SABERES TRANSDISCIPLINARES E ORGÂNICOS.

segunda-feira, 29 de setembro de 2025

Como encontros presenciais com Trump podem virar 'armadilha' para líderes estrangeiros — e quais os perigos para Lula






Daniel Torok/Casa Branca

Legenda da foto,Trump, que antes de chegar à Presidência foi apresentador de reality show, costuma conduzir reuniões no Salão Oval diante das câmeras
    • Author,Alessandra Corrêa
    • Role,De Washington para a BBC News Brasil

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) poderá ter uma reunião com seu homólogo americano, Donald Trump, em breve.

A possibilidade, em meio à atual tensão entre Brasil e Estados Unidos, surgiu após os dois líderes trocarem um abraço e algumas palavras em um breve encontro nos bastidores da Assembleia Geral da ONU, em Nova York, na terça-feira (23/9).

Ainda não há detalhes sobre a data nem o formato da conversa, que está sendo planejada pelas equipes diplomáticas. Acredita-se que possa ser um telefonema ou videoconferência, mas Lula não descarta um encontro presencial.

Espera-se que Lula viaje para Roma em 13 de outubro para participar de um evento da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e para Kuala Lumpur, na Malásia, no dia 25 como convidado para um encontro de líderes da Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean).

Trump pode participar de um desses eventos — ou ambos, e pessoas ligadas ao governo brasileiro especularam que os dois presidentes poderiam se reunir na Itália ou na Malásia.

A ideia de uma reunião em Washington, porém, traz riscos, diante do histórico de Trump de transformar visitas à Casa Branca em um "espetáculo", no qual líderes estrangeiros não raro são confrontados e humilhados publicamente.

Trump, que antes de chegar à Presidência foi apresentador do reality show O Aprendiz, costuma conduzir essas reuniões no Salão Oval diante das câmeras.

Pule Whatsapp! e continue lendo
BBC Brasil no WhatsAp
No WhatsApp

Agora você pode receber as notícias da BBC News Brasil no seu celular.

Clique para se inscrever

Fim do Whatsapp!

É comum que se desvie do tópico principal, muitas vezes com críticas e acusações inesperadas ao interlocutor. Em algumas ocasiões, fala em público sobre temas discutidos a portas fechadas.

A imprevisibilidade desses encontros, apelidados por funcionários e jornalistas que circulam pela Casa Branca de "O Show de Trump", transformou o que sempre foi visto como uma oportunidade de se aproximar do líder da maior potência global em uma potencial armadilha.

"(Um encontro presencial entre Lula e Trump) seria altamente arriscado, dado o histórico de Trump de tentar humilhar alguns dos (líderes) que percebe como antagonistas", diz à BBC News Brasil o historiador político Matthew Dallek, professor da Universidade George Washington.

"Como Trump é tão volátil, acho que podemos dizer, com algum grau de confiança, que qualquer líder estrangeiro que se encontre com ele em Washington terá de ter uma estratégia muito bem pensada sobre como bajulá-lo e cair nas suas graças", afirma.

Segundo Dallek, um dos desafios para Lula seria o fato de o encontro ocorrer após meses de críticas de Trump — que impôs tarifas comerciais e sanções ao Brasil em resposta ao julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, aliado ideológico do republicano.

"Em termos de interferência nos assuntos internos, Trump tem sido mais agressivo com o Brasil do que com a maioria dos outros países, especialmente em relação ao julgamento de Bolsonaro", ressalta.

"E Lula tem sido muito defensor da soberania brasileira. Tem sido um dos líderes globais mais vigorosos em rebater Trump", observa Dallek. "Tudo isso sugere que qualquer encontro (de Lula) com Trump seria muito tenso."

Bate-boca e acusação de genocídio

Volodymyr Zelensky e Donald Trump

Crédito,Reuters

Legenda da foto,Em fevereiro, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, foi acuado e acusado de ingratidão em uma reunião com Trump na Casa Branca

Dois episódios recentes costumam ser citados como exemplo e lição para líderes globais que consideram se reunir pessoalmente com Trump.

Em fevereiro, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, foi acuado e acusado de ingratidão em uma reunião que também teve a participação do vice, J.D. Vance.

A conversa incluiu ameaças de que os Estados Unidos iriam cortar a ajuda a seu país, em meio à guerra contra forças invasoras da Rússia, e acabou em um bate-boca transmitido pela imprensa internacional, que estava presente.

Em maio, foi a vez do presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, ser constrangido em público durante uma visita posteriormente descrita pela imprensa como uma "emboscada".

Talvez já cautelosos diante do fracasso da reunião com Zelensky, Ramaphosa e sua equipe pareciam ter chegado ao Salão Oval preparados. Para quebrar o gelo, a comitiva incluía até dois famosos golfistas sul-africanos, Retief Goosen e Ernie Els, já que o presidente americano é adepto do esporte.

Mas Ramaphosa foi surpreendido quando, após um início de conversa cordial, assessores da Casa Branca baixaram a luz e apresentaram um vídeo com imagens que, segundo alegações infundadas de Trump, mostravam suposta limpeza étnica e genocídio contra a população branca.

Trump acusou o governo sul-africano de confiscar terras de fazendeiros brancos, promulgar políticas discriminatórias contra brancos e adotar uma política externa antiamericana.

"Na época, Elon Musk ainda estava na Casa Branca e influenciava muito esse tipo de narrativa", diz à BBC News Brasil o professor de Relações Internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador de Harvard Vitelio Brustolin.

