SABERES TRANSDISCIPLINARES E ORGÂNICOS.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

VIVA JADER E CID CARVALHO ! SUAS IDEIAS VÃO MUDAR O CEARA !




Literatura e jornalismo feitos para punir:
Jáder de Carvalho e o silêncio sobre o romance Aldeota1


Tiago Coutinho PARENTE2 Universidade Federal do Ceará, Juazeiro do Norte, CE


Este artigo apresenta uma análise inicial sobre a obra do jornalista Jáder de Carvalho e seu romance: Aldeota. O livro, publicado em 1963, denunciou a forma como as elites de Fortaleza consolidaram suas fortunas por meio do contrabando. O enredo mescla nomes de personagens históricos de Fortaleza, porém poupa a identidade dos “contrabandistas”. O livro teve repercussão por suas histórias serem “verdadeiras” e ter causado incômodo aos envolvidos, mesmo sem serem citados nominalmente. Alguns críticos cearenses consideram Jáder Carvalho como precursor do Novo Jornalismo. O trabalho discute as fronteiras entre o jornalismo e literatura na obra de Jáder de Carvalho e apresenta hipóteses de por que o jornalista não revelou os nomes das personagens ilícitas de seu livro.


PALAVRAS-CHAVE: Jornalismo Cearense, Literatura, Jáder de Carvalho, Aldeota

Aldeia, Aldeota, estou batendo na porta, prá lhe aperriá, prá lhe aperriá, prá lhe aperriá (Terral, Ednardo)

1. Os encantos da Aldeia

A imprensa fortalezense estava reunida na manhã daquela quinta-feira no Palácio do Governo para a entrevista coletiva do então governador Virgílio Távora. A convocação havia sido ampla, com informativos publicados nos jornais locais, pelo menos dois dias antes (Unitário, 1962, p. 01). O chefe do executivo iria “comunicar a adoção de providências concretas e imediatas por parte do Estado e em colaboração com a Prefeitura, visando a solução de urgentes problemas enfrentados pela cidade no setor de esgotos, água, pavimentação e bem estar social” (Unitário, 1962, p. 01). Dentre as inúmeras medidas divulgadas, Virgílio Távora disse que na semana seguinte, moradores do bairro Aldeota (situado na área nobre da cidade, na região leste) poderiam requerer ligação de esgoto em suas casas. Entre outras medidas voltadas para o bairro, havia o anúncio de, em parceria com o Ministério da Aeronáutica, asfaltar a avenida Barão de Studart.

A coletiva teve repercussão nos principais veículos de imprensa da cidade. O jornal Unitário, o mais antigo em circulação no Ceará na época, no dia seguinte, saiu

1 Trabalho apresentado no DT 1 – Jornalismo do Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordete realizado de 15 a 17 de junho de 2011.

2 Professor assistente do curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará e pesquisador do grupo de pesquisa Núcleo Antonio Candido de Estudos de Literatura e Sociedade, do programa de pós-graduação em Letras da UFC.



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com a seguinte manchete: 6 Centros de Cultura, 10 Parques Infantis, Esgoto Para Aldeota, Anuncia VT. Algo extremamente incomum, pois, pertencente aos Diários Associados, sua primeira página estava sempre recheada de noticiário nacional ou internacional, raramente dando espaço para acontecimentos cearenses. O episódio se deu no dia 08 de agosto de 1963. Um ano antes, mais precisamente no dia 02 de janeiro de 1962, cerca de 30 mil flagelados do Pirambu (bairro periférico da zona oeste de Fortaleza), sob o comando político e espiritual de um padre comunista, Hélio Campos, clamavam por uma reforma social e cristã para a sua região. Eles partiram, em uma marcha a pé, de seu bairro até o início da Aldeota. Clamavam por atenção e melhorias urbanas. Ao contrário da coletiva do governador, o jornal Unitário não concedeu nenhuma linha para a Marcha do Pirambu, como assim ficou conhecida.

O Unitário também manteve-se em silêncio sobre um evento dois dias antes da coletiva de Virgílio Távora. Na tarde da terça, o veterano jornalista Jáder de Carvalho lançava o romance intitulado Aldeota. Era o quinto romance do escritor que, até 1961, tinha estado no comando do periódico Diário do Povo. O livro relatava, em tom ficcional e por meio do protagonista Chicó, como algumas fortunas fortalezenses tinham se formado por meio do contrabando e escolheram a Aldeota, como bairro para construir seus palacetes e suas mansões. No mesmo enredo, o escritor mostrava que, embora ricos, os moradores daquele bairro não viviam tranquilos. Pois, desde a Marcha do Pirambu, havia uma ameaça contra a paz residentes da Aldeota.

