Hoje a música mudará para sempre. Imaginemos a sociedade como uma grande orquestra. Não uma orquestra perfeitamente afinada e estática, mas um organismo vivo, em constante ensaio e performance, cujo palco é o mundo. Nesta analogia, os diversos setores da sociedade – o Estado, o mercado, a ciência, a arte, a educação – são os instrumentos. Cada um com seu timbre único, sua tessitura e sua função harmônica. E a vida das pessoas, em sua complexidade e beleza, é a música a ser ouvida e tocada: a melodia do cotidiano, a sinfonia da existência coletiva.
No século XVIII, a orquestra do Ocidente começou a afinar-se para uma nova sinfonia: a da Razão. Denis Diderot, como um maestro do Iluminismo, regia a criação da Enciclopédia, uma partitura monumental que buscava catalogar e harmonizar todo o conhecimento humano. Em A Prosa do Mundo, Gumbrecht poderia ver nesse projeto uma tentativa de dar espessura e materialidade às ideias, transformando-as em notas precisas para que a sociedade as executasse.
Mas toda orquestra precisa de seus críticos, aqueles que desafiam as melodias dominantes. A Escola de Frankfurt assumiu esse papel crucial. Em A Imaginação Dialética, Martin Jay descreve como esses pensadores, como Adorno e Horkheimer, foram os maestros da crítica, apontando como a "sinfonia" da modernidade – prometendo progresso e liberdade – podia degenerar em uma música mecânica e alienante. O ano de 1968 foi um momento em que a plateia, insatisfeita, gritou por um repertório completamente novo, forçando a orquestra a considerar melodias de libertação, igualdade e autenticidade, compondo outras músicas e imaginando outras sociedades.
A própria matéria-prima deste concerto – o som – precisa ser compreendida. Em A Afinação do Mundo, Murray Schafer introduz o conceito de "paisagem sonora", alertando-nos para a poluição sonora que nos cerca. Uma sociedade saudável precisa cuidar de sua paisagem sonora, eliminando os ruídos do preconceito, da desinformação e da intolerância, para que a música genuína da vida possa ser ouvida. A ciência, por sua vez, nos revela que a sinfonia começa no nível mais íntimo. Em A Canção da Célula, Siddhartha Mukherjee mostra como a biologia é uma orquestra microscópica, onde cada célula toca sua parte na complexa melodia da vida. A saúde do corpo social depende da harmonia desta sinfonia interior.
No entanto, o maestro que rege esta orquestra global hoje é, cada vez mais, a informação. Em Nexus, Yuval Noah Harari argumenta que os sistemas de dados e as narrativas compartilhadas são os grandes regentes da cooperação humana em larga escala. Eles podem orquestrar feitos magníficos, como a erradicação de doenças, ou podem conduzir a sociedade ao ruído ensurdecedor da polarização, da desunião e da destruição, a depender de quem os comanda.
E como saber se a música está soando bem? Como afinar os instrumentos das políticas públicas? A sociologia, com seu método, oferece o ouvido apurado. O trabalho de Howard Becker em Evidências nos lembra que o "bom ouvido" da pesquisa social, o uso rigoroso dos dados, é essencial para identificar dissonâncias e harmonias. São as evidências que nos permitem fazer os ajustes necessários, garantindo que as "notas" tocadas pelo Estado e pelas instituições realmente gerem bem-estar – uma autêntica sinfonia na vida das pessoas.
É uma sinfonia inacabada, sempre em composição. Cabe a nós, instrumentistas e compositores ao mesmo tempo, pegar na partitura da história e, com ouvidos atentos aos dados, ao próximo e ao planeta, compor juntos a Décima Sinfonia da Terra.
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