SABERES TRANSDISCIPLINARES E ORGÂNICOS.

segunda-feira, 29 de setembro de 2025

Como evitar comer microplásticos presentes na nossa comida.

 

Mulher levando pedaços de plástico colorido à boca com uma colher branca

Crédito,Getty Images

    • Author,Ally Hirschlag e Martha Henriques
    • Role,BBC Future

Você não consegue vê-las, mas elas estão ali: centenas de minúsculas partículas de plástico se escondem no seu bife.

Assim que você acende o fogo, esses convidados indesejados se liquidificam e se misturam na carne, voltando ao estado sólido quando o bife esfria no seu prato.

O plástico não está presente apenas na carne. Na verdade, nós o ingerimos sem saber o tempo todo.

Esses intrusos que invadem nossa comida são os microplásticos e nanoplásticos — partículas de menos de 5 mm ou entre 1 e 1 mil nanômetros, respectivamente.

Mas como eles chegam aos nossos alimentos? E, em um mundo mergulhado em plástico, o que podemos fazer para reduzir sua presença no nosso prato?

A presença física dos microplásticos no corpo é de grande interesse, devido à sua enorme prevalência. Um estudo recente descobriu que existe até uma colherada de plástico no cérebro humano médio.

Se você olhar com mais atenção para a sua cozinha, começará a identificar de onde vêm os microplásticos que entram na nossa refeição: da espátula que você usa para cozinhar, da garrafa d'água que você coloca na mochila do seu filho, da xícara de chá que vai à mesa.

E eles também estão infiltrados profundamente nos alimentos que comemos, do hambúrguer até o mel.

Quando você começa a procurar, a quantidade de pontos de exposição aos microplásticos pode rapidamente se tornar assustadora. Mas é importante saber que é possível tomar medidas para reduzir a quantidade de microplásticos na nossa cozinha.

"Existem muitas soluções simples em casa, realmente fáceis de adotar", explica a professora de pediatria e ciências da saúde ambiental e ocupacional Sheela Sathyanarayana, da Universidade de Washington e do Instituto de Pesquisas Infantis de Seattle, nos Estados Unidos.

"Realmente acho que isso oferece às pessoas uma sensação de controle sobre suas próprias vidas e, de fato, temos um pouco mais de controle do que imaginamos."

Comida

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Os microplásticos estão presentes nas frutas, legumes, verduras, mel, pão, laticínios, peixe e carne de vaca e frango. E também estão dentro das gemas (e das claras) dos ovos.

Um estudo realizado em 109 países concluiu que a quantidade de plástico normalmente consumida pelas pessoas em 2018 aumentou em mais de seis vezes, em relação a 1990.

Os microplásticos podem chegar aos nossos alimentos quando são absorvidos pelas raízes das plantas ou consumidos pelos animais na sua ração.

"Se você cultivar um pedaço de terra que, antes, tinha uso industrial e o solo está contaminado, [existe o] potencial de acúmulo dos contaminantes do solo nas plantas", explica Sathyanarayana.

Após a colheita, existem muitas outras oportunidades de contaminação durante o processamento. "As fábricas usam uma enorme quantidade de plástico para aumentar a eficiência e o rendimento dos produtos."

No caso de certos alimentos, é possível nos livrarmos de parte dos microplásticos antes de ingeri-los.

Um estudo realizado na Austrália concluiu que as pessoas consomem tipicamente 3 a 4 mg de plástico por porção de arroz cozido em casa e até 13 mg por porção de arroz pré-cozido. Foram encontrados microplásticos em arroz embalado em papel e em sacos plásticos.

Mas os pesquisadores descobriram que enxaguar o arroz reduz os microplásticos servidos em 20 a 40%. E lavar a carne e o peixe também pode reduzir os microplásticos, mas não eliminá-los completamente.

Mulher retira uma garrafa plástica de água mineral da gôndola de um supermercado

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,Estudos recentes demonstram que a água engarrafada contém mais partículas de microplástico do que se pensava

Existem alimentos que não podem ser enxaguados. O sal, por exemplo, costuma conter microplásticos devido à contaminação dos pontos de mineração e processamento.

Um estudo de 2018 concluiu que 36 dentre 39 marcas de sal analisadas continham microplásticos.

O sal marinho continha os níveis mais altos de microplásticos, provavelmente devido aos altos níveis de poluição causada por plástico nos oceanosrioslagos e reservatórios de água do planeta.

Sathyanarayana e Annelise Adrian, responsável por programas da equipe científica de materiais e plástico do WWF, propõem passar a consumir alimentos frescos e integrais ou, pelo menos, evitar ultraprocessados sempre que possível.