Aldeota teve nenhuma repercussão no jornal Unitário. O governador Virgílio Távora, embora convidado, não esteve presente no lançamento, mas enviou um representante (O POVO, 1963, p. 02). O jornal O POVO, no dia seguinte, apresentou uma pequena nota sobre a tarde de autógrafos. Porém, no fim de semana seguinte, o jornalista F. S. Nascimento publicou, no O POVO, uma resenha longa sobre o livro, titulada Jáder de Carvalho realiza ficção revelando enigmas da Nova Aldeota. O texto discute o alcance sociológico do romance, capas de dar provas e vivências “além dos limites da ficção”, para traduzir “em termos científicos, os hábitos e entrelaçamentos conjugais e extra-conjugais de velhas famílias patriarcais dos sertões cearenses” (O POVO, 1963, p. 11).

Fora a matéria publicada por O POVO, o ambicioso romance teve pequena repercussão nos jornais da época. Na avaliação do filho do romancista, jornalista Cid de Carvalho, o silêncio ocorreu por ter causado muito incômodo nas elites da época. “Ele [o romance] envolve a história da riqueza ilícita [de Fortaleza]. O contrabando, essas coisas. (...) É um livro que teve uma grande repercussão, mas as pessoas procuram não



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comentar, escondem, não falam...” (Carvalho, 2011). O filho ainda atesta que embora alguns de seus personagens tenham seus nomes trocados pelo autor, “todo mundo são pessoas de fato. Existiram” (Carvalho, 2011). No entanto, Cid Carvalho, mesmo quase 50 anos após o lançamento do livro, prefere não comentar nomes “por que eu teria muitos problemas”, explica.

O livro Aldeota, segundo Cid Carvalho, teve sua primeira edição esgotada ainda

no mesmo ano de lançamento e permaneceu sem segunda edição por 40 anos. Somente

em 2003, a Fundação Demócrito Rocha, pertencente ao grupo de comunicação O

POVO, republicou o livro. Para o relançamento, o jornal dedicou uma edição de

domingo, em seu suplemente cultural, sobre a importância do livro para a literatura e

para o jornalismo cearense. A matéria de abertura do caderno anuncia Jáder como um

precursor do jornalismo literário. Logo no primeiro parágrafo se lê:

3
New Journalism , que nada. Quase trinta anos antes de Truman

Capote e seu A Sangue Frio, Jáder de Carvalho (1901-1985) já fazia a ponte entre jornalismo e literatura. Logo em seus primeiros romances, por exemplo – Classe Média e Doutor Geraldo, lançados em 1937 -, o escritor já praticava aquele tipo de história que, na definição de críticos como Fran Martins, eram “não completamente inventadas, e sim o retrato de situações já antes vividas por pessoas, envolvendo fatos que podem ser identificados” (Araújo, 2003, p. 01).


Jáder de Carvalho, independente ou não de antecipar o New Journalism, 4


escreveu um livro paradigmático para Fortaleza, e ainda hoje atual , tanto por seu estilo quanto pelo seu conteúdo. Este artigo traça um pequeno esboço de uma pesquisa em germinação sobre a trajetória e o método de investigação do jornalista para a publicação deste romance, que teve como principal objetivo denunciar as fortunas ilícitas das elites de Fortaleza. Uma dificuldade inicial consta na ausência de estudos antecedentes sobre o autor-jornalista. Angela Barros Leal (2000), sua biógrafa, destaca como principal fonte de pesquisa sobre a trajetória do escritor o próprio Jáder. Por meio de entrevistas, escritos e depoimentos, ele teria feito um balanço de si mesmo.


3 New Journalism ou Novo Jornalismo foi o termo utilizado por um grupo de jornalistas estadunidenses que na metade do século XX passaram a adotar um estilo literário nas suas reportagens. De acordo com Tom Wolfe, a expressão cunhou-se no ano de 1966. “Novo Jornalismo foi a expressão que acabou pegando. Não era nenhum „movimento‟. Não havia manifestos, clubes, salões, nenhuma panelinha; nem mesmo um bar onde se reunissem os fiéis, visto que não era nenhuma fé, nenhum credo. Na época, meados do anos 60, o que aconteceu foi que, de repente, sabia-se que havia uma espécie de excitação artística no jornalismo, e isso em si já era uma novidade” (Wolfe, 2007, p. 41).

4 O bairro Aldeota nasceu e permanece com ar aristocrático. As ligações de esgoto articuladas por Virgílio Távora renderam frutos econômicos. Hoje o bairro está entre os cinco m2 mais caro de Fortaleza, de acordo com o Secovi – sindicato das empresas de compra e venda de imóveis de Fortaleza. De acordo com o IBGE, a área do bairro é de 3,93 km2, divididos em 12.801 domicílios, onde residem 38.636 pessoas. Destas, 35 mil são alfabetizadas.



2. Um jornalista, um romancista, um panfletário

Quando Jáder de Carvalho faleceu em agosto de 1985, ele não era um ilustre desconhecido. Também poeta, imortalizou-se no circuito literário-intelectual pelos versos do poema “Terra Bárbara”, dedicado ao Ceará. Sua morte repercutiu em alguns periódicos locais, e sua biografia foi transformada no vídeo Jáder de Carvalho - Especial, transmitido pela extinta TV Manchete, dez dias após sua morte (O POVO, 1985, p. 01).

Era um intelectual versátil: jornalista, poeta, romancista, advogado, sociólogo, professor do Liceu e historiador. Nasceu em 1901, na cidade de Quixadá, mas aos 15 anos se transferiu para Fortaleza, onde aos 27 anos funda o jornal A Esquerda (Leal, 2000). Jornalista combativo, seu trabalho jornalístico recebe pouco destaque no livro de

5 consulta Introdução à História do Jornalismo Cearense, de Geraldo Nobre (2006) .

Após a experiência de A Esquerda, Jáder aposta em um novo periódico: Diário do Povo, fundado em 1947. Com este jornal, ele acreditava realizar uma imprensa na contramão da política mesquinha cearense. Era uma publicação de cunho político, com

6
uma vertente teórica marxista . “Era um jornal de esquerda. E esse jornal me trouxe

muito perigos, me trouxe agressões, mas também me deu nervos, de nunca mais se acabar” (Leal, 2000, p. 37-38). Jáder, num mister de orgulho, declarava que o empreendimento havia sido perseguido antes mesmo de sua existência. O Diário do Povo, de acordo com o historiador Montenegro (2011), teve os originais da edição de estreia apreendidos pela polícia, responsável também pela prisão do secretário do jornal e de dois revisores. Jáder considerava a atitude de perseguição nazi-fascista, para ele, era evidente se tratar de uma perseguição política (Montenegro, 2011, p. 33). O

7 historiador complementa a possibilidade de “sustentar que, depois de João Brígido ,

5 O autor refere-se A Esquerda, como jornal de cunho ideológico, resultado da fusão com o jornal Pátria Nova, antigo órgão do governo, resultante da revolução de outubro de 1930 (Nobre, 2006, p. 146). Sobre o Diário do Povo, Geraldo Nobre avalia como o periódico que teve mais longevidade dos que foram criados na década de 40.

6 Da relação de Jáder de Carvalho com a teoria marxista, dois episódios extremamente curiosos são relatados por Leal (2000). O jornalista se descobriu marxista após tentar desconstruir a teoria. Ele narra: “Eu sou marxista por uma razão muito interessante: quando fui fazer minha tese para o concurso de sociologia fui contestar Marx. Basta ler o primeiro dos dez volumes do O Capital para se ter uma idéia da filosofia do marxismo. Então discordei, em certo ponto, do Marx. E fui me aprofundar na matéria para poder contestar. E nesse aprofundamento fui acreditando no Marx e me tornei marxista. Eu, que ia desmenti-lo, que ia tentar contestá-lo, acabei aceitando e me tornando um discípulo dele” (Leal, 2000, p. 81). Leal também conta que Jáder atrasou o pagamento de seus funcionários no Diário do Povo. Os contratados declaram greve. Jáder respondeu acusou os grevistas de irem de encontro a revolução, pois aquele jornal era proletário, preocupado com as causas da classe trabalhadora.

7 João Brígido, jornalista cearense da cidade do Crato, teve um papel significativo no jornalismo alencarino no período de transição entre os séculos XIX e XX. Ele fundou o jornal Unitário, com o qual desfiou suas críticas ao então governador do Ceará, Nogueira Acioli, responsável pelo comando de uma oligarquia que controlou o Ceará por 20 anos. Jáder era um profundo admirador de João Brígido e foi responsável pela publicação de Antologia de João Brígido, em 1969. 




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[Jáder] foi o jornalista que mais aqueceu o tom contra os políticos [cearenses]. Não poupando ninguém que merecesse ataques”. (Montenegro, 2011, p. 55).

Comunista convicto, porém sem ter se integrado ao partido comunista, Jáder utilizava seu jornal, como canal de críticas ao sistema capitalista e também não poupava ataques aos seus colegas de profissão, como Assis Chateaubriand, tachando-o como um adversário do colosso vermelho (Montenegro, 2011, p. 77). Nas páginas do Diário do Povo, ele demarcava sua posição política ao afirmar, por exemplo, que, no final do século XIX e no princípio do XX, predominava o liberalismo econômico. Porém, na segunda metade do século XX, ele percebia a prevalência do capital financeiro monopolista, não havendo a concorrência entre as empresas, no âmbito nacional (Montenegro, 2011, p. 123). Tecia duras críticas à política internacional e ao império monopolista de países como os Estados Unidos que se aproveitavam da frágil economia brasileira, para manter o Brasil dependente do mercado exterior.

As ácidas críticas de Jáder de Carvalho no jornalismo repetiam-se na ficção. Em 1937, durante o início do Estado Novo de Vargas, Jáder publicou os livros Dr. Geraldo e Classe Média. O primeiro, segundo Cid de Carvalho, foi queimado em praça pública, a mando da ditadura Vargas. O segundo provocou polêmica por denunciar a postura do magistrado cearense na corrupção (Carvalho, 2011). Na poesia, gênero onde recebeu maior reconhecimento literário, Jáder de Carvalho não desempenhou denúncias. Isso não significa, no entanto, ter se eximido, nos versos, do caráter social. Crítico à dominação cultural e econômica do estrangeiro, em seu poema Lampião, por exemplo, ele questiona onde estaria o Brasil. A resposta estaria longe de São Paulo ou Blumenau, cidades, segundo ele, as quais permanecia a influência da cultura europeia: “Não, estrangeiro: o Brasil está no Nordeste,/ na doce caatinga incendiada pelas madrugadas/ vermelhas, para logo dormir, mansa e vencida, nos braços da Lua Cheia” (Leal, 2000).

O compromisso com a realidade histórica será sua principal obstinação, tanto no jornalismo quanto na literatura. A vida de Jáder, em suas próprias palavras, tinha um objetivo: combater a corrupção, a incompetência, a maldade humana, a violência política, a agressão econômica, a ofensa jurídica. “Esses, sem dúvida, são os motivos do meu jornalismo e dos meus romances, principalmente agora no crepúsculo da minha passagem sobre a terra. Chego ao fim carregado de desenganos, de decepções, mas forte como na juventude” (Carvalho, 1981, p. 63). A este estilo de escrita, denuncia, defesa dos oprimidos, Jáder autodenominou sua obra como jornalismo e literatura punitivos, comprometidos sempre com “revelar a realidade”:



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Para intelectuais acomodados, que vivem das sobras e dos favores da burguesia apodrecida, meu jornalismo não é jornalismo, meus romances não são romances. Jornalismo seria transformar em virtude os defeitos dos ricos? Romance será, por acaso, a negação da vida real, dos homens reais, das mulheres de carne e osso? Não, meus amigos: sou partidário de um jornalismo e de um romance punitivos, tanto para o homem isolado como para o povo. Esse romance e esse jornalismo – bem sinto – geram perigos, escancaram feridas que valem abismos. Que importa? Que me importa a indiferença ou a inimizade do povo, se ele fugiu à grandeza do seu destino? (Carvalho, 1981, p. 63)

Mesmo comprometido com o real, seu método, no entanto, subverte a realidade. Para falar do presente e dissecar suas críticas, Jáder de Carvalho cria personagens ficcionais pelos quais ele deixa extravasar suas opiniões. Não raro, em seus textos, aparecem personagens como Manduca, Zoroastro, Herculano, Dona Glória, Barnabé. Cidadãos ordinários de uma imensa capacidade de análise da realidade e comentam personagens reais, principalmente os políticos. O mesmo método – misturar ficção e realidade – aparece no romance Aldeota. Nele, há personagens como Padre Cícero, Floro Bartolomeu, Padre Hélio, Justiniano de Serpa, nomes importantes para a história política do Ceará. Porém, o personagem principal do romance, Chicó, é fictício, assim como sua esposa Catarina, um jornalista anônimo e outros inúmeros contrabandistas e políticos. Todos esses personagens, no entanto, aparecem com sua identidade preservada. E, segundo Cid de Carvalho, essas pessoas existiram (algumas ainda existem) e sentiram-se extremamente incomodadas com a publicação do livro.

Uma grande questão, infelizmente ainda não respondida nesta primeira pesquisa, é por que Jáder de Carvalho preservou a identidade das personagens, uma vez que ressaltava tanto o seu compromisso com o real. Temos algumas hipóteses, que esboçaremos nas considerações finais. O fato é que Jáder de Carvalho, já na primeira metade do século XX, desenvolveu uma técnica jornalística de forte diálogo com a literatura e, em especial, com a ficção. É justamente esse aspecto de sua obra que nos interessa neste primeiro momento de análise.

3. Literatura, jornalismo e o exame de consciência

Jáder de Carvalho parece ter muita clareza do objetivo de sua obra:

Em Aldeota prestei o maior serviço à política moral e à moral social do Estado, trazendo aos olhos do povo, do governo e das autoridades, os sonegadores de impostos, os ladrões, os contrabandistas que numa terra paupérrima, de economia que é preciso se ver com binóculo, de tão pequena que é, dar lugar à existência de um bairro aristocrático como é a Aldeota (Carvalho APUD Leal, 2000, p. 83)

Aldeota teve seu lançamento, em 1963, três anos antes de o livro A Sangue Frio, de Truman Capote, ter sido traduzido e publicado no Brasil. Por isso, costumou-se dizer



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entre alguns intelectuais cearenses que Jáder “antecipou” o que viria a ser chamado de Novo Jornalismo, como demonstramos anteriormente. Talvez seria muito precipitado e até exagero caracterizar essa antecipação. No entanto, é inegável que a obra em análise passeia tanto pelos códigos literários quanto pelos jornalísticos.

O jornalista estadunidense Tom Wolfe (2007), ao fazer uma análise crítica do jornalismo literário produzido na segunda metade do século XX em seu país, considera que os jornalistas ao utilizarem estilos literários, com subsídios da factualidade, ocuparam uma lacuna deixada pelos escritores contemporâneos. No entanto, ele é bastante sóbrio ao encarar que o estilo desencadeado pelo que se denominou de Novo Jornalismo não foi uma invenção da roda. Para ele, este recurso de misturar literatura e realidade foi introduzido pela literatura inglesa, ainda no século XVIII, o que provocou um grande curto-circuito no debate de arte, jornalismo e literatura.

Elevou o nível da arte a uma grandeza inteiramente nova. E qualquer um que tente, na ficção ou na não-ficção, melhorar a técnica literária abandonando o realismo social será como um engenheiro que tenta melhorar a tecnologia das máquinas abandonando a eletricidade (Wolfe, 2007, p. 07-08)

As discussões sobre gêneros, não raro, buscam canonizar estilos e demonstram dificuldade de reconhecer textos híbridos. Muitas vezes, perde-se em discussões idealistas e de purismo estético. Porém, quando se busca a análise do gênero narrativo dentro de uma perspectiva sistêmica e histórica, podemos nos deparar com os elementos que o gênero oferecem para o seu contexto (Cosson, 2007). A dessacralização da arte, na avaliação de Facina, é uma forma interessante para as análises literárias. A autora acredita que o melhor método para se avaliar um texto seja dar destaque “a sua dimensão histórico-sociológica e rejeitando a perspectiva idealista que se vê a literatura (...) como uma esfera da atividade humana completamente autônoma em relação às condições materiais de sua produção” (Facina, 2004, p. 10).

Tanto o jornalismo quanto a literatura se pautam por aspectos materiais. Creio ser este o caso de Aldeota. Jáder busca nos métodos jornalísticos matérias-prima para um trabalho apresentado como ficcional, produzindo um texto, como ele gostava de reforçar, comprometido com a realidade. Ele não foi o único. Há certo consenso que a literatura brasileira possui uma predileção pelo realismo (Fischer, 2007). Isso, no entanto, não significa afirmar, necessariamente, que todas as obras se caracterizam por realistas, escola literária do século XIX, mas que, na história da literatura brasileira, constam poucos exemplos de literatura fantástica e/ou alegórica.



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Literatura calcada na realidade também pode ser diferenciada de literatura de denúncia. Esta, na qual podemos enquadrar a obra de Jáder de Carvalho, teve uma ampla divulgação no Brasil principalmente no período do regime militar, instaurado em 1964. Nesse período, a crítica literária brasileira estabeleceu que, com a censura instaurada nos órgãos de imprensa, os jornalistas recorreram à literatura, menos vista pela censura, para canalizar suas produções proibidas nos jornais. (Cosson, 2007).

Rildo Cosson (2007) argumenta um equívoco na crítica literária brasileira ao anunciar que os romances-reportagens, surgidos na década de 70 no País, tiveram dois aspectos determinantes: a censura militar e a influência do Novo Jornalismo, disseminado no Brasil graças à publicação de A Sangue Frio, de Truman Capote, em 1966. Para Cosson, esses dois elementos não tiveram tanta influência. Lúcio Flávio, o passageiro da agonia, de José Louzeiro, foi, na análise de Cosson, o primeiro romance- reportagem brasileiro, publicado em 1976. Tratava-se de período já mais “amansado” na ditadura militar. Além disso, por meio de pesquisa em entrevista e numa análise textual, o crítico constata haver pouca relação entre os estilos de Capote e Louzeiro.

No caso de Aldeota, temos um caso extremamente peculiar: o livro foi publicado anterior ao golpe militar e também anterior à distribuição de A Sangue Frio no Brasil. Há sem dúvida, uma mistura entre os códigos jornalísticos e literários, mas seria exagero dizer que o romance se enquadra na perspectiva do Novo Jornalismo e muito menos que Jáder teria escolhido o livro, em vez do jornalismo, para fugir das possíveis censuras militares. Onde então enquadrar a obra de Jáder, já que não se pode considerar Aldeota como um simples romance, por beber de fontes jornalísticas e, principalmente, ter causado incômodo às elites fortalezenses ao divulgar informações verdadeiras sobre o processo de contrabando no Ceará, envolvendo políticos e empresários?

No texto Rebelde Para Sempre (O POVO, 2005, p. 05), Gilmar de Carvalho considera que Jáder de Carvalho partiu do factual para “reinventar nossa realidade em forma de ficção”. O crítico cultural cearense considera que Aldeota pode ser conceituado como um romance à clef, “onde os nomes são trocados para nos dar um painel onde literatura e jornalismo se imbricam”. Gilmar de Carvalho continua o texto dizendo que “o velho jeito de fazer jornal parecia defasado mas, levado para o romance, estava em dia com as tendências do New Journalism e Jáder sempre se renovava”.

Já destacamos a inviabilidade de Jáder de Carvalho ter sido influenciado pelo Novo Jornalismo, porém, o texto de Gilmar de Carvalho nos oferece uma brecha de análise: o romance à clef. Este gênero não é nada novo na história da literatura



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brasileira. Lima Barreto, quando publicou Recordações do Escrivão Isaías Caminha, em 1909, comprou uma enorme briga com o jornal Correio da Manhã, ao denunciar os bastidores deste jornal (Costa, 2005). No Ceará, temos o exemplo do romance de Missisipi, romance de pouca repercussão, publicado em 1961 por Gustavo Barroso, contemporâneo de Jáder. Poderíamos também acrescentar o livro A Normalista, de Adolfo Caminha, de 1893, quando este criticou acidamente a província cearense por valorizar de forma exacerbada o seu governador, na época, por ser paulista.

No romance à clef, no entanto, o espaço da ficção é extremamente amplo, diferente de Aldeota, no qual a ficção, conforme demonstra a fala de Jáder de Carvalho, está exclusivamente a serviço de denunciar os fatos. Isso pode ser verificado tanto no depoimento de seu filho, Cid de Carvalho, ao informar a veracidade de todos os personagens do romance, como na própria escrita de Jáder, ao se autodenominar produtor de um jornalismo e de uma literatura punitiva.

E o jornalista é um homem. E o romancista é também um homem. Por isso, os meus artigos, às vezes, não perdoam a inimigos pessoais e políticos. Por isso, os meus romances trasladam para as suas páginas os ladrões particulares e públicos, os contrabandistas, os juízes salafrários, os governantes desonestos e atrabilários. Estarei errado? (Carvalho, 1981, p. 62).

Talvez poderíamos pensar em uma literatura jornalística ou uma literatura informativa? Cristiane Costa (2005), ao desenvolver uma ampla pesquisa sobre a história de jornalistas escritores e escritores jornalistas, constata que o grande diferencial entre jornalismo e literatura reside na linguagem. Na literatura, a palavra não pode ser vista como portadora de informação, mas de significação. Na literatura, porém, imaginação e a memória (pessoal e/ou literária) atuam o tempo inteiro (Carvalho, 1981, p. 202).

Jáder, por seus inúmeros depoimentos, não está preocupado especificamente com a significação da palavra. Sua escrita literária é, antes de tudo, informativa. Em matéria publicada no Jornal O POVO, na ocasião dos 20 anos de morte de Jáder de Carvalho, o dramaturgo cearense Eduardo Campos apresenta uma fala lúcida que coaduna com a nossa argumentação:

Com Aldeota, Jáder deixa de ser romancista, para se transformar num panfletário. Trabalhar com personagens vivos deixa a marca da circunstância. Jáder era grandioso, um dos maiores poetas de sua época. Mas o romancista perdeu, diante de sua vontade de atingir. (O POVO, 2005, p. 09)

Jáder, ao escolher a denúncia, demonstra não estar preocupado com o cânone literário. Foi justamente na poesia, onde menos exerceu a crítica social, que teve sua melhor divulgação na literatura cearense. Porém, a dúvida acerca de sua obra Aldeota



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permanece: por que, mesmo buscando um texto informativo, não se revela os nomes dos

personagens envolvidos na trama do romance?

4. Calou-se a tuba do índio na Aldeota

De manhã, Chicó abre o jornal A Voz do Povo, “no qual se apontava, com extrema exatidão, o roteiro da fraude fiscal”. Chicó, desesperado, perguntou ao colega quem era o dono daquele jornal. O amigo Facão responde: “É um doido e vai às últimas”. Os dois contrabandistas descobrem que o jornalista, cuja identidade não se revela, possui um informante próximo aos corruptos, e que, em breve, poderá publicar a lista dos principais envolvidos na sonegação de impostos em Fortaleza.

O trecho relatado encontra-se no 13o capítulo de Aldeota. O livro traça principalmente a biografia de Chicó, menino nascido no interior do Ceará que se tornou comerciante por vocação e conseguiu fazer fortuna num espaço de tempo muito ligeiro. O livro, até o seu 12o capítulo, é praticamente inofensivo. O protagonista viaja o Ceará inteiro e se encontra com diversos personagens da história política do Ceará: Padre Cícero, Floro Bartolomeu e Justiniano de Serpa. Os últimos capítulos do romance, no entanto, revelam o esquema de contrabando de carnaúba, linho e peles silvestres, comandado por empresários e políticos cearenses. Predomina então personagens ficcionais, cujos nomes citados na narrativa não podem ser encontrados em documentos que comprovem suas existências. O narrador dá voz à personagem Catarina, esposa de Chicó, que, em seu diário, descreve os passos da fortuna do marido e a migração do Benfica, bairro central de Fortaleza, para uma mansão na Aldeota.

Quando o romance foi lançado, o bairro já estava consolidado como uma das áreas mais nobres de Fortaleza. Nos jornais da década de 60, anúncios publicitários apresentavam a região como um local aristocrático, onde o sol nasce mais cedo e possui um clima privilegiado. É lá onde Chicó e Catarina, junto com outras famílias contrabandistas, vão morar. Lá, se constrói o Castelo do Plácido, com edificações ostentadoras para que toda a cidade visse os novos ricos.

Penetramos no Castelo. A impressão que eu tive foi verdadeiramente esta: pisar num tapete de nuvens, pois os tapetes vistosos, fofos e macios engoliam os ruídos que os nossos pés produziriam em qualquer outro ambiente. Deslumbrei-me na sala de visita, quase desmaiei na sala de jantar, tamanho o luxo. E a alcova! E os quartos das crianças! E a sala de fumar!

- Parece o palácio de um príncipe! – cochichei no ouvido de Chicó.

Meu marido deu um muxoxo:



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- É mania de se mostrar. Não havia necessidade de tanta riqueza. Nós temos mais recursos do que ele, mas nem pensamos em tanta tolice.

Na Sala das Musas, o meu espanto ultrapassou os limites. Várias eletrolas, rica e enorme prateleira de discos, em seções marcadas por títulos assim: „Canções Italianas‟, „Clássicos‟, „Samba‟, “Bolero”, „Rumba‟. Na biblioteca, em riquíssimas estantes, autoresfranceses, ingleses, italianos, brasileiros, portugueses, em capas douradas. Na Sala de Meditação, topamos ar refrigerado (Carvalho, 2003, p. 347).

O Castelo do Plácido fez parte da paisagem urbana de Fortaleza até a primeira metade da década de 70. O termo castelo não era em vão. Tratava-se de uma propriedade privada monumental, situada no coração da Aldeota, onde hoje funciona uma feira de artesanato e ainda há resquícios de sua arquitetura. O prédio foi alvo, na cidade, de muitas lendas e narrativas. No romance, Jáder de Carvalho apresenta o seu atual dono como Napoleão, nome digno de um morador de castelo ou palácio.

Ao penetrar no Castelo, Jáder denuncia a riqueza e luxo dos moradores daquele bairro. No entanto, essa seria uma das críticas mais sutis de seu romance. No mesmo romance, surgem dois personagens, empresários contrabandistas, eleitos para o legislativo, com a finalidade de colaborar com a “categoria”, principalmente nas fiscalizações das alfândegas e nas taxas tributárias. Embora não identifique os nomes, não é difícil de localizá-los. No dia 30 de setembro de 1962, o jornal Unitário publicava a matéria titulada: Jereissati envolvido em novo escândalo! O texto partia de uma denúncia feita por um jornal carioca de que o senador Carlos Jereissati, pai do ex- senador Tasso Jereissati, conhecido como “homem do linho”, havia conseguido ilicitamente todos os contratos do governo do estado para a construção de um projeto habitacional para trabalhadores urbanos. Embora Aldeota não traga como referência esses contratos específicos, não é também por mera coincidência que o político eleito no romance seja contrabandista de tecido.

A riqueza jornalística de Aldeota encontra-se, no entanto, em seu último capítulo, quando se anuncia a Marcha do Pirambu, já descrita no início deste artigo. Jáder descreve a situação com informações semelhantes aos jornais:

Em Fortaleza, um bairro passava a merecer a atenção dos jornais, chegando a quebrar a indiferença da população pelos problemas urbanos quase todos relegados a segundo plano. Esse bairro era o Pirambu – enorme aglomerado de casebres de casuchas, de choupanas, avizinhadas aqui e ali de pequenos chalés graciosos, de modesta imitação de bangalôs. O vigário não se conformava com a miséria reinante. E, de lápis em punho, contava os tuberculosos, os mendigos, os desempregados, os velhos sem amparo, as crianças que



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morriam aos magotes. Chamava a esses desgraçados o seu povo

(Carvalho, 2003, p. 409).
A Marcha do Pirambu teve inúmeras inserções na imprensa local, mas não em

todos os veículos de comunicação. Jáder destina quase trinta páginas de seu romance inteiramente a este conflito. Os flagelados do Pirambu ao acamparem nas proximidades da Aldeota provocavam um incômodo aos seus moradores. Os manifestantes reivindicavam melhorias de vida e desejam cuidados semelhantes aos recebidos pelos novos ricos alojados no aristocrático bairro.

Se apropriando da realidade, Jáder, no seu apelo marxista, desenha um verdadeiro conflito de classe, entre trabalhadores e patrões. No romance, o conflito se personaliza muito mais na personagem Catarina, esposa de Chicó, que não concorda com a forma com a qual o marido subiu financeiramente de vida, mas também não tem coragem de abandonar a situação de riqueza vivenciada.

Neste momento final do romance, um fato curioso desembesta na análise da narrativa. Surge o personagem Padre Hélio, o vigário, responsável pela manifestação, que estava ganhando o apoio de alguns jornais, conforme revela o romance e confirmado pelos jornais consultados. Porém, ao contrário dos contrabandistas, Jáder de Carvalho não poupa a identidade de Padre Hélio. Ele aparece com o seu nome real, sem pseudônimo, diferente dos personagens contrabandista. Esse elemento pode nos servir de pista para entender como se dá a diferenciação entre personagens “verdadeiros ou ficcionais” neste romance.


5. Considerações finais e o início de uma investigação

Como ressaltei, este é um primeiro ensaio de uma pesquisa sobre o jornalista Jáder de Carvalho e seu romance Aldeota. As questões que norteiam minha curiosidade são basicamente duas: Jáder de Carvalho apresenta um novo gênero ao utilizar do elemento da ficção para realizar suas denúncias? e sendo um romance fora do período da ditadura militar, sem as vistas da censura, por que não se revela os nomes de seu livro, uma vez que se apresenta como todo “factual”?

Sobre a primeira, já rascunhei a possibilidade de pensarmos uma “literatura jornalística”, uma vez que o principal propósito do romance não é ficção, mas denunciar o esquema de contrabando no Ceará. A resposta dessa questão, obviamente, não é definitiva, mas nos leva imediatamente à segunda pergunta. Se o propósito era a denúncia, por que esta se esconde no manto da ficção?



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Arrisco alguns palpites, ou se preferir, hipóteses. A primeira ideia é de que Jáder de Carvalho tenha poupado um embate ainda maior com as elites do Ceará. Quando realizei entrevista com Cid de Carvalho, este revelou que embora soubesse todos os nomes do livro, preferia não revelar, para não se comprometer. A denúncia nominal necessitaria de provas concretas, as quais eram possíveis que Jáder de Carvalho não as tivesse. Como o próprio romance aponta, o jornalista, sem sequer identidade ficcional revelada e que seguramente se trata de Jáder, possui um informante inserido entre os grandes contrabandistas, mas não há referências a provas ou documentos.

Outra possibilidade que, na verdade, reforça a primeira aposta é de que o romance se tornaria mais “interessante”, justamente por carregar esse mistério de quem seria os tais contrabandistas. No imaginário do estado do Ceará, sabe-se que boa parte das fortunas de sua elite fora construída na base do contrabando. É algo como “todo mundo sabe, mas ninguém comenta”. Nesse aspecto, a ousadia de Jáder foi tornar público e escancarar os esquemas, mas se poupando de uma possível prisão ou, quem sabe, alguma retaliação ainda maior. Ao esconder os nomes, ele poderia atribuir ao romance duas virtudes: teria a garantia da realização de sua denúncia e irritaria profundamente a elite envolvida. Esta, por sua vez, não poderia fazer nada contra o jornalista, afinal, estamos falando de um romance, de uma ficção. O nome de Padre Hélio foi revelado, provavelmente, para dar um tom mais verossímil ao seu romance e, também, por este não representar uma ameaça, mas um aliado.

São dúvidas que merecem um cuidado maior, uma investigação mais cuidadosa. O que podemos afirmar nestes escritos iniciais é de que Aldeota, reconhecido como um romance importante para a história da literatura cearense, pode servir para refletir a história do jornalismo do Ceará e também como fonte de pesquisa para estreitar a inesgotável discussão entre jornalismo e literatura.

Referências e fontes:

6 CENTROS de Cultura, 10 Parques Infantis, Esgoto Para Aldeota, Anuncia VT. Unitário, Fortaleza, 08 de agosto de 1963, p. 01.

ARAÚJO, F. Fortaleza Desnuda. Jornal O POVO. Fortaleza, 24 de agosto de 2003. Vida & Arte, p. 01.

CARVALHO, C. Cid de Carvalho, entrevista em janeiro de 2011. Entrevista concedida ao autor deste artigo para este artigo.



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CARVALHO, G. Rebelde Para Sempre. Jornal O POVO. Fortaleza, 07 de agosto de 2005. Vida & Arte, p. 05.

CARVALHO, J. Aldeota. Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 2003. _______________. Meu passo na rua alheia. Fortaleza: Terra do Sol, 1981.

COSSON, R. Fronteiras Contaminadas: literatura como jornalismo e jornalismo como literatura no Brasil dos anos 1970. Brasília: Editora UNB, 2007.

COSTA, C. Pena de Aluguel: escritores jornalistas no Brasil 1904-2004. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

FACINA, A. Literatura & Sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. FISCHER, L. A. Literatura Brasileira: modos de usar. Porto Alegre: L&PM, 2007.

JÁDER de Carvalho Autografou “Aldeota”. Jornal O POVO. Fortaleza, 07 de agosto de 1963, p. 02.

JEREISSATI envolvido em novo escândalo. Unitário, Fortaleza, 30 de setembro de 1962, p. 08.

LEAL, A. B. Jáder de Carvalho. Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 2000. LITERATURA Punitiva. Jornal O POVO. Fortaleza, 07 de agosto de 2005. Vida &

Arte, p. 09.

MONTENEGRO, J. A. Jáder de Carvalho e o Diário do Povo. Fortaleza: Armazém Cultural, 2011.

NASCIMENTO, F. S. Jáder de Carvalho realiza ficção revelando enigmas da Nova Aldeota. Jornal O POVO. Fortaleza, 11 de agosto de 1963. p. 11.

NOBRE, G. da S. Introdução à História do Jornalismo Cearense. Fortaleza: Nudoc, 2006. (edição fac-similar).

UMA PRODUÇÃO Cearense na TV. Jornal O POVO. Fortaleza, 18 de agosto de 1985, Segundo Caderno, p. 01.

WOLFE, T. Radical Chique e o Novo Jornalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

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