SABERES TRANSDISCIPLINARES E ORGÂNICOS.

terça-feira, 9 de setembro de 2025

Aprendizagem na Teia do Tempo: Para Além da Matrix do Conhecimento Imediato por Egidio Guerra.




Em um mundo dominado pelo fluxo contínuo de informações superficiais, onde o conhecimento é frequentemente confundido com a digestão rápida de manchetes e algoritmos que reforçam nossas crenças, a verdadeira aprendizagem exige uma revolução interior. Ela demanda que adotemos uma profundidade e uma perspectiva histórica de longo prazo, tornando-nos arqueólogos do saber, não apenas consumidores passivos de conteúdo. 


Ilya Prigogine, Nobel de Química e filósofo da ciência, nos legou uma chave mestra para entender esse processo: o mundo não é um relógio previsível, mas um sistema complexo, cheio de incerteza, caos e irreversibilidade. A seta do tempo não volta atrás. O conhecimento, uma vez gerado, uma vez perdido, ou uma vez distorcido, altera irreversivelmente o curso da história. Não podemos "desaprender" uma descoberta científica ou apagar da alma coletiva o trauma de uma guerra. Essa irreversibilidade nos impõe uma responsabilidade imensa sobre o que escolhemos aprender, preservar e valorizar. 


Diante desse panorama, a pergunta central se impõe: o que chamamos de realidade? 

Ela é, em grande medida, uma "matrix" construída – não no sentido conspiratório de máquinas que nos plugam, mas no sentido sociológico e epistemológico de uma narrativa hegemônica. É um consenso forjado por séculos de escolhas sobre qual conhecimento é válido, qual história merece ser contada e qual voz merece ser ouvida. 

  • Quantos saberes sobre a Terra estão escondidos debaixo das geleiras? Literalmente, os micróbios ancestrais, os gases presos no permafrost, os segredos do clima passado que desvendaríamos com seu derretimento. Metaforicamente, são os conhecimentos das culturas que vivem em sintonia com os ciclos naturais, ameaçados de extinção tanto quanto o gelo. 


  • Quantos estão escondidos em nossa alma? São as intuições, a sabedoria corporal, os traumas ancestrais não processados, a conexão inexplicável com certos lugares e artes – formas de saber que a racionalidade ocidental hegemônica frequentemente marginaliza. 


  • E nas pequenas histórias da humanidade que a mídia não pauta? São as narrativas dos vencidos, das mulheres anônimas, dos povos originários, dos operários que construíram os impérios. São as micro-revoluções cotidianas de gentileza, resistência e criatividade que não viram notícia, mas que são o verdadeiro tecido da história. 

O que os Governos (e as estruturas de poder) buscam esconder? Eles não escondem necessariamente uma "verdade" única, mas sim a complexidade. Escondem a fragilidade de seus modelos, os custos humanos de seu progresso, as alternativas viáveis que desafiam seu controle. A simplificação excessiva é uma ferramenta de governo. O caos e a incerteza, que Prigogine via como fator de criação, são apresentados como inimigos a serem dominados pela força de uma narrativa única e ordenada.


 

Diante disso, o que podemos fazer para gerar nosso poder do conhecimento, liberdade, independência intelectual, capacidade crítica e imaginação? 

  1. Adotar a Lente da Longa Duração (Longue Durée): Estudar qualquer assunto – da economia à ecologia – não a partir do último trimestre, mas do último milênio. Compreender os processos lentos e profundos (como a mudança climática ou a evolução das línguas) que dão forma aos eventos superficiais que dominam as manchetes. 

  1. Praticar o "Pensamento da Floresta": Ir além de um único saber. Um problema complexo como a crise ecológica exige a biologia, mas também a antropologia, a economia, a filosofia e a poesia. O conhecimento verdadeiramente profundo é transdisciplinar, tecendo fios entre ciência, arte e espiritualidade. 

  1. Cultivar a "Ecologia dos Saberes": Como propõe Boaventura de Sousa Santos, valorizar os conhecimentos não-científicos: o saber popular, o conhecimento intuitivo, as tradições orais. Não para substituir a ciência, mas para dialogar com ela, enriquecendo nossa compreensão do mundo. 

  1. Aceitar a Incerteza como Matéria-Prima: Em vez de buscar respostas definitivas e absolutas, desenvolver a musculatura para navegar na ambiguidade. Fazer perguntas melhores, não correr atrás de respostas fáceis. A incerteza, lembra Prigogine, é o espaço da liberdade e da inovação. 

  1. Virar Arqueólogo da Informação: Não aceitar a primeira versão. Buscar a fonte primária, o contexto histórico, a versão do "outro lado". Questionar sempre: "Quem ganha com essa narrativa? O que está sendo deixado de fora desta história?" 

  1. Exercitar a Imaginação Radical: Se a realidade é construída, podemos desconstruí-la e reconstruí-la. A imaginação não é fuga; é uma ferramenta cognitiva crucial para visualizar futuros alternativos que não estão contidos no presente. É o antídoto para o fatalismo. 


O poder final, portanto, não está em acumular informações, mas em desenvolver a capacidade de tecer– tecer o passado com o presente, a ciência com a poesia, a certeza com a dúvida, a grande história com as pequenas narrativas. É nesse tecido complexo, irreversível e caótico, que encontramos a verdadeira liberdade: a de sermos co-criadores ativos do conhecimento e, consequentemente, da realidade que habitamos. 


 

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