"Quanto mais um alimento for ultraprocessado, mais provavelmente ele terá sofrido alta contaminação por plástico, pois existem muitos pontos de contato nas fábricas produtoras de alimentos", explica Sathyanarayana.

Reduzir a quantidade de plástico na cadeia alimentar exigirá muito mais do que as simples mudanças na nossa cozinha doméstica.

Globalmente falando, se a quantidade de fragmentos de plástico que polui o ambiente fosse reduzida em 90%, poderíamos reduzir pela metade a quantidade de plástico consumida pelas pessoas nos países mais afetados.

"O plástico é um ótimo material e é barato", afirma a bióloga marinha Vilde Snekkevik, pesquisadora de microplásticos do Instituto Norueguês para Pesquisas da Água.

"O problema é que, simplesmente, nós o usamos demais. Ele está em toda parte."

Água

Seja da torneira ou da garrafa, a água é outro ponto notável de exposição aos microplásticos.

Um estudo concluiu que o simples ato de abrir e fechar a tampa de uma garrafa plástica aumenta drasticamente a quantidade de microplásticos encontrada na água dentro dela. Cada abertura e fechamento gera 553 partículas de microplástico por litro de água.

"Estão surgindo estudos que demonstram que existem muito mais micro e nanoplásticos na água engarrafada do que se pensava anteriormente", segundo Adrian.

Os microplásticos também são presença comum na água da torneira. Um estudo realizado no Reino Unido encontrou partículas em todas as 177 amostras analisadas de água da torneira, sem diferença considerável de concentração com a água engarrafada.

Conclusões similares no continente europeu, na China, Japão, Arábia Saudita e Estados Unidos sugerem que este é um problema mundial.

Mas, se analisarmos as opções, beber água da torneira pode ser uma forma melhor de reduzir a exposição aos microplásticos, se a fonte da água for segura.

Adrian afirma que investir em um filtro de boa qualidade faz diferença considerável. Um simples filtro de carvão pode retirar até 90% dos microplásticos.

Mas, mesmo se a sua água contiver baixo teor de microplásticos e você for usar um saquinho de chá que contenha plástico na sua composição, saiba que ele pode liberar cerca de 11,6 bilhões de partículas de microplástico e 3,1 bilhões de pedaços de nanoplástico na sua xícara.

O plástico é frequentemente empregado em pequenas quantidades para ajudar a vedar os saquinhos de papel. Mas existem fabricantes que passaram a usar saquinhos sem plástico na sua composição.

Embalagens e recipientes

Existe também o plástico que embala grande parte da nossa comida.

"Os alimentos embalados em plástico, inevitavelmente, conterão microplásticos", explica Adrian. "Isso pode também incluir as latas de alumínio revestidas com plástico, como as de feijão."

O simples ato de abrir embalagens plásticas libera uma grande quantidade de microplásticos.

Seja usando uma tesoura, rasgando o pacote com as mãos, cortando com uma faca ou torcendo a tampa até retirá-la, você irá liberar até 250 pedaços de microplástico por centímetro, segundo um estudo australiano.

"É desnecessário lembrar que os processos repetidos de abertura na mesma posição são similares ao uso de uma serra, destinado a gerar fragmentos", destacam os autores do estudo.

A idade de um recipiente de plástico também pode fazer diferença.

Um estudo realizado na Malásia examinou tigelas reutilizáveis de melamina e concluiu que, após 100 lavagens, a liberação de microplásticos era uma ordem de magnitude maior do que na primeira vez em que a tigela era lavada.

Outros materiais, como o silicone, podem se comportar de forma diferente à medida que envelhecem.

Mesmo se o alimento ficar no recipiente por curto período, a possibilidade de contaminação ainda é grande.

Um estudo de microplásticos em diversos tipos de recipientes usados para delivery de alimentos na China estimou que as pessoas que consomem este tipo de refeição cinco a 10 vezes por mês podem consumir entre 145 e 5.520 pedaços de microplástico, provenientes dos recipientes que embalam esses alimentos.

Utensílios de cozinha de silicone, de diversas cores

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,O silicone é um tipo diferente de polímero encontrado na cozinha, que também pode se decompor em altas temperaturas

Utensílios de cozinha

Nós já tiramos nossos alimentos da embalagem ou recipiente. Agora, vem a preparação. E o ponto de partida de muitos pratos é a tábua de corte.

Um estudo examinou fatias de alimentos individuais preparadas em uma tábua de corte e estimou que 100 a 300 partículas de micro ou nanoplástico podem ser geradas por milímetro de corte.

