
- Justin Rowlatt
- Editor de Clima
Em uma manhã do ano passado, John Gladwin descobriu que um saco de terra guardado sob a pia da cozinha estava rasgado em diversos pontos.
Dias depois, sentiu um cheiro forte, semelhante ao mofo e parecido com o que sente perto das lixeiras do prédio.
"Eu soube imediatamente o que era", diz. "Ratos."
Gladwin costumava vê-los com frequência ao redor das lixeiras. Agora, os animais também estavam dentro de casa.
"Eu os ouvi nos armários e atrás do painel da banheira. Certa manhã, quando acordei, eles brigavam no vão sob a banheira, gritando e berrando."

Gladwin, que mora em Croydon (região sul de Londres) com seus cinco filhos, agiu imediatamente. Aplicou óleo de hortelã-pimenta e veneno para ratos. Até agora, eles não voltaram.
Mas a experiência o deixou abalado.
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"Eu estava preocupado com a saúde das crianças, não queria que elas pegassem nada."
Havia outro sentimento também: vergonha.
"Não é legal dizer que temos ratos na casa, que nossa família vive em uma residência infestada por ratos."
A empresa de controle de pragas responsável pela intervenção na casa de Gladwin, Cleankill, atua no sul da Inglaterra.
O fundador, Clive Bury, afirma ter observado um aumento "significativo" nas chamadas sobre ratos, estimando um crescimento de 20% nos últimos dois anos.
Padrões semelhantes estão sendo relatados em todo o país.
A Associação Britânica de Controle de Pragas (BPCA, na sigla em inglês) afirma que mais da metade das empresas de controle de pragas associadas registrou aumento no número de alertas sobre ratos nos últimos cinco anos.
Os ratos vivem em ralos, esgotos e tocas, e emergem principalmente à noite. Por isso, contá-los é quase impossível, e as estimativas sobre a população de ratos no Reino Unido variam de 10 milhões a 120 milhões (a título de comparação, o Reino Unido tem 69 milhões de pessoas).
Entre 2023 e meados de 2025, mais de meio milhão de infestações de ratos foram relatadas às autoridades locais do Reino Unido, segundo pedidos de acesso à informação coletadas pela empresa de reparos Drain Detectives.
O aumento no número de ratos não ocorre apenas no Reino Unido.
Há registros de crescimento da população de animais em cidades dos EUA, como Washington D.C., São Francisco e Nova York, além de Amsterdã e Toronto.
Embora não sejam animais inerentemente sujos, os ratos se movimentam por esgotos e lixeiras e podem transmitir doenças graves aos humanos.
A leptospirose é transmitida principalmente pela urina de animais infectados (principalmente ratos).
No mundo, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima mais de 500 mil casos por ano.
No Brasil, entre 2010 e 2023, foram confirmados 32.457 casos, concentrados nas regiões Sul e Sudeste. O Ministério da Saúde alerta que a doença pode levar à morte em até 40% dos casos graves.
Já o hantavírus pode ser transmitido pela inalação de fluídos e excrementos de animais infectados (geralmente roedores como ratos) e causar síndrome cardiopulmonar por hantavírus (HPS) ou febre hemorrágica com síndrome renal (FHSR), dependendo da espécie e da região.
No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, foram confirmados 758 casos de hantavirose entre 2013 e 2023.
Os ratos também podem contaminar alimentos e se alimentar de produtos agrícolas.
Então, considerando que os ratos se mostram espertos em evitar armadilhas, especialistas questionam o que seria necessário para controlá-los e se ainda é possível impedir que invadam as cidades.
Aumento das temperaturas
Bobby Corrigan se autodenomina especialista em ratos urbanos. Ele começou como exterminador em Nova York e passou a vida estudando ratos.
"Acabei nos esgotos, tentando pendurar iscas venenosas para matar ratos."
Anos depois, enquanto estudava ratos na faculdade, buscou compreender o comportamento desses animais. Certa vez, Corrigan dormiu no chão de um celeiro infestado de ratos para observá-los de perto.
Ele se surpreendeu com a complexa estrutura social e as evidências do que ele acreditava serem sinais de altruísmo.
"Vi ratos jovens carregando comida e dando para ratos mais velhos que não conseguiam se locomover", lembra ele.
Corrigan também se dedicou a entender as causas do aumento da população de ratos.
Há várias razões para o aumento da população de ratos. Niall Gallagher, gerente técnico da BPCA, cita a crescente demanda por fast food, a coleta de lixo menos frequente em algumas prefeituras, além de obras em estradas e prédios que afetam a rede de esgoto.
Também há evidências de que o aumento das temperaturas pode estar envolvido.
Bobby Corrigan, que trabalhou no Departamento de Saúde da Cidade de Nova York como cientista pesquisador, junto a pesquisadores da Universidade de Richmond, Virgínia, investigou se a atividade dos ratos estava correlacionada ao aumento da temperatura.
Evidências científicas descobriram que as populações de ratos são sensíveis à temperatura.
O estudo analisou 16 cidades, principalmente na América do Norte, e foi publicado na revista Science Advances no início deste ano. Em 11 delas, se registrou aumento significativo na atividade de ratos ao longo de 7 a 17 anos.