Musk, que nasceu na África do Sul, era muito próximo de Trump nos meses iniciais de seu primeiro mandato e se referiu várias vezes à violência em seu país natal como "genocídio" contra a população branca.

"No caso do Brasil, há Eduardo Bolsonaro", observa Brustolin. "Se você está procurando uma analogia, até nisso existe uma similaridade."

O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho de Jair Bolsonaro, mudou-se para os Estados Unidos neste ano.

As tarifas e sanções impostas pelo governo Trump contra o Brasil tiveram como pano de fundo suas articulações junto à Casa Branca para tentar pressionar pela absolvição do pai.

"Se Lula for à Casa Branca, o risco de uma situação similar à de Ramaphosa aumenta", acredita Brustolin. "Não estou dizendo que isso vai acontecer, mas há um risco evidente."

Dallek, da Universidade George Washington, concorda, ao lembrar que Trump tinha "queixas" no caso de Zelensky e Ramaphosa, assim como tem em relação a Lula.

"Portanto, acho que seria lógico que Lula enfrentasse uma recepção potencialmente hostil caso sentasse diante das câmeras em uma reunião na Casa Branca", diz Dallek.

"Lula provavelmente enfrentaria um tipo de hostilidade similar à que os líderes da Ucrânia e da África do Sul enfrentaram quando visitaram o Salão Oval", afirma.

Ansiedade e preparativos

Durante o encontro em maio, Ramaphosa rebateu as acusações pacientemente, sem criticar diretamente Trump, e a conversa não desandou em gritos, como no caso de Zelensky.

No entanto, ambos os episódios acenderam o sinal de alerta entre outros líderes estrangeiros, e mesmo políticos americanos, que se veem diante da possibilidade de uma reunião ao vivo com Trump.

Historicamente, conversas no Salão Oval eram vistas como uma maneira de honrar visitantes estrangeiros, em um roteiro altamente coreografado, nos quais a imprensa registrava imagens de apertos de mão e frases ensaiadas sobre a importância da relação bilateral.

"Todos sabiam de antemão qual a mensagem (a ser passada)", diz Dallek.

Trump quebrou essa tradição.

"Ele gosta de conduzir grande parte de seus negócios em público, de uma forma que nenhum outro presidente fez", destaca Dallek. "Gosta de criar drama, e de usar o Salão Oval e outros espaços que controla para afirmar sua dominância sobre outros líderes."

Dallek lembra que Trump muda de humor facilmente. "Num minuto, está muito impressionado (positivamente). No dia seguinte, pode dizer algo crítico."

Segundo conversas de bastidores em Washington, costuma ser alta a ansiedade nas embaixadas e governos quando há oportunidade de um encontro presencial com Trump, e os preparativos são intensos, diante do temor de humilhação pública.

Esses preparativos muitas vezes envolvem lobistas, consultores e interlocutores com experiência em lidar com o presidente americano.

Elogios e cautela

Um dos conselhos geralmente ouvidos é buscar afinidades e tentar direcionar a conversa para um rumo favorável, apostando tanto no tom quanto na substância.

Mas é preciso cautela. Caso Trump faça uma acusação sem fundamento, esses mandatários se veem obrigados a responder, especialmente levando em conta que a interação está sendo acompanhada de perto pelos eleitores em seus países de origem.

"Eles têm que ser vistos como defensores da soberania e, na verdade, da dignidade do seu próprio país", ressalta Dallek.

Ao mesmo tempo, sabem que contradizer Trump, ainda mais diante das câmeras, é considerado um risco.

Alguns apostam em elogios, mas também nesse ponto precisam ter cuidado para não passar a imagem de que estão se rebaixando.

"Certamente palavras às vezes funcionam, uma bajulação meio que exagerada", observa Dallek. "Realmente depende do que o país (do visitante) pode oferecer."

Ele cita o exemplo do primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, que chegou à Casa Branca em fevereiro munido de uma carta assinada pelo rei Charles 3º convidando Trump para uma visita de Estado.

Brustolin menciona a visita do primeiro-ministro canadense, Mark Carney, como outro exemplo bem-sucedido.

"Trump falou novamente em transformar o Canadá no 51º estado (americano)", lembra. "Caney estava pronto para essa pergunta e disse que isso não iria acontecer. Mas falou de forma diplomática, acabou não escalando."

Calcanhar de Aquiles

Apesar dos riscos, uma reunião presencial com Trump também pode trazer recompensas. No caso do Brasil, poderia destravar negociações econômicas após meses de tensão.

Brustolin salienta que, em termos comerciais, o Brasil tem o que oferecer aos Estados Unidos em uma negociação, que poderia envolver desde minerais críticos até as chamadas big techs, entre outros pontos.

"O calcanhar de Aquiles, o problema, é a discussão política, que é inegociável", salienta.

Brustolin lembra que a parte do discurso de Trump na ONU que havia sido preparada com antecedência incluía críticas ao Brasil. O presidente americano acabou falando sobre o aceno a Lula de improviso.

O professor ressalta ainda que, um dia antes, os Estados Unidos haviam anunciado novas sanções, atingindo Viviane Barci de Moraes, mulher do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, e a empresa LEX - Instituto de Estudos Jurídicos, que pertence à família do magistrado.

"Existe uma agenda preparada pelo Departamento de Estado, conforme declarações do próprio (secretário) Marco Rubio, de sancionar o Brasil", afirma Brustolin.

"Então nada indica que uma reunião entre Trump e Lula será amistosa."

Nenhum comentário:

Postar um comentário