SABERES TRANSDISCIPLINARES E ORGÂNICOS.

terça-feira, 7 de agosto de 2018

Pag 22- Lições de Issacs





Outras lições iriam apreender na escola! Lições de Isaacs .


Ao acordar pela manhã mais uma vez para ir a aula, sentia um grande desconforto, ou melhor, insegurança. Sabia que naquele dia aprenderia mais alguma coisa e esse aprender mudaria mais uma vez a minha vida...

Lembrava que a primeira vez que tive a consciência de que aquele lugar onde brincava, longe de minha casa, era uma escola, foi quando comecei a aprender a ler e escrever. Como para qualquer pessoa, aquilo era muito importante, pois até então apenas escutava a fala das outras pessoas e nada do que eles faziam ou pensavam quando estavam lendo ou escrevendo. Queria além de ler e escrever, saber os significados das palavras que as pessoas escolhiam para falar, pois assim conheceria muito mais sobre elas. Neste ponto, minha professora Rita tinha um truque especial...

- Bom Dia, crianças! Exclamou Rita!
- Bom Dia! Todos responderam
- Hoje vamos ter uma aula diferente. Precisamos ampliar nosso vocabulário. Tudo Bem?...
- Tudo Bem, respondemos...
- Mas afinal o que é “tudo bem”, para vocês? Indagou Rita...
- O silêncio ficou no ar. Pela primeira vez na vida daqueles alunos eles pensavam um pouco sobre o que falavam sem pensar.
Começavam a despertar para o mundo e a perceber que às vezes ou quase sempre fazemos coisas apenas como mero ato de repetição...
A professora continuou...

- Pois Bem, eu vou escrever uma palavra e gostaria que todos vocês escrevessem uma redação tendo por tema o significado desta palavra. Certo? Depois eu vou pedir que alguns de vocês venham até aqui para ler suas redações. De preferência aqueles que tem atribuído significados diferentes a esta mesma palavra. Não quero que vocês imaginem nada, apenas escrevam o quanto puderem sobre o significado desta palavra para vocês! A palavra é justiça! Vocês têm 25 minutos!

O tempo é relativo, todos nós sabemos! Isto significa que naquele momento, o que demoraria 25 minutos, poderia tornar-se uma realidade absoluta durante toda a vida de Isaac. Assim começava aquele ritual de compreender os significados das palavras, a partir dos valores de quem as expressa, do seu projeto de vida e de como vê o mundo. Enfim de sua ideologia marcada por demasia pelo lugar ou esconderijo que ocupa e por seus atos. Assim poderia ver naquele momento e, em especial, o significado para aquelas crianças do que era justiça.
Poderia ser verdade, beleza, liberdade, ética, se saísse da mesma boca, como, por exemplo, da de Isaac, teriam quase sempre o mesmo significado, pois o seu projeto de mundo, os seus valores que davam sustentáculo às suas palavras era concreto, integrado, múltiplo e consistente em seus atos!

Ao final do tempo, iríamos esboçar uma pequena noção daquela palavra, fruto da nossa infância. Era este o inicio da busca que empreenderíamos durante toda a nossa vida.
Buscamos significados, para as palavras que consideramos mais importantes para as nossas vidas. Durante a juventude passaremos da noção para o conflito de significados, que enquanto crianças representavam sonhos e agora a realidade gera conflito de valores. Nós e o mundo objetivo, o que existe e o que podemos criar, o que aceitamos e não aceitamos, a fé para mudar...

Como adultos já não definiremos as palavras, mais as nossas vidas! Pois a palavra terá se transformado em conceito do sistema de vida que levamos e do qual temos uma lógica de idéias que carregamos conosco pelo labirinto da verdade. Mais já diziam alguns filósofos: “a verdade é a perfeição!” Alguns artistas, como Renato Russo, afirmavam: “Sonhos vem, sonhos vão o resto é imperfeito”.

Lá estavam eles na sala de aula com a professora Rita, quem seria o primeiro a ler a sua redação?

Michel se levantou e pediu licença para começar. Adiantou que havia pensado mais que escrito e não podia falar muito sobre justiça, poderia dar exemplo do que havia analisado como atos justos.

Lembrou-se do que havia feito Salomão, quando duas mulheres se diziam mãe de uma mesma criança. Salomão viu que não conseguiria descobrir a verdade, para assim fazer justiça, se não usasse da seguinte estratégia. Anunciou que cortaria a criança ao meio. Neste momento, a mãe verdadeira entregou a criança à outra mulher, afirmando que preferia que a criança ficasse com ela. Assim, o rei descobriu a verdade e fez justiça, deixando a criança com a verdadeira mãe, a que provou seu maternal amor. Mesmo que para isto entregasse seu filho, impedindo-o de morrer! Observamos com esse fato que a justiça é uma palavra vazia, que necessita de fatos, sentimentos, para que ela possa ganhar conteúdo e nada pode defini-la previamente.

Puxa que legal! Levantou-se Bin, mais o meu significado é diferente e minha história também. Todo domingo vou à Missa com os meus pais. Lá na Igreja se fala muito sobre a justiça de Deus! A qual acredito, por exemplo, todos nós já ouvimos falar sobre a arca de Noé, que garantiu a sobrevivência de nossa espécie, para que a justiça de Deus fosse feita, a Terra, foi inundada através do Dilúvio, que matou toda a vida humana, com exceção daqueles que estavam na Arca. Eles não seguiram os Mandamentos de Deus, e fizeram todos os males, os quais Deus puniu com a sua justiça, ou seja, a sua vontade!