Em Washington, D.C., o aumento na atividade de ratos foi de quase 400%; em São Francisco, 300%; em Toronto, 180%; e em Nova York, 160%. Apenas três cidades registraram queda, incluindo Tóquio e Nova Orleans.
"Cidades que tiveram maiores aumentos de temperatura apresentaram mais ratos", concluiu o estudo, que aponta elevação de até 2°C em alguns locais durante o período analisado.
Corrigan acredita que, enquanto as temperaturas continuarem a subir e, em particular, os invernos se tornarem mais quentes, o aumento no número de ratos provavelmente continuará.
Segundo o Climate Action Tracker, um grupo de pesquisadores climáticos independentes, as temperaturas globais devem subir entre 1,9°C e 2,7°C acima da média pré-industrial até 2100.
No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, os surtos epidêmicos de leptospirose estão ligados aos períodos de chuva e é encontrada com maior frequência nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Paraná, Pará, Bahia e Pernambuco.
Nos últimos três anos, foi observado um aumento da incidência, com aproximadamente 3.000 casos por ano.
Procriadores fenomenais - mas não no frio
Os ratos se reproduzem rapidamente. Uma fêmea pode ter cerca de seis ninhadas por ano, cada uma com até 12 filhotes.
Esses ratos podem começar a procriar após nove semanas, o que permite que dois ratos gerem potencialmente mais de 1.000 descendentes em um ano.

Pesquisadores afirmam que a população de ratos tende a crescer especialmente nas cidades, onde asfalto e prédios retêm calor e esquentam mais rápido que áreas rurais.
Corrigan aponta que a migração de pessoas do campo para as cidades contribui para o problema.
"A terra está desaparecendo rapidamente, e estamos construindo prédios que reduzem o habitat [dos ratos] na natureza", diz.
Novos edifícios oferecem mais recantos, canos e ralos para os ratos, o que aumenta o desafio de controlar a população crescente.
Uma superpotência surpreendente
Um fato curioso sobre ratos ajuda a explicar por que iscas venenosas nem sempre funcionam: eles não conseguem vomitar.
Em teoria, isso significa que, ao ingerir veneno, ratos não conseguem se livrar dele.
Mas os ratos também são "neofóbicos", ou seja, têm medo de objetos e alimentos novos, segundo o professor Steven Belmain, professor de ecologia na Universidade de Greenwich (Reino Unido). Ele acredita que os dois pontos estão relacionados.
É uma espécie de "superpoder", ele diz, pois quando eles se deparam com um alimento em potencial, eles não o pegam de imediato.
"Eles só vão experimentar um pouquinho. Então, quando entenderem que não estão se sentindo mal, vão pensar: 'Tudo bem, posso comer isso'", afirma Belmain.
"Pode-se argumentar que essa abordagem cautelosa à vida lhes foi útil."

Alan Buckle, da Universidade de Reading (Reino UNido), diz que passou 30 anos tentando desenvolver novos venenos para ratos — e, rindo, afirma: "Eu falhei".
Se um veneno tiver gosto ruim ou causar desconforto ou dor a um rato, ele não comerá mais. É por isso que se usam substâncias de ação mais lenta, principalmente anticoagulantes — medicamentos que impedem a formação de coágulos no sangue.
Esses produtos podem levar até uma semana para agir, tempo suficiente para que os ratos ingiram uma dose letal. São, porém, reconhecidos como uma forma cruel de morte, porque provocam hemorragia interna.
Além disso, nos últimos anos, os ratos desenvolveram mutações genéticas que lhes dão alguma imunidade a esses medicamentos poderosos também.
Alguns pesquisadores estudam o uso de anticoncepcionais orais como alternativa mais humana para controlar o crescimento populacional.
Em patrulha com o 'Czar dos Ratos'
Poucos conhecem esse desafio melhor do que Kathleen Corradi, ex-professora nomeada em 2023 "Czar dos Ratos" da cidade de Nova York.
Estima-se que 3 milhões de ratos vivam nos cinco distritos, e Corradi teria recebido US$ 3,5 milhões (cerca de R$ 19,5 milhões) para aumentar a conscientização pública sobre a mitigação de ratos.
Ela criou o que chama de "academia de ratos", que ensina as pessoas a evitar que seus bairros sejam invadidos por ratos.

"Eles fazem uma 'caminhada dos ratos' comigo, pelos bairros, e conversamos sobre comportamento humano e de ratos", disse Corradi à BBC no início deste mês.
"Explicamos como tudo acontece e o que as pessoas podem fazer em seus bairros."
A equipe dela também pede aos moradores que liguem ao observar ratos ou sinais que possam atraí-los. Inspetores investigam os relatos e determinam medidas, aplicando multas pesadas quando necessário.
Outra mudança importante foi na coleta de lixo: em vez de sacos plásticos na rua, a maioria dos nova-iorquinos agora é obrigada a usar lixeiras à prova de ratos.

Corradi está deixando o cargo, mas afirma que a abordagem já mostra resultados.
Em última análise, ela explicou, "cortar a fonte de alimento dos ratos é a chave para uma redução sustentada".
Lixeiras transbordando e fast food
De volta a Croydon, em Londres, Alex Donnovan, controlador de pragas da Cleankill, leva a reportagem da BBC até o quintal da casa de John Gladwin. É quase madrugada, e ele gesticula para que eu fique parado e em silêncio.
Momentos depois, se ouve um farfalhar e um rato sai correndo de baixo da passarela de concreto em direção às lixeiras comunitárias. Em seguida, a cabeça de um rato enorme emerge de uma toca no fundo do jardim.
Durante duas horas na propriedade, alguns ratos subiram em árvores, enquanto um deles, mais atrevido, pulou em uma lixeira e retirou um pedaço de comida de um saco plástico a menos de um metro de distância.
Donnovan considera quase impossível controlar uma infestação desse tamanho. "Há tanta comida", aponta para lixeiras transbordando de sacos de lixo.
"Mesmo com raticida, eles não comem. Eles simplesmente não estão interessados... Quando essas lixeiras ficam infestadas de ratos, os lixeiros também não querem mais coletar", afirma.

Temperaturas mais altas podem favorecer o aumento da população de ratos, mas lixeiras transbordando, a preferência por fast food e comunidades fragmentadas dificultam o controle.
No Reino Unido, mais pessoas vivem próximas umas das outras. O Escritório Nacional de Estatísticas projeta que a população passará de 67,6 milhões em 2022 para 72,5 milhões em 2032, com crescimento da proporção de habitantes em áreas urbanas.
Então, em vez de depender de veneno, a solução pode estar em algo muito mais simples.

"Se cuidarmos do meio ambiente da nossa cidade, não precisaremos ser tão desumanos com eles", argumenta Corrigan.
"Ao não dar [aos ratos acesso] à comida e aos restos, não precisamos envenená-los, matá-los, torturá-los e todas as coisas malucas que fazemos com eles."
O desafio agora é agir rápido. Afinal, como ele diz, nós já os "subestimamos" os ratos.
"Ignoramos os ratos, deixamos que saíssem do controle... e agora estamos pagando o preço."
Reportagem adicional: Florence Freeman
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