidades surgiram e caíram, pelos mais variados motivos, e certamente existe uma certa fragilidade em algumas tessituras, fios que são mais finos (DIAMOND, 2019). Existem vários fatores que causam o início e fim de uma civilização ou cidade. O aspecto político é apenas um deles. Isso ocorre desde governos mais frágeis que interrompem políticas de educação até em organizações mais burocráticas, como algumas empresas, escolas e universidades. Estas isoladamente não conseguem lidar com os desafios da sociedade. Portanto necessitamos formar educadores que devem estar conectados a uma rede de outros espaços educacionais que mantém esse processo contínuo, pois são centrados em práticas pedagógicas pessoais e sociais. (MORIN, 2009)
É defensável que temos que fortalecer em nossos seres, religando os saberes com as nossas capacidades de superar desafios coletivos, de reconstruir nossas casas, ruas, cidades, sociedades, economias, educação, saúde, porém, principalmente, agora diante das mudanças climáticas, inovações tecnológicas, incluindo engenharia genética, avanços das desigualdades e violências que nos desafiam a pensar todos os dias como humanidade no planeta Terra nessa grande rede que somos um (MORIN, 2015).
O desenvolvimento de redes educacionais é uma das lições que aprendi com o meu percurso social. Somos desafiados em nossa jornada em como tecer essas redes educacionais, e ela deve ser como uma teia de aranha: forte para sustentar o inseto e os que são capturados, mas claramente frágil para outras circunstâncias (MORIN, 2012). Em alguns casos, os fios que se desfazem podem ser refeitos por uma nova tessitura e felizmente a rede pode permanecer em funcionamento. São diversos os dilemas que (in) surgem, mas também, às vezes, revelam novas possibilidades, o que é empolgante (MORIN, 2009).
Desta forma, o maior desafio é manter as conexões ativas e vivas gerando aprendizagem (MORIN, 2005a; 2005b). Estas precisam se comunicar, mas simultaneamente os nós onde os fios se conectam, pensando aqui como se fosse a internet, tem seus "protocolos" e "portas" diversas, algumas ativadas, e outras desabilitadas e que podem ser habilitadas com o tempo, como por exemplo, a curricularização da extensão na universidade, o que tende a significar modos de atuação mais rápidos no meio social e de forma continuada, pois em todo semestre estará́ garantido a extensão (RANCIERÉ, 2004).
A educação vivida em tempo integral de uma vida plena. E cada um de nós pode compartilhar e fazer parte dessa jornada, mas para isso tem o poder de despertar seu ser, se educar e conectar- se pela janela de suas corporeidades esses desafios pessoais e coletivos, complexos e múltiplos que vamos superar em redes. (MORIN, 1982; 1984; 2000a; 2000b).
Nestes termos Morin insiste (2015, p. 68) :
A crise da educação deve ser concebida em sua própria complexidade que, por sua vez, remete à crise da complexidade social e humana, crise que ela traduz, agrava, e à qual poderia trazer sua contribuição específica a regeneração social e humana se pudesse encontrar as forças regeneradoras.
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