Todos já estavam bastante interessados no assunto, pois além das histórias serem interessantes, os nossos maiores interesses era descobrir qual o significado que cada um dos colegas daria à palavra justiça!

A professora Rita levantou e pediu que Nicolau lesse a sua redação! Nicolau em tom solene com voz alta como sempre. Iniciou o seu discurso ou sua redação!

“Bem, lá no edifício em que moro, existe uma quadra de futebol, onde jogamos bola todo final de tarde. É sempre uma confusão para ver quem joga primeiro. Tomei a iniciativa de definir a regras. Agora jogam primeiro, os mais velhos, em caso de empate quem tiver chegado primeiro. Como podem perceber foi feito justiça. Eu, por ter ajudado a organizar, controlo para que tudo aconteça dentro das regras e ninguém seja injustiçado! Justiça é poder definir regras que facilitem o nosso convívio”.

Muito bem Nicolau! Parabenizou David que estava sentado ao seu lado e falou.
- Professora posso ler o meu? É bem pequeno mais fácil de entender.

- Pode ler, David.

“Bem! Recentemente economizei cinqüenta reais de minha mesada e comprei todo de material para fazer travinhas de futebol, mas não tendo tanta habilidade para fazer isto e nem tempo, contratei alguns meninos pobres que moram lá perto de casa, para que fizessem o serviço. Se fizessem dez travinhas, daria uma a eles e esses aceitaram! Foi a maneira que encontrei de ser justo com eles, recompensando o seu trabalho. Vendi as outras nove e ganhei cem reais, fui justo comigo também!”

Foi neste momento, que Isaac resolveu falar, também queria dar a sua contribuição, porém não tinha escrito nada, só observava, sentia, tentava entender o que acontecia naquela sala e assim começou a falar...

Bem, muito do que vocês falaram até agora é bastante polêmico, fiquei com algumas dúvidas sobre o que é justiça. Eu, por exemplo, já rasguei a minha redação duas vezes, pois quando começo a pensar e a escrever sobre justiça só consigo lembrar de meu pai me levando ao circo e minha mãe me beijando. Não sei explicar, apenas sinto que são momentos que vejo a justiça de perto. Quando minha mãe me beija e me acaricia, sinto que para mim e para ela, aquilo que estamos fazendo é bom. Nós dois concordamos que o beijo, o carinho nos agrada e nos faz felizes! Eu não conseguiria explicar, mas apenas dizer que a justiça é algo muito próximo do amor pelo outro, como amamos a nós mesmo só podemos dizer se algo é justo, quando podemos sentir na pele do outro, a nossa atitude... É assim que vejo justiça...

Todos ficaram quietos, o silencio invadiu a sala. Nem ao menos ficamos tristes ou alegres com suas palavras, foi como estivéssemos ouvindo algo que já sabíamos!

Depois Amy, com sua voz suave, falou que justiça era a beleza! Onde esta predominasse, se estaria fazendo justiça! Ela começou a citar o último livro que estava lendo: “Peter Pan”, que enfrentava todos perigos, o capitão gancho e vencia! Considerando que Peter Pan era belo e jovial, todos queriam a sua vitória. A vitória dele era justa como a de “Robin Hood”, que, apesar de ser assaltante, ajudava os pobres! Isto são belos, eles e seus feitos. Todos querem ser Robin Hood e Peter Pan. Não é verdade? E se eles fossem feios e não vencessem, vocês queriam ser eles? A justiça é o belo!

Renata ficou calada. Ela nunca havia pensado em justiça, sempre fez o que quis, o que lhe desse mais prazer ou que dissessem que daria. A idéia de justiça não estava muito presente em suas aventuras, afinal roubar a goiabeira da vizinha, era atraente, pelas goiabas e pelo perigo. Brincar do jogo do copo poderia não ser justo com os espíritos, mas ela queria conhecer esses limites. Descer com sua bicicleta em alta velocidade, pela ladeira, sem parar para atravessar a rua era emocionante, justo demais pela adrenalina que extravasava. Para ela só quem corre todos os riscos é justo. Isso ela contou a mim, depois disse que iria causar muita polêmica e seu ouvido preferia ter prazer escutando musica alta a conselhos da professora! Ligou o seu walk-man e fez que ouvia aquele debate!

Não achávamos precipitada essa infância muito intelectual, você não imagina o que as crianças hoje estão fazendo. Elas se forem bastante estimuladas, quebrarão os limites que antes chamávamos de épocas das brincadeiras, mas a maioria dos adultos brinca mais com a vida, a sua e a dos outros, do que quando criança! E o pior, acreditam que é coisa seria, que não esta brincando...

Esse velho diário já me dizia: “O juízo final pode ser apenas uma criança sozinha escolhendo os seus melhores brinquedos”. E quanto uma educação critica e criativa faria diferença sobre a formação de Isaacs e o poder da liberdade de construírem sus mundos.

Como esta frase “O juízo final pode ser apenas uma criança sozinha escolhendo os seus melhores brinquedos” existem outras todas soltas, escritas esporadicamente entre uma pagina e outra.

Fico surpreso porque ao escrever sobre a minha infância, elas acabam se encaixando perfeitamente sobre o que estou falando. Parece que o e-book, o baú e o mar que abrigaram durante muito tempo esse diário, deram-no vida. Ele fala por muitas gerações que virão e, um dia, voltarão ao mar! O método e o ritmo que seguimos é o da vida, ora poesia, manifestos, perguntas, reflexões e histórias a contar...

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