Um estudo de 2023 calculou que um tipo específico de tábua, feito de polietileno, libera 7,4 a 50,7 g de microplásticos por ano. Outro tipo, de polipropileno, liberaria cerca de 49,5 g por ano.

Para se ter uma ideia, o peso aproximado de uma porção generosa de cereal matinal é de 50 gramas.

É preciso observar que este foi um estudo pequeno e que a liberação de microplásticos variou entre os tipos de tábuas e estilos de corte de diferentes pessoas. Afinal, a liberação dessa quantidade de plástico deixaria a sua tábua de corte em frangalhos após poucos anos de uso.

"Você começa a observar e, claro, pode ver [os entalhes] ali", explica Snekkevik, que publicou uma análise das fontes de microplásticos na cozinha em 2024.

"Mas, para onde foi o plástico? Ele tem que ter ido para algum lugar." E, às vezes, ele vai diretamente para o alimento que foi cortado sobre a tábua.

Pesquisadores dos Emirados Árabes Unidos relataram, em 2022, que a carne vendida em um açougue e em um supermercado continha microplásticos originários das tábuas de corte de plástico. Esses microplásticos derretem quando a carne é cozida e se solidificam novamente quando a refeição esfria.

Lavar completamente a carne por três minutos reduziu, mas não eliminou os microplásticos no seu interior, segundo os pesquisadores. E a análise de uma tábua de corte usada pelo açougue estimou que 875 g de plástico foram perdidos até o final da sua vida útil.

Estima-se que utensílios de cozinha antiaderentes desgastados também podem liberar milhares até milhões de partículas de microplástico, fazendo deles outra fonte subestimada de plástico na cozinha.

Até utensílios antiaderentes novos, usados com um batedor de silicone macio, liberam quantidades significativas de microplásticos.

Da mesma forma, misturadores e tigelas de mistura de plástico liberam partículas a cada uso. Bater gelo por cerca de 30 segundos, por exemplo, libera centenas de milhares de partículas de microplástico.

Frutas e legumes diversos, alguns deles cortados com uma faca, sobre uma tábua de corte de plástico

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,Tábuas de corte feitas de plástico liberam micropartículas durante o uso, indicam estudos

O silicone costuma ser indicado como alternativa mais segura que os utensílios de plástico. Mas Adrian afirma que não há evidências concretas que indiquem que este material libera menos microplásticos.

"Embora o silicone seja tecnicamente mais estável e suporte temperaturas mais altas que o plástico descartável, ele não elimina totalmente os problemas de lixiviação e microplásticos", explica ela.

Ainda assim, ela segue usando silicone na cozinha, devido à sua estabilidade.

Snekkevik destaca que o silicone, na verdade, se degrada ao calor muito alto.

"Por isso, ele certamente é uma boa alternativa e exigiria um pouco mais [que o plástico] para se fragmentar", segundo ela. "Mas eu não me sentiria confortável a ponto de dizer, sim, use sempre silicone."

Outras alternativas para certos utensílios de cozinha são o vidro e o aço inoxidável, destaca Snekkevik.

Existem também bioplásticos baseados em química verde. Eles são projetados para serem biodegradáveis (ao contrário do plástico tradicional), tanto no meio ambiente quanto no corpo humano.

"Essencialmente, o corpo evoluiu de forma a metabolizar os biomateriais e não para metabolizar materiais sintéticos", explica o professor de química prática para o meio ambiente Paul Anastas, da Universidade Yale de New Haven, nos Estados Unidos.

Anastas afirma que a química verde permite criar materiais plásticos com menos riscos. "Ela é benéfica por definição", segundo ele.

Mas muitos plásticos, como canudos de ácido poliláctico, são apregoados como biodegradáveis, o que não é verdade.

Às vezes, esses plásticos simplesmente se fragmentam em microplásticos com mais rapidez, segundo Snekkevik. "Eles ainda não são a alternativa perfeita."

Calor

Agora que os ingredientes foram preparados, é hora de cozinhar. E, quanto mais quentes ficam os plásticos, mais microplásticos eles tendem a liberar.

Um estudo concluiu que recipientes de plástico aquecidos no micro-ondas por três minutos podem liberar até 4,22 milhões de partículas de microplástico e 2,11 bilhões de pedaços de nanoplástico de um único centímetro quadrado de superfície.

O uso de recipientes similares na geladeira também pode liberar "milhões a bilhões" de microplásticos e nanoplásticos, mas por um período muito mais longo, de seis meses, concluiu o estudo.

Colocar uma bebida quente em um copo de plástico descartável também gera microplásticos.

Um estudo testou diversas variedades e concluiu que copos feitos de polipropileno contendo água quente a 50 °C liberaram a maior quantidade de microplásticos. E, em todos os tipos de copos, houve menos contaminação quando o conteúdo estava frio.

Examinando os copos em seguida, os pesquisadores descobriram que o conteúdo quente havia danificado a superfície de plástico. A equipe estimou que uma pessoa que use copos de plástico descartáveis uma ou duas vezes por semana pode beber entre 18.720 e 73.840 pedaços de microplástico por ano.

Existe uma regra geral que, por acaso, segue o famoso livro de receitas Sal, Gordura, Ácido, Calor: Os Elementos da Boa Cozinha, da chef de cozinha e escritora Samin Nosrat (Ed. Cia. de Mesa, 2019). Adrian afirma que estes quatro componentes podem decompor o plástico em microplásticos com mais rapidez.

Em uma tigela de plástico, a água salgada libera três vezes mais microplásticos que com água sem sal. Isso ocorre porque os cristais de sal entram em atrito com a superfície da tigela.

Além disso, Sathyanarayana descobriu que alimentos com alto teor de gordura também contêm maiores concentrações de certos aditivos de plástico, que podem ser prejudiciais à saúde.

Limpeza

Agora que a refeição acabou, vamos lavar a louça.

Esponjas de cozinha descartáveis são mais uma fonte de micro e nanoplásticos. E, entre as que têm uma face mais mole e outra mais dura, é esta última que traz maior risco de espalhar partículas.

À medida que se desgastam, as esponjas de cozinha podem liberar até 6,5 milhões de partículas de microplástico por grama. E adicionar detergentes e outros produtos de limpeza à esponja pode fazer com que elas liberem ainda mais partículas.

Em relação a outros produtos de limpeza comuns feitos de plástico, existem ainda poucas pesquisas sobre a liberação de microplásticos.

A liberação de microplásticos por tecidos de microfibras durante a limpeza era um tema de pesquisa muito esquecido em 2024, quando Snekkevik e seus colegas publicaram sua análise.

O que se sabe é que os tecidos sintéticos liberam grandes quantidades de microplásticos e são considerados uma importante fonte de poluição plástica nos oceanos.

O que fazer com uma cozinha cheia de plástico

Vilde Snekkevik desaconselha tomar decisões precipitadas. Ela recomenda não jogar fora seus aparelhos e utensílios de cozinha feitos de plástico.

"Mesmo depois de escrever este relatório, ainda tenho alguns itens na minha cozinha que são de plástico", ela conta. "Não vou simplesmente jogar tudo fora e dizer 'chega'."

Uma estratégia é se concentrar em produtos que demonstrem óbvios sinais de lesões, como qualquer utensílio claramente raspado, cortado, descamado ou derretido.

Quando aparentemente chegar a hora de substituir algum produto, Snekkevik afirma que, de forma geral, irá escolher um substituto que não contenha plástico.

"Mas não vou sair pela cozinha imediatamente e jogar tudo fora, pois esta também não é necessariamente a forma mais ecológica de fazer isso."

Pessoa caminha sobre uma espessa camada de fragmentos plásticos coloridos

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,Em nível global, seria necessária uma redução drástica do lixo plástico para diminuir nossa exposição individual ao microplástico

Além do prato

Os alimentos e bebidas podem ser a via mais direta de entrada dos microplásticos no nosso sistema digestivo, mas ainda não sabemos ao certo qual o seu efeito sobre o nosso corpo.

As pesquisas existentes sobre os efeitos dos microplásticos do intestino ao nosso corpo são inconclusivas e poucos estudos foram realizados em seres humanos.

Alguns cientistas indicaram que eles podem prejudicar os micróbios que vivem no intestino ou que algumas partículas menores podem até chegar à nossa corrente sanguínea. E parte desse material externo pode simplesmente ficar alojado dentro do nosso corpo.

"Plásticos baseados em materiais fósseis, nas suas formas micro e nanoparticuladas, foram encontrados em virtualmente todos os órgãos do corpo que foram estudados, incluindo as artérias, cérebro, sangue, placenta e testículos", segundo Paul Anastas.

É possível que boa parte do plástico que existe dentro de nós não cause problemas de saúde, afirma Sheela Sathyanarayana. Para ela, "talvez se possa defender que as partículas podem se alojar em algum lugar e ser inertes naquela região".

Adrian destaca que também não se sabe ao certo por quanto tempo o plástico permanece no corpo, nem se ele se acumula ao longo do tempo. Por isso, o microplástico que você já ingeriu ou bebeu hoje talvez não permaneça no seu corpo para sempre.

Na verdade, já se observou que pelo menos uma parte dos microplásticos que comemos costuma passar diretamente pelo outro lado.

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Earth